Com a decisão, a transportadora que o empregava foi condenada a pagar indenização de R$ 200 mil por dano moral aos familiares e pensão para a filha até que ela complete 24 anos
*Fernanda Strickland
crédito: Tomaz Silva/Agência Brasil)
A Justiça do Trabalho de Minas Gerais reconheceu como acidente de trabalho a morte por covid-19 de um
motorista de caminhão. A empregadora, uma transportadora, foi condenada a pagar
indenização por danos morais, no valor de R$ 200 mil, e indenização por danos
materiais em forma de pensão até que a filha complete 24 anos. A decisão é do
juiz Luciano José de Oliveira, que analisou o caso na Vara do Trabalho de Três
Corações (MG).
Na decisão do Tribunal do Trabalho
da 3° Região (MG), a família, que requereu judicialmente a reparação
compensatória, alegou que o trabalhador foi infectado pelo novo coronavírus no
exercício de suas funções, foi internado e faleceu após complicações da doença.
“O motorista começou a sentir os primeiros sintomas em 15 de maio de 2020, após
realizar uma viagem de 10 dias da cidade de Extrema, Minas Gerais, para Maceió,
Alagoas; e, na sequência, para Recife, Pernambuco”, explica em nota o Tribunal.
Em sua defesa, a empresa alegou que o caso não se enquadra
na espécie de acidente de trabalho. “Informou que sempre cumpriu as normas atinentes
à segurança de seus trabalhadores, após a declaração da situação de pandemia.
Disse ainda que sempre forneceu os EPIs necessários, orientando os empregados
quanto aos riscos de contaminação e às medidas profiláticas que deveriam ser
adotadas”.
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"Conclui-se ser absolutamente prescindível apurar a
culpa do empregador pela ocorrência da fatalidade. Isso é, a adoção pela teoria
da responsabilização objetiva, in casu, é inteiramente pertinente, porquanto
advém do dever de assumir o risco por eventuais infortúnios sofridos pelo
empregado ao submetê-lo ao trabalho durante período agudo da pandemia do
coronavírus, sendo notória sua exposição habitual aos riscos de sofrer um mal
maior, como ocorreu, encontrando-se absolutamente vulnerável aos ambientes a que
se submetia ao longo das viagens, ficando suscetível à contaminação, seja pelas
instalações sanitárias (muitas vezes precárias) existentes nos pontos de
parada, seja nos pátios de carregamento dos colaboradores e clientes, seja na
sede ou filiais da empresa", diz um trecho da sentença.
E lembrou que, em abril do ano passado, o Supremo Tribunal
Federal derrubou um artigo da Medida Provisória 927/2020 que previa que os
casos de contaminação por covid-19 não seriam considerados ocupacionais.
Como a decisão foi tomada em primeira instância, a empresa
ainda pode entrar com recurso para tentar derrubar a condenação. No processo, a
transportadora contestou a tese de acidente de trabalho e argumentou que sempre
cumpriu as normas sanitárias para garantir a segurança dos empregados na
pandemia, inclusive com a distribuição de equipamentos de proteção individual
(EPIs) e orientações sobre os riscos de contaminação.
Porém, na avaliação do caso, o juiz deu razão à família do
motorista. Para o magistrado, a adoção da teoria da responsabilização objetiva,
no caso, é inteiramente pertinente, pois advém do dever de assumir o risco por
eventuais infortúnios sofridos pelo empregado ao submetê-lo ao trabalho durante
a pandemia do coronavírus. “Na visão do juiz, o motorista ficou suscetível