Razão geográfica da
lama na praia do Cassino
Google Earth Imagem
de satélite Eurípedes Falcão Vieira*Ao longo de todo o litoral do Rio Grande do
Sul – Torres/Chuí – a Barra do Rio Grande é o maior evento físico da dialética
geográfica sedimentar. A Barra do Rio Grande desencadeia grande potencial
energético na interação entre dois ambientes naturais: estuário da laguna dos
Patos e oceano contíguo. O acontecimento natural entre os dois ambientes produz
movimentos de energia recorrente. “Pode-se tomar a energia seminal do
acontecimento como causa e ter energias em sequência nos efeitos. A condição de
causa e efeito é reversível em todos os acontecimentos geográficos, porém a
cada transformação uma nova fonte de energia se desencadeia, mudando,
permanentemente, o modelado das paisagens naturais”, em Vieira (2014:7). Na
presente atualidade, a extensão litorânea do Rio Grande do Sul tem uma
conformação sedimentar configurada em extensas praias, segmentadas, em vários
trechos, por alinhamentos de acumulados arenosos tipo dunas. Há algumas
interrupções na continuidade praial, mas de pequeno porte, por onde se processa
o escoamento de correntes fluviais ou de arroios. Mesmo assim, lançam no
oceano, permanentemente, um volume hídrico-sedimentar compatível com suas
escalas de grandeza. Na evolução das barreiras-restingas do litoral sul
brasileiro, configura-se um complexo lagunar e lacustre no qual são destaques
pelo dimensionamento a laguna dos Patos e a lagoa Mirim. Essas duas grandes
lâminas d’água, interconectadas, formam uma área estuarina. “O estuário da
laguna dos Patos se define a partir do canal de acesso da corrente
hidrossedimentar de origem continental (corrente de vazante) no oceano e, na
reversão, de entrada da corrente de maré salina atlântica. A realidade
geográfica do estuário da laguna dos Patos é uma interação entre a dinâmica de
sedimentação, o sistema de forças que se estabelece nos formatos hidrográficos
envolvidos e o campo energético oceânico costeiro”, em Vieira (2013:113-114). O
potencial de descarga hidrossedimentar do estuário para o oceano Atlântico via
Barra do Rio Grande depende do volume de precipitações pluviométricas nas
bacias hidrográficas que se direcionam para leste – inclinação da base do
relevo - cerca de 75% de toda rede hidrográfica do Rio Grande do Sul. Na imagem
de satélite abaixo (Fig. 1) tem-se o delineamento do estuário da laguna dos
Patos, suas feições emersas, entornos de vasa e corrente de vazante para o
oceano. Fig. 1. Imagem de satélite.
Google Earth. Pela imagem acima se pode
ter nítida percepção da complexidade da composição da corrente de vazante no trânsito
pelo estuário da laguna dos Patos e saída na embocadura com o oceano Atlântico.
Os molhes projetam o fluxo hidrossedimentar a pouco mais de 4 km, mudando a
distribuição dos sedimentos em função do redirecionamento das correntes mais
próximas à costa e inclinação no movimento das ondas. Nesse sentido, tem
fundamental importância o anticiclone do Atlântico situado pouco acima da
latitude da Barra, gerador de correntes de ar de nordeste, principalmente. Há,
portanto, um sistema de eventos na
geografia física local, tomando uma área de ocorrência, no caso a interconexão
estuário/oceano. A partir do molhe oeste forma-se uma zona de decantação de
sedimentos mais acentuada, influindo, inclusive na deriva litorânea para o sul.
A periodicidade da presença de lama na praia do Cassino, acentuadamente do
molhe oeste até cerca de 10/15 km para o sul, é resultante da conformação
estuarina no compartimento final do maior sistema lagunar/lacustre do litoral
brasileiro. A recorrência das deposições de vasa passou a ter escala crescente
após a conclusão dos molhes em 1914 e o aprofundamento do canal da Barra de 10m
inicialmente, para 12 e 14 m. Com maior profundidade, o canal passou a escoar
um volume hidrossedimentar maior. Uma carta náutica de 1775 (Biblioteca Rio-Grandense)
mostra um grande e alongado banco de areia na embocadura. As antigas caravelas
o contornavam e por um estreito canal, junto à praia do Cassino, entravam num
canal de pouco mais de 4 metros. Na
década de 1950, já há registros na imprensa local de leves camadas de barro
depositadas na praia do Cassino. Em 1984, no livro Geografia Física e Vegetação
do RS, escrevi: “Periodicamente, quando ondas de maior envergadura se tornam
dissimétricas ao contato com o fundo, acabam por provocar correntes de levantamento
das vasas, lançando-as sobre a praia. O fenômeno é conhecido como “barro da
praia” ou depósitos lamíticos”. Em outro
livro Planície Costeia do Rio Grande do Sul (1988), também estudei e analisei a
ocorrência de lama na praia do Cassino. Os
grandes volumes pluviométricos nas bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul e
Uruguai, acumulados superiores a 1.300 mm anuais, chegando a picos de mais de
1.700 mm, provocam vazões excepcionais (22.0000 m3/s), vazões normais a máximas
entre 8.000/14.000 m3/s). Assim, nessa condição sistêmica do acontecimento
sedimentar costeiro - erosão continental, pluviosidade, transporte da carga
hidrossedimentar, sedimentação e energia oceânica – o estuário e o canal da
Barra do Rio Grande têm a primazia sobre o evento natural que tanto preocupa a
comunidade rio-grandina. A imagem abaixo (Fig.2), complemento, mostra a
colossal massa hidrossedimentar se aproximando da saída do estuário da Prata no
oceano Atlântico. São 50 milhões de m3/ano de sedimentos (argilas e outros) originários
de várias estruturas geológicas da América do Sul, destacando-se, em particular
o Pantanal do Mato Grosso. Os dois estuários são, portanto, as principais
fontes atuais no processo de acumulação sedimentar (sedimentos finos e lama) na
plataforma continental ao longo do litoral do Rio Grande do Sul,
particularmente, em áreas delimitadas da estrutura de base da plataforma
continental até uma extensão de 200 km.
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