Mapeamento inédito mostra como o aquecimento global está
associado a fome, mortes e conflitos armados. Segundo os autores, a escassez de
alimento, água e combustível leva adultos e crianças a situações extremas,
principalmente na África
PO Paloma Oliveto
foto Em 2016, venezuelanos enfrentaram a polícia devido à
escassez de alimentos gerada pela queda do preço do petróleo(foto: AFP / JUAN
BARRETO)
As consequências de um planeta cada vez mais quente são bem
conhecidas. Aumento do nível do mar, branqueamento de corais, derretimento de
geleiras, secas frequentes, destruição de habitats... Poucos, porém, associam
essas catástrofes ambientais a tragédias não menos graves. Pesquisas demonstram
que assassinatos, conflitos armados e até suicídios estão diretamente
relacionados à escassez de recursos naturais provocada pelas mudanças
climáticas.
Agora, um mapeamento mundial realizado pela Universidade
Anglia Ruskin, na Grã-Bretanha, dá a dimensão do problema. O chamado Mapa do
Caos, uma ferramenta interativa, já contou 1,3 mil mortes violentas, de 2005 a
2017, causadas por falta de água, combustível e insegurança alimentar.
O mapa concentra-se nos três recursos naturais — alimento,
água e combustível — e, para cada um deles, associa sete tipos de inquietações
sociais: tumulto, manifestação, protesto, saqueamento, suicídio e conflito. No
período analisado, a maior parte do mundo ocidental, incluindo o Brasil, não
tem registros de atos violentos e mortes em decorrência das mudanças
climáticas. Contudo, um dos autores avisa: “Todos estamos vulneráveis, essa é
uma chamada urgente”, diz Aled Jones, diretor do Instituto Global de Sustentabilidade
da universidade.
De acordo com Jones, além de alertar para a gravidade do
problema, a ferramenta poderá ser usada para prever tensões associadas a
recursos naturais-chave. “Sem uma boa preparação, as tragédias climáticas cada
vez mais frequentes, como alagamentos e secas que destroem colheitas, poderão
levar à violência de larga escala, além do colapso de mercados futuros”,
alerta.
Um dos exemplos que o Mapa do Caos destaca é o do verão de
2016 na Venezuela, quando o preço mundial do petróleo despencou, arruinando a
economia do país, extremamente dependente do combustível fóssil, que responde
por 95% das exportações. Escassez de alimentos e outros produtos levou milhares
às ruas em manifestações violentas, saques e mortes. Vinte e quatro pessoas
foram assassinadas e mais de 400, presas. Somente em junho, mais de 200 mil
venezuelanos atravessaram a fronteira com a Colômbia em busca de alimentos e
remédios. No ano seguinte, 92 pessoas morreram, também em conflitos associados
à falta de recursos básicos.
O preço dos combustíveis também aumentou: 50% de janeiro a
abril, o que encareceu o transporte e, consequentemente, os produtos. Faminta e
enfurecida com a compra de oito jatos presidenciais a US$ 740 milhões, a
população foi às ruas em 11 de abril. Nove pessoas morreram, 30 jornalistas
foram feridos ou baleados e, apenas em Campala, a capital, 84 manifestantes
foram parar em hospitais.
O maior incidente reportado no mapa ocorreu no Sri Lanka, em
2006. O bloqueio aos sistemas de abastecimento de água, consequência de uma
guerra política entre o governo e insurgentes do grupo armado Tigres de
Liberação do Tamil Eelam, provocou a morte de 425 pessoas.
Desnutrição
Além dos conflitos, uma das consequências diretas das
mudanças climáticas sobre a população mundial, em especial nas regiões mais
pobres do planeta, é a desnutrição, responsável por quase metade das mortes de
crianças com menos de 5 anos. “Os extremos de temperatura e os padrões
irregulares de precipitação associados às mudanças climáticas estão afetando a
produção de alimentos e a infraestrutura crítica para a distribuição dos
mesmos, o que, por sua vez, afeta diretamente os padrões de nutrição da
população”, diz Matthew Cooper, pesquisador do Instituto Internacional de
Análise de Sistemas Aplicados nos Estados Unidos e autor de um estudo que
analisou a relação entre desnutrição infantil e mudanças climáticas.
A pesquisa, cujos dados foram processados e analisados por
um software de inteligência artificial, usou dados de 580 mil crianças de 53
países para investigar como os extremos de precipitação — falta ou excesso —
afetam o status nutricional de meninos e meninas desde a década de 1990. Os
resultados indicam que seca e alagamentos estão associados diretamente a uma
piora na nutrição das crianças.
“O fardo é particularmente pesado na África e em partes do
sul da Ásia, onde conflitos, fragilidade política e seca são mais prevalentes”,
diz o estudo, publicado na revista Pnas. “A seca, em particular, afeta
pesadamente as comunidades pobres, especialmente as crianças dos países em
desenvolvimento, onde grande parte dos meios de subsistência depende da
agricultura familiar. Uma das consequências da má nutrição infantil é o atraso
no crescimento — em outras palavras, crescimento e desenvolvimento prejudicados
—, que atualmente afeta pelo menos uma em cada três crianças nessas partes do
mundo.” // tomado de correio brazliense
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