GASTRONOMIA
O ingrediente secreto que faz o chocolate ser tão gostoso
O conhecido gosto do chocolate é produzido por minúsculos
microrganismos que ajudam a transformar os ingredientes crus naquele produto
final divino e complexo
Caitlin Clark - The Conversation*
O chocolate segue sendo uma iguaria irresistível -
Seja assado em formato de biscoito, derretido em uma bebida doce quente ou moldado em forma de coelho, o chocolate é um dos alimentos mais consumidos no mundo.
Mas mesmo os maiores amantes do chocolate podem não saber
que este alimento milenar tem algo em comum com o kimchi e o kombuchá: seu
sabor vem da fermentação.
O conhecido gosto do chocolate é produzido por minúsculos
microrganismos que ajudam a transformar os ingredientes crus naquele produto final
divino e complexo.
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ingredientes nativos
Em laboratórios no Peru, Bélgica e até mesmo na Costa do
Marfim, autoproclamados cientistas do chocolate (como eu) trabalham para
entender como a fermentação muda o sabor do chocolate.
Às vezes criamos fermentações artificiais em laboratório.
Outras vezes, provamos grãos de cacau fermentados "pela natureza".
Frequentemente transformamos nossos lotes experimentais em chocolates e pedimos a voluntários para prová-los e nos dizerem quais sabores eles conseguem detectar.
Depois de décadas de testes, os pesquisadores resolveram
muitos dos mistérios que governam a fermentação do cacau, incluindo os
microrganismos envolvidos e como essa etapa influi no sabor e na qualidade do
chocolate.
Da semente à barra de chocolate
O alimento que você conhece como chocolate começa a vida em
sementes em forma de bola de futebol americano que crescem diretamente do
tronco da árvore Theobroma cacao.
Tudo parece algo que poderia ter sido inventado em um livro infantil do Dr. Seuss, mas 3,9 mil anos atrás, os olmecas da América Central desenvolveram um processo de várias etapas para transformar esses frutos com sementes gigantes em uma iguaria comestível.
Primeiro, a fruta colorida é aberta e suas sementes e polpa
são extraídas.
Getty ImagesO chocolate começa a sua vida nas sementes em
forma de bola de futebol da árvore Theobroma cacao
As sementes, agora chamadas de "grãos", são
curadas e deixadas escorrendo por três a dez dias antes de serem colocadas para
secagem ao sol.
Os grãos secos são torrados e depois amassados ??com açúcar
e, às vezes, leite em pó, até que a mistura fique tão homogênea a ponto de ser
impossível distinguir suas partículas na língua.
Neste ponto, o chocolate está pronto para ser transformado
em barras, biscoitos ou bombons.
É durante a fase de cura que a fermentação ocorre
naturalmente.
O sabor complexo do chocolate consiste em centenas de
compostos individuais, muitos dos quais são gerados durante a fermentação.
A fermentação é o processo de realçar as qualidades de um
alimento por meio da atividade controlada de micróbios e permite que os grãos
de cacau amargos ou insípidos desenvolvam os sabores ricos associados ao
chocolate.
Microorganismos em ação
A fermentação do cacau é um processo de várias etapas.
Getty ImagesDentro das vagens estão as sementes e a polpa
Quaisquer microorganismos compostos produzidos ao longo do
caminho que alterem o sabor dos grãos também mudam o sabor final do chocolate.
A primeira etapa da fermentação pode ser familiar para os
cervejeiros caseiros porque é feita com leveduras, algumas das quais são as
mesmas que fermentam a cerveja e o vinho.
Como na sua bebida favorita, a levedura na fermentação do
cacau produz álcool ao digerir a polpa açucarada que se agarra aos grãos.
Este processo gera moléculas de sabor frutado conhecidas
como ésteres e óleos fúsel com sabores florais.
Esses compostos penetram nos grãos e são encontrados no
chocolate final.
À medida que a polpa se decompõe, o oxigênio ingressa na
massa de fermento e a quantidade de fermento diminui à medida que as bactérias,
que gostam de oxigênio, assumem o controle.
Elas são conhecidas como bactérias do ácido acético, porque
convertem o álcool gerado pela levedura em ácido acético.
Getty ImagesAs chocolaterias de alta qualidade escolhem seus
grãos com cuidado
Este ácido penetra nos grãos e causa alterações bioquímicas.
A planta que brota morre. As gorduras se aglomeram. Algumas
enzimas quebram as proteínas em peptídeos menores, que começam a cheirar a
chocolate durante o próximo estágio da torrefação.
Outras enzimas quebram as moléculas de antioxidante
polifenólico, graças às quais o chocolate ganhou popularidade como um
superalimento.
Como resultado, ao contrário da crença popular, a maioria
dos chocolates contém muito pouco ou nenhum antioxidante polifenólico.
A transformação do sabor
Todas as reações causadas por bactérias do ácido acético têm
um grande impacto no paladar.
Esses ácidos promovem a quebra das moléculas de polifenol —
que têm uma cor violeta profunda e são fortemente adstringentes — em produtos
químicos marrons de sabor mais suave, conhecidos como o-quinonas.
Getty ImagesOs grãos são secos ao sol e os micróbios fazem
seu trabalho de forma invisível
É aqui que os grãos do cacau deixam de ter um sabor amargo e
passam a ter um sabor rico e de nozes.
Essa transformação do sabor é acompanhada por uma mudança de
cor de roxo avermelhado para marrom, e é a razão pela qual o chocolate
geralmente é marrom e não roxo.
Finalmente, à medida que o ácido evapora lentamente e os
açúcares se esgotam, outras espécies, como fungos filamentosos e a bactéria
formadora de esporos Bacillus, assumem o controle.
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Por mais importantes que sejam os micróbios no processo de
fabricação do chocolate, esses organismos às vezes podem arruinar a
fermentação.
O crescimento excessivo da bactéria Bacillus,
formadora de esporos, está associado a compostos que levam a sabores rançosos,
como o queijo.
O terroir do chocolate
O cacau é uma fermentação selvagem: os agricultores contam
com micróbios naturais do meio ambiente para criar sabores locais únicos.
Esse fenômeno é conhecido como "terroir": o estilo
característico que um lugar confere.
Getty ImagesÀ medida que a secagem avança, diferentes microrganismos surgem naturalmente para fazer seu trabalho no preparo dos grãos
Da mesma forma que as uvas fornecem terroirs regionais,
esses micróbios selvagens, aliados ao processo particular de cada agricultor,
dão terroir aos grãos fermentados em cada local.
A demanda do mercado por esses grãos finos de alta qualidade
está aumentando.
Os fabricantes de chocolate gourmet de pequenos lotes
selecionam manualmente os grãos com base em seu terroir distinto para produzir
chocolates com uma variedade impressionante de sabores.
Se você experimentou apenas o chocolate em barra,
normalmente visto em supermercados, provavelmente não tem ideia da variedade e
complexidade que um chocolate verdadeiramente bom pode ter.
Uma barra da Akesson em Madagascar pode fazer você pensar em framboesas e damascos, enquanto uma barra peruana de fermentação selvagem do fabricante canadense Qantu tem um gosto que parece de chocolate embebido em Sauvignon Blanc.
No entanto, em ambos os casos, as barras só contêm grãos de
cacau e um pouco de açúcar.
Este é o poder da fermentação: mudar, converter,
transformar.
Ele pega o normal e o torna incomum, graças à magia dos
micróbios.
*Caitlin Clark é pesquisadoar em Ciências dos Alimentos
na Colorado State University, nos Estados Unidos.
Tomado de correio brasiliense
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