Covid-19: os cuidados que o paciente deve ter mesmo após
se 'curar'
A Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que
independentemente da gravidade na doença aguda, qualquer pessoa que teve
covid-19 pode apresentar sintomas posteriores que necessitam de acompanhamento
Mariana Alvim - @marianaalvim - Da BBC News Brasil em São
Paulo
"Covid longa", "covid persistente",
"covid-19 pós-aguda" ou a "síndrome pós-covid" são alguns
nomes que vêm batizando um conjunto de resquícios da doença causada pelo novo
coronavírus ou novos problemas de saúde que uma pessoa pode ter semanas ou
meses depois da fase aguda da covid-19 — quando a replicação viral é mais
ativa, resultando normalmente em testes positivos e sintomas típicos dessa
fase, como febre e tosse seca.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados
Unidos (CDC, na sigla em inglês, uma agência de saúde pública) definiu que
prefere o termo "condições pós-covid", que consistem em problemas de
saúde manifestados a partir de quatro semanas após a primeira infecção.
Um estudo que acompanhou 1.733 pessoas por seis meses após a
infecção por covid-19 em Wuhan, na China, mostrou que a maioria (76%) relatou
pelo menos um sintoma nesse período posterior à fase aguda. Os mais relatados
foram cansaço e fraqueza muscular (63%); dificuldades para dormir (26%); e
ansiedade e depressão (23%).
Além dos frequentes sintomas de fundo neurológico e
psíquico, autoridades alertam também para consequências graves da covid-19 no
pulmão e coração.
Então, depois de lidar com a fase aguda, como uma pessoa
pode monitorar as consequências da doença? A BBC News consultou médicos,
pesquisas científicas e recomendações de autoridades para responder, a partir
do que se sabe sobre a doença hoje.
Exames quando houver sinais
Os entrevistados afirmaram que, em linhas gerais, ter tido
covid-19 por si só não deve motivar uma corrida por exames e consultas médicas
posteriores, ainda mais considerando-se a necessidade do isolamento social — a
não ser que existam sintomas incômodos e persistentes.
"A maioria dos casos de covid-19 afeta apenas as vias
aéreas (como no nariz e na garganta), há muitos casos assintomáticos ou apenas
ambulatoriais (onde acontecem atendimentos menos graves). Não tem necessidade
de fazer exames em todas as pessoas que tiveram covid-19, não tem necessidade
de elas serem rotineiramente acompanhadas (por médicos)", diz o
infectologista Moacyr Silva Junior, do Hospital Israelita Albert Einstein.
Silva Junior conta que a prática no seu hospital é fazer
exames de retorno presenciais, cerca de sete a dez dias após a alta, apenas em
pessoas que ficaram internadas.
"Os casos que precisam de mais atenção são os
internados. Dias depois, fazemos exames de rotina, como de sangue",
explica, detalhando que a equipe busca nos exames de sangue indicadores sobre o
rim, o fígado, a coagulação e a normalização de células do sistema de defesa,
entre outros.
Em janeiro, em uma nova edição de suas recomendações para a
prática médica envolvendo a covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
incluiu um capítulo dedicado apenas ao cuidado de pacientes posterior à doença
aguda, defendendo que "pesquisas sobre sequelas de médio e longo prazo da
covid-19 são prioritárias".
Na publicação, a OMS ratificou que "pacientes
internados em UTIs têm maior prevalência de sintomas em quase todos os domínios"
da covid-19 persistente. Uma exceção para a relação entre gravidade na doença
aguda e efeitos posteriores são os sintomas neurológicos e psíquicos, como será
detalhado abaixo.
NELSON ALMEIDA/AFP via Getty Images'Pacientes internados em
UTIs têm maior prevalência de sintomas em quase todos os domínios' da
pós-covid, diz publicação da OMS
Mas a organização reconhece na publicação que,
independentemente da gravidade na doença aguda, qualquer pessoa que teve
covid-19 pode apresentar sintomas posteriores que necessitam de acompanhamento
— e alguns podem não ser tão aparentes, como alterações cognitivas, o que exige
atenção também de parentes e cuidadores.
Por outro lado, há consequências de covid-19 que colocam a
vida em risco e exigem atendimento emergencial, como embolia pulmonar, infarto
do miocárdio, arritmias, miopericardite, insuficiência cardíaca, acidente
vascular cerebral (AVC), convulsões e encefalite, completa a OMS.
Consequências nos pulmões e no coração
Um artigo que fez uma revisão de pesquisas científicas já
feitas sobre o tema, publicado em março na revista Nature, mostrou que, em
várias partes do mundo, a falta de ar foi relatada em média por 30% dos
pacientes acompanhados nos meses seguintes à fase aguda.
A própria OMS tem uma cartilha (em inglês) com exercícios a
serem realizados pelas próprias pessoas que venham a sentir falta de ar em
casa.
Mas, quando essas técnicas não resolvem o problema e há
sinais como falta de ar insuportável e desmaios, é hora de procurar ajuda
médica.
"Quando a pessoa está se recuperando em casa, mas sente
desconforto durante atividades diárias, sejam elas cotidianas ou práticas
esportivas, quando percebe um cansaço desproporcional, é importante ser
avaliada", explica Gustavo Prado, pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo
Cruz.
Prado explica que o paciente com sintomas respiratórios
prolongados costuma passar por exames de imagem, como uma radiografia ou
tomografia de tórax, por provas da função pulmonar, como a espirometria, e por
uma avaliação do desempenho físico, como teste de esforço com caminhada.
