A noradrenalina pode ter papel fundamental no
desenvolvimento da doença. O bloqueio de um receptor desse neurotransmissor
favorece a ocorrência de efeitos tóxicos no cérebro. Descoberta feita por
americanos abre portas para novo alvo terapêutico
PO Paloma Oliveto
(foto: AFP/Sébastien
BOZON AND Sébastien BOZON)
Nos últimos 15 anos, a compreensão da doença de
Alzheimer deu um salto, com a identificação de proteínas que,
modificadas, destroem os neurônios progressivamente,
provocando os bem estabelecidos sintomas de perda cognitiva e funcional nos
pacientes. Contudo, esse conhecimento não se traduziu em benefícios clínicos, e
todos os medicamentos em potencial falharam nos testes. Agora, pesquisadores da
Universidade do Alabama, em Birmingham (EUA), afirmam terem encontrado a peça
que faltava para fechar o quebra-cabeça dessa enfermidade, que deve chegar a
152 milhões de casos até 2050, de acordo com a Organização Mundial da Saúde
(OMS).
Em um artigo publicado na revista Science Translational
Medicine, a equipe de pesquisadores demonstra a importância de um terceiro
personagem na patologia: o neurotransmissor noradrenalina, também conhecido
como norepinefrina. Os testes com camundongos e tecidos cerebrais humanos
revelaram que o bloqueio de um receptor dessa substância natural produzida pelo
cérebro favorece o efeito tóxico que caracteriza a deterioração da proteína
beta-amiloide. Além disso, os cientistas descobriram que medicamentos já
existentes no mercado conseguiram, em camundongos, retardar a progressão da
neurodegeneração e restaurar as funções cognitivas.
“Nosso estudo fornece novas ideias sobre os mecanismos subjacentes à toxicidade da proteína beta-amiloide que podem ter fortes implicações no projeto de futuros medicamentos”, afirma Qin Wang, professora de biologia celular, desenvolvimento e biologia integrativa e líder da pesquisa. “Ele identifica um alvo terapêutico atraente e específico para a doença de Alzheimer.” De acordo com ela, o mecanismo patológico identificado no estudo também pode explicar por que vários ensaios clínicos visando à redução do acúmulo da proteína amiloide no cérebro fracassaram.
A bióloga diz que já se sabe que o excesso de pedaços gordurosos de beta-amiloide no cérebro atua como um gatilho para induzir alterações em outra proteína, a tau. Modificada, ela se transforma em uma destruidora de neurônios, o que caracteriza a doença de Alzheimer. Porém, o caminho entre esses dois mecanismos era desconhecido até agora. Nos exames com tecidos cerebrais de pacientes que morreram com a enfermidade, os cientistas descobriram que as placas beta-amiloides sequestram a sinalização da noradrenalina nos neurônios. Esses, por sua vez, redirecionam esse sinal para ativar uma enzima chamada GSK3-beta. Ativada, ela torna a tau tóxica para as células cerebrais.
Isso ocorre em um receptor de membrana celular na superfície dos neurônios chamado alfa-2A. Receptores de membrana são proteínas específicas para determinadas moléculas: quando entram em contato com elas, desencadeiam reações químicas dentro da célula. Nesse caso, dos neurônios. Wang explica que, embora o acúmulo de placas beta-amiloide ative a enzima GSK3-beta, a presença de norepinefrina dobrou a sinalização para que ela entrasse em ação e, assim, promovesse a toxicidade das proteínas tau.
Os pesquisadores descobriram que, no tecido do córtex de pacientes que morreram com a doença, o receptor adrenérgico alfa-2A estava significativamente aumentado, o que suporta a hipótese levantada por eles. Outra informação que apoia a existência desse mecanismo é um estudo epidemiológico do Centro Nacional de Coordenação de Alzheimer, nos Estados Unidos. Ele mostrou que o uso da droga clonidina — um ativador do alfa-2A — usada para baixar a pressão arterial, piorou a função cognitiva em pacientes que já apresentava esse tipo de deficit. Além disso, os efeitos adversos da substância foram mais fortes em pacientes com demência grave. O uso de clonidina não provocou alterações em indivíduos com cognição normal.
