domingo, 22 de enero de 2017

POR QUE AS PRISÕES SÃO RECRUTADORAS DE SOLDADOS DO CRIME?

 POR QUE AS PRISÕES SÃO RECRUTADORAS DE SOLDADOS DO CRIME
População carcerária não para de crescer no país e, mesmo assim, aumenta a criminalidade Por: Schirlei Alves
Valas para mortos em ManausFoto: EDMAR BARROS / FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO 
Nos últimos 16 anos, a população carcerária no Brasil quase triplicou, mas a violência não diminuiu. Pelo contrário. Aumentou dentro e fora dos presídios com o crescimento de homicídios nas ruas, massacres em prisões e fortalecimento de facções cada vez mais brutais em suas ações.
Ao mesmo tempo em que empilhou presos na última década, o Brasil importou o padrão mexicano de violência no qual matar para demonstrar poder e expor sua brutalidade diante de autoridades não tem limites.
O número de detentos no país saltou de 232,3 mil, em 2000, para 647 mil detentos, em 2016. Destes, 37,7% (244,3 mil) correspondem a provisórios, que ainda aguardam julgamento. 
Embora o número de vagas tenha crescido na mesma proporção até 2014 (de 135,7 mil para 371,8 mil), a capacidade sempre foi inferior.
E o pior é que o Estado sequer controla a massa carcéria. Os números colocam o Brasil no topo da lista de países encarceradores (na quarta posição). 
Na última década, o país também se destacou pela violência. De acordo com o Atlas da Violência divulgado no ano passado, estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil liderou o ranking de mortes em números absolutos ao registrar quase 60 mil homicídios em 2014.
— A estratégia de aprisionamento desenfreado, que fez duplicar o número de presos em uma década, não reduziu os índices de violência, principalmente de homicídios. Significa que algo está errado, estamos aprisionando muito e mal. Estamos criando o próprio inferno — avalia o autor do Mapa da Violência, Julio Jacobo Waiselfiz.
Guerra se dá pelo domínio do tráfico
Os massacres desencadeados em unidades prisionais a partir do primeiro dia do ano, e que acumularam quase uma centena e meia de mortes até sexta-feira, expõem a crise no sistema carcerário já alertada pela ONU no ano passado, pela Anistia Internacional no Brasil em campanhas de Direitos Humanos em anos anteriores e por especialistas que atuam na linha de frente da Segurança Pública.
— A situação dos presídios brasileiros não chegou onde está da noite para o dia. Houve negligência e inércia das autoridades em abordar os problemas que já vinham sendo anunciados não só por organizações de Direitos Humanos, mas por órgãos estatais como o Conselho Nacional de Justiça — advertiu Renata Neder, assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional no Brasil.
A tragédia anunciada dos presídios é fomentada por um único interesse: o dinheiro. As duas principais facções do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio, que costumam se aliar a organizações menores em alguns Estados, se digladiam pelo monopólio do tráfico de drogas. 
A diferença em relação ao México não é a violência, mas a quantidade de cartéis em disputa. 
Para Guaracy Mingardi, analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Estado não cuidou das cadeias, o que permitiu que as facções assumissem o comando e passassem a dar as ordens lá dentro.
— As grandes organizações (criminosas) querem os presídios porque, se mandam dentro, mandam fora também. É importante o controle para ganhar adeptos. O dinheiro está fora da cadeia. Essa guerra começou em parte por isso. Muitos locais tiveram resistência à chegada do PCC — explica.
O espaço prisional se tornou a armadilha perfeita para recrutar soldados do crime. Segundo o presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, o preso primário que não tem envolvimento com as organizações se vê obrigado a aderir a um dos lados dentro da cadeia. 
Não se trata de uma escolha, mas de uma questão de sobrevivência. Ao sair do cárcere, esse preso está condenado a mais uma pena: a de retribuir os favores da prisão.
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"São os presos que mandam no presídio. E a sociedade paga caro por isso".
 
Filiação a facções em busca de dinheiro
Para o autor do Mapa da Violência, Julio Jacobo Waiselfiz, a superlotação dos presídios é resultado de prisões mal feitas, com pouca investigação. A maior parte dos presos por tráfico de drogas pertence a hierarquias muito baixas no mundo crime. 
As prisões por tráfico correspondem a 28%, segundo dados do Infopen. Se somados os crimes contra o patrimônio, contra a pessoa e relacionados às drogas, juntos correspondem a 87% do total.
— Todo mundo sabe que esse contraventor vai sair criminoso de primeira geração da cadeia, porque ele entra na universidade do crime — avalia Waiselfiz.
Segundo o Infopen, 55% dos presos têm entre 18 e 29 anos, 61,6% são negros e 75% têm até, no máximo, o Ensino Fundamental incompleto. 
Para o pesquisador da Universidade Estadual do Oeste do Paraná Pery Francisco Assis Shikida, que estuda a economia do crime nas cadeias do país, as pessoas que estão presas não têm estrutura familiar, base religiosa ou formação educacional, o que as deixa mais vulneráveis a se associarem às organizações.
Entre os motivos que levam o preso a se filiar a uma facção, está a ideia de poder, dinheiro, proteção física, falta de oportunidade e influência de outros presos. TOMADO DE ZERO HORA DE RGS BR


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