Estes exames podem ajudar também a detectar a fibrose
pulmonar, uma das duas complicações crônicas no órgão mais graves da covid-19,
de acordo com o pneumologista — a outra é a hipoxemia, a baixa oxigenação
decorrente de problemas nas trocas gasosas nos alvéolos pulmonares, em que o
oxigênio do ar é captado pelo sangue e o CO2 é liberado.
"Nos pacientes que tiveram comprometimento pulmonar
mais extenso, a troca gasosa é diminuída, e a possibilidade de evolução para
fibrose é maior. A fibrose é aquela alteração crônica do pulmão que se preenche
de cicatrizes, onde antes tinha inflamação. Em qualquer lugar onde a cicatriz
se instala, a funcionalidade do tecido diminui. Ele fica mais rígido e não
executa normalmente suas funções", explica Prado.
"É incomum a gente observar fibrose em quem teve
quadros leves. Ela vai ser mais perceptível nos pacientes que apresentaram
formas graves, internações prolongadas, normalmente necessidade de uso de
oxigênio e até intubação e ventilação mecânica durante a internação. É
improvável a fibrose aparecer tardiamente como uma surpresa, ela normalmente é
um quadro progressivo que instala a partir dessa primeira agressão pulmonar
pela infecção."
O coração também é um dos alvos do coronavírus, ainda mais
em casos graves na fase aguda, e como consequência persistente pode levar à
falta de ar, assim como ocorre em problemas envolvendo o pulmão — coincidências
que mostram a importância da consulta médica.
"É muito difícil para o próprio paciente identificar se
uma dificuldade de realizar um determinado esforço, ou uma atividade que eles
antes fazia sem nenhum comprometimento, é por uma limitação respiratória, por
uma fraqueza muscular ou por um problema cardiovascular", exemplifica
Prado.
Segundo o artigo publicado na Nature, outros sintomas
persistentes da covid-19 no coração são a palpitação e a dor no peito, que
podem indicar sequelas de longo prazo, como a fibrose miocárdica, arritmias, e
miocardite, problemas constatados, além da consulta médica, por exames como
ecocardiograma e eletrocardiograma.
Efeitos no cérebro
Getty ImagesCansaço, dor de cabeça e depressão estão entre problemas frequentemente relatados por que teve covid-19, mesmo semanas ou meses depois da infecção
"Praticamente todo campo da neurologia parece ter
efeitos, a gama de sintomas é muito grande", diz Clarissa Yasuda, médica e
professora do Departamento de Neurologia da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp).
Ela e uma equipe de pesquisadores da universidade estão
acompanhando as consequências no cérebro de pessoas que tiveram covid-19 no
levantamento Neuro-Covid. Há um questionário online aberto para pessoas
contribuirem com a pesquisa.
Em outubro de 2020, a equipe publicou um estudo do tipo
pré-print (sem a chamada revisão dos pares, etapa padrão em que outros
especialistas analisam um estudo e decidem se ele será publicado ou não em uma
revista científica) com dados sobre 81 pessoas que tiveram covid-19 leve e se
recuperaram.
Elas passaram por exames de ressonância magnética,
questionários e testes cognitivos, que mostraram que, em média 60 dias após o
diagnóstico da covid-19, os pacientes ainda apresentavam dor de cabeça (40%),
fadiga (40%), alteração de memória (30%), ansiedade (28%), depressão (20%),
perda de olfato (28%) e paladar (16%), entre outros.
"Existem muitas manifestações. A pessoa deve ficar atenta
se as coisas não estão iguais a antes da infecção — no sono, nas lembranças, no
desempenho de atividades diárias, se há dor de cabeça, redução da
sensibilidade, alteração dos sentidos… Com a persistência dos sintomas, sugiro
buscar um neurologista", recomenda Yasuda.
A médica explica que exames como o de ressonância magnética,
que estão sendo aplicados em voluntários, podem ajudar no diagnóstico. Mas nem
sempre.
"A maioria das disfunções neurológicas mais sutis, que
afetam a vida diária — memória, alteração no sono… —, não levam a alterações na
ressonância. Colher sangue, fazer exame de ressonância vai resolver? Muitas
vezes não. Na suspeita de persistência de problema neurológico, a pessoa tem
que ser examinada e entrevistada por um neurologista."
Em suas recomendações sobre efeitos neurológicos e psíquicos
de médio e longo prazo da covid-19, a OMS sugere a aplicação de questionários
referendados por cientistas, como a Avaliação Cognitiva de Montreal e a Escala
Hospitalar de Ansiedade e Depressão.
Segundo Yasuda, alguns questionários são por padrão
aplicados pelo médico, enquanto outros podem ser feitos pelo próprio paciente
sozinho. De todo modo, ela lembra que tais avalições são mais um instrumento e
não o diagnóstico final — esse um papel do médico, que chega a tal resultado
combinando informações dos questionários, exames, consultas presenciais e
histórico do paciente.
Diferente dos efeitos persistentes no coração e no pulmão, a
professora da Unicamp diz que as consequências no cérebro chamam a atenção por
afetar muitas pessoas que tiveram uma covid-19 leve.
"Desde janeiro, milhares de pessoas responderam nosso
formulário. E, agora, a cada dia aparece mais gente com queixas neurológicas. É
muito angustiante. A maior implicação disso será a volta dessas pessoas ao
trabalho. A consequência será imensa", diz, referindo-se às dificuldades
de concentração, bem-estar, memória, entre outras, com que milhares de pessoas
já estão vivendo, e muitas mais viverão, no pós-covid.
Tomado de correio braziiense
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