“Nosso estudo fornece novas ideias sobre os mecanismos subjacentes à toxicidade da proteína beta-amiloide que podem ter fortes implicações no projeto de futuros medicamentos”, afirma Qin Wang, professora de biologia celular, desenvolvimento e biologia integrativa e líder da pesquisa. “Ele identifica um alvo terapêutico atraente e específico para a doença de Alzheimer.” De acordo com ela, o mecanismo patológico identificado no estudo também pode explicar por que vários ensaios clínicos visando à redução do acúmulo da proteína amiloide no cérebro fracassaram.
A bióloga diz que já se sabe que o excesso de pedaços gordurosos de beta-amiloide no cérebro atua como um gatilho para induzir alterações em outra proteína, a tau. Modificada, ela se transforma em uma destruidora de neurônios, o que caracteriza a doença de Alzheimer. Porém, o caminho entre esses dois mecanismos era desconhecido até agora. Nos exames com tecidos cerebrais de pacientes que morreram com a enfermidade, os cientistas descobriram que as placas beta-amiloides sequestram a sinalização da noradrenalina nos neurônios. Esses, por sua vez, redirecionam esse sinal para ativar uma enzima chamada GSK3-beta. Ativada, ela torna a tau tóxica para as células cerebrais.
Isso ocorre em um receptor de membrana celular na superfície dos neurônios chamado alfa-2A. Receptores de membrana são proteínas específicas para determinadas moléculas: quando entram em contato com elas, desencadeiam reações químicas dentro da célula. Nesse caso, dos neurônios. Wang explica que, embora o acúmulo de placas beta-amiloide ative a enzima GSK3-beta, a presença de norepinefrina dobrou a sinalização para que ela entrasse em ação e, assim, promovesse a toxicidade das proteínas tau.
Os pesquisadores descobriram que, no tecido do córtex de pacientes que morreram com a doença, o receptor adrenérgico alfa-2A estava significativamente aumentado, o que suporta a hipótese levantada por eles. Outra informação que apoia a existência desse mecanismo é um estudo epidemiológico do Centro Nacional de Coordenação de Alzheimer, nos Estados Unidos. Ele mostrou que o uso da droga clonidina — um ativador do alfa-2A — usada para baixar a pressão arterial, piorou a função cognitiva em pacientes que já apresentava esse tipo de deficit. Além disso, os efeitos adversos da substância foram mais fortes em pacientes com demência grave. O uso de clonidina não provocou alterações em indivíduos com cognição normal.
Testes promissores
Em outra faze do estudo, a equipe testou um medicamento
existente — idazoxan — em um modelo de camundongo da doença de Alzheimer. Essa
substância é um antagonista do alfa-2A que está sendo pesquisado em ensaios
clínicos para depressão. A hipótese era de que, ao bloquear a ação do receptor
em animais com patologia semelhante ao Alzheimer, o medicamento poderia agir
diretamente contra a doença.
Os camundongos foram tratados por oito semanas a partir dos 8 meses de idade, um momento em que as placas beta-amiloide já estão presentes no cérebro e o receptor adrenérgico alfa-2A está em ação. Comparado ao grupo de controle, os animais que receberam a substância apresentaram diversas melhoras. O idazoxan reverteu a hiperativação da enzima GSK3-beta; houve redução do acúmulo das placas beta-amiloide no córtex cerebral; a proteína tau sofreu menos alterações e, consequentemente, ficou menos tóxica; e o desempenho em testes cognitivos foram quase tão bons quanto ao dos ratos normais e significativamente melhor, comparados aos ratos modelo de Alzheimer não tratados.
“Os bloqueadores dos receptores adrenérgicos alfa-2A, como o idazoxan, foram desenvolvidos para uso em outros distúrbios, e o reaproveitamento desses medicamentos pode ser uma estratégia potencialmente eficaz e prontamente disponível para o tratamento da doença de Alzheimer”, afirma Wang. “Além disso, nossos dados sugerem que o alfa-2A é um alvo terapêutico atraente e específico para a doença de Alzheimer”, observa.
