Açaí da Mata Atlântica é cultivado em solo gaúcho
Fruto da palmeira juçara tem sabor semelhante ao da espécie
da Amazônia por Lara Ely
Com colorido marcante, fruto tem paladar neutro: nem ácido,
nem doce, nem salgado
Foto: Bruno Alencastro / Agencia RBS
Muito consumido no verão, o açaí da Amazônia viaja mais de
4,5 mil quilômetros até chegar à boca do gaúcho. O que muita gente não sabe é
que, a pouco mais de uma hora da Capital, na região que vai de Maquiné a
Torres, existe uma espécie de sabor muito semelhante e com valor nutricional quatro
vezes superior à amazônica.
Confira receitas com
o açaí de juçara
Fruto da palmeira juçara, o chamado "açaí da Mata
Atlântica" é apresentado como alternativa de renda aos agricultores da
região litorânea. Por força de lei, a extração do palmito que nasce da planta
também conhecida por ripeira foi proibida, já que sua retirada ameaçava a
extinção da espécie. Ao ser cortada a parte branca e suculenta, disposta na
parte superior da palmeira, a planta torna-se improdutiva. Por isso, hoje a
produção do palmito juçara só é autorizada com manejo sustentável e se
realizada em áreas controladas.
Assista à coleta de
açaí Juçara:
No caso do açaí da juçara, a coleta renova o fruto, e ele
floresce todos os anos. Algumas das 70 espécies de animais que se alimentam
dele, como tucano, jacutinga, aracuã e porco do mato, encarregam-se de
disseminar o replantio ao carregar o fruto pelo bico ou liberar as sementes
pelas fezes.
O voluntariado despretensioso da fauna ajuda, mas não é
suficiente para combater a atividade dos ladrões de juçara. Grupos de extração
ilegal de palmito, que atuam na calada da noite na região, levam muitos
agricultores a desistirem da cultura.
— As pessoas até se interessam. Cultivam a palmeira, e
quando está começando a dar o fruto bonito, vem alguém e corta fora para vender
palmito. Aí, desmotivam — diz o coletor Rafael Ritter, de Barra do Ouro.
Para coletar o açaí, Ritter usa um instrumento chamado
pecunha. É um cinto feito com tiras de sofá reaproveitadas, que ajudam a
escalar a escorregadia palmeira. A coleta ocorre em árvores aleatórias na mata
ou em propriedades de conhecidos. É comum, nesses casos, pedir licença para
entrar e trocar a matéria-prima pelo produto final. Ele colhe a fruta e devolve
apenas a polpa.
Para ampliar a divulgação do produto e garantir a
continuidade do trabalho, Rafael, a mulher, Valéria, e um grupo de ecologistas
começaram uma campanha de repovoamento de Juçara. Eles distribuem sementes,
realizam feiras, eventos de trocas, degustação. E difundem a educação ambiental
como podem.
De uns tempos para cá, arrumaram uma parceria com
praticantes de voo livre do Morro da Borússia para fazer chuvas de semente no
céu de Osório, com o objetivo de proliferar a árvore pela região — e chamar a
atenção para o seu consumo e preservação.
A safra no Litoral Norte vai de dezembro a janeiro. Mas como
a Serra do Mar apresenta locais com microclimas diferentes, os agricultores
conseguem coletar em Maquiné, no período de dezembro a março, e perto de Três
Cachoeiras, a partir de abril. Isso mantém a produção em boa parte do ano.
Nutricionista
recomenda uso em preparações salgadas
Um quilo de polpa, direto do produtor, sai por R$ 14. A
safra anual estimada é de 10 toneladas de fruto, o que equivale a cinco
toneladas de polpa, explica o produtor agroecológico Amilton Munari, que
conheceu a palmeira durante o trabalho de garimpo em Rondônia. O número é baixo
se comparado com a quantidade de frutos que chega ao Estado vinda de Belém do
Pará.
— A demanda é maior do que a oferta (de açaí juçara) — diz
Carla Kohlrausch, dona da unidade Menino Deus da Oficina do Açaí, onde, em um
mês, é consumida uma tonelada e meia de polpa.
O açaí disputa espaço com sorvete e o hit da estação, as
paletas mexicanas. É um erro de aposta, na opinião da nutricionista Daniele de
Paiva Galereano, responsável pela alimentação escolar dos municípios de Três
Cachoeiras e Terra de Areia:
— O açaí acaba sendo vendido como sobremesa, ou lanche,
sempre em preparo doce, mas tem um potencial culinário ainda pouco explorado
por chefs de cozinha. Combina bem em preparações salgadas.
A antocianina presente no açaí juçara é um tipo de
antioxidante comum em frutas como o mirtilo (blueberry). O fruto tem mais
antioxidades do que o famoso goji berry, trazido de fora, e ainda previne
câncer. Mesmo com alto valor calórico, o fruto é tão rico em nutrientes que a
recomendação é consumi-lo sem restrição. Uma dica é comer in natura com frutas
cítricas, pois a vitamina C ajuda na absorção do ferro. Seu colorido marcante
tem a vantagem de ser acompanhado por um paladar neutro: nem ácido, nem doce,
nem salgado.
Produção ainda
engatinha
Assim como a maioria dos itens plantados e colhidos no
sistema de produção agroecológica, a Juçara ainda não é encontrada em larga
escala, o que impede que a cadeia produtiva seja turbinada. Por isso, algumas
unidades de beneficiamento, onde ocorre a higienização, preparo, despolpe e
envaze do produto, são pequenas, informais e artesanais. Apenas em Torres, na
Cooperativa Econativa, existe uma unidade de beneficiamento formalizada e com
CNPJ. As demais estão em vias de formalização.
– O processamento requer certificação. Processar e estocar
polpa envolve toda uma logística de produção e distribuição que tem um alto
custo – explica o agricultor Luciano Maciel Coberllini.
Mesmo assim, sem selo oficial, os consumidores adoram. Quem
conhece garante que o sabor é infinitamente superior ao da Amazônia, e trata
logo de garantir o seu. Na manhã da última sexta-feira, o músico Augusto André
foi à feira em Imbé para comprar sete quilos de Juçara – quantidade necessária
para abastecer o consumo da casa em que vive, em Glorinha.
Fregueses de Ritter na feirinha, a bióloga Shanna Jaeger
Losd e o funcionário público Rodrigo Pereira da Rosa foram categóricos na
aprovação do açaí gaúcho. Ela nem conhece o da Amazônia. Já Rodrigo diz que o
fruto do Norte não tem gosto de nada.
Não que seja uma questão territorialista, como pode parecer
devido ao clichê "melhor porque é nosso". É que todo o cuidado com a
terra, o ambiente, o homem e a saúde envolvidos no processo resultam em um
produto interessante. Não é apenas a sua cor que provoca os olhos de quem está
prestes a consumi-lo. É que o sabor diferente chama a atenção para o fato de
que, por trás de uma frutinha preta nutritiva, existe toda uma história de
pertencimento à terra e engajamento com a palmeirinha polivalente.
ONDE ENCONTRAR
Ecofeira em Imbé
6ª feiras, das 7h ao meio-dia
Av. Paraguassu, junto à prefeitura
Feira de produtores de Capão da Canoa
Sábados, das 8h às 13h
Estacionamento da Prefeitura
Feira do Agricultor de Maquiné
Sábados, das 7h às 12h
Em frente ao salão paroquial da Igreja Santo André Avelino
Armazém Café Canto da Terra
Praça da Paz- Centro de Maquiné
Fone: 3628-1274
Encomendas para a Capital e o Litoral Norte
associação.icara@gmail.com
tomado de zero hora de rgs br
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