Os camundongos foram tratados por oito semanas a partir dos 8 meses de idade, um momento em que as placas beta-amiloide já estão presentes no cérebro e o receptor adrenérgico alfa-2A está em ação. Comparado ao grupo de controle, os animais que receberam a substância apresentaram diversas melhoras. O idazoxan reverteu a hiperativação da enzima GSK3-beta; houve redução do acúmulo das placas beta-amiloide no córtex cerebral; a proteína tau sofreu menos alterações e, consequentemente, ficou menos tóxica; e o desempenho em testes cognitivos foram quase tão bons quanto ao dos ratos normais e significativamente melhor, comparados aos ratos modelo de Alzheimer não tratados.
“Os bloqueadores dos receptores adrenérgicos alfa-2A, como o idazoxan, foram desenvolvidos para uso em outros distúrbios, e o reaproveitamento desses medicamentos pode ser uma estratégia potencialmente eficaz e prontamente disponível para o tratamento da doença de Alzheimer”, afirma Wang. “Além disso, nossos dados sugerem que o alfa-2A é um alvo terapêutico atraente e específico para a doença de Alzheimer”, observa.
Palavra de especialista
Mais um tijolinho
“Sabemos que a engrenagem pela qual a doença destrói o cérebro tem duas frentes: uma é a proteína beta-amiloide e a outra é a proteína tau. Mas, hoje, o que a maioria da comunidade científica entende é que essa teoria deve estar contida em algo maior. E aí precisamos saber que outros mecanismos ativariam essa cascata amiloide. Dentro desse cenário, os pesquisadores da Universidade do Alabama publicam o estudo mostrando que a noradrenalina pode ter um papel nisso, e não apenas especulam, mas fazem um estudo experimental muito elegante, de três fases. Estudando o tecido cerebral, os pesquisadores viram que existia um determinado receptor, que é o da noradrenalina, que, quando bloqueado, provoca um aumento de uma enzima, a GSK3 — essa, sim, muito conhecida pelo envolvimento nessa cascata amiloide. O resultado principal do estudo é mostrar o caminho metabólico dessa engrenagem, é colocar mais um tijolinho na parede do conhecimento científico dessa área. Isso abre potencial para que novas frentes de desenvolvimento de tratamento sejam feitas. Mas estamos falando de modelo animal. Até se chegar a uma molécula e a testar em humanos, seriam pelo menos oito anos. O outro lado interessante é que temos outros remédios que agem sobre a noradrenalina. Inclusive, alguns antidepressivos usados corriqueiramente no mercado. Alguns deles poderiam, sim, ter um efeito benéfico sobre a doença. Então, abre uma porta para que remédios que já existem sejam testados quanto à sua possível colaboração no tratamento da doença de Alzheimer." Otávio Castelo, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer, regional DF (Abraz/DF).
“Sabemos que a engrenagem pela qual a doença destrói o cérebro tem duas frentes: uma é a proteína beta-amiloide e a outra é a proteína tau. Mas, hoje, o que a maioria da comunidade científica entende é que essa teoria deve estar contida em algo maior. E aí precisamos saber que outros mecanismos ativariam essa cascata amiloide. Dentro desse cenário, os pesquisadores da Universidade do Alabama publicam o estudo mostrando que a noradrenalina pode ter um papel nisso, e não apenas especulam, mas fazem um estudo experimental muito elegante, de três fases. Estudando o tecido cerebral, os pesquisadores viram que existia um determinado receptor, que é o da noradrenalina, que, quando bloqueado, provoca um aumento de uma enzima, a GSK3 — essa, sim, muito conhecida pelo envolvimento nessa cascata amiloide. O resultado principal do estudo é mostrar o caminho metabólico dessa engrenagem, é colocar mais um tijolinho na parede do conhecimento científico dessa área. Isso abre potencial para que novas frentes de desenvolvimento de tratamento sejam feitas. Mas estamos falando de modelo animal. Até se chegar a uma molécula e a testar em humanos, seriam pelo menos oito anos. O outro lado interessante é que temos outros remédios que agem sobre a noradrenalina. Inclusive, alguns antidepressivos usados corriqueiramente no mercado. Alguns deles poderiam, sim, ter um efeito benéfico sobre a doença. Então, abre uma porta para que remédios que já existem sejam testados quanto à sua possível colaboração no tratamento da doença de Alzheimer." Otávio Castelo, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer, regional DF (Abraz/DF).
TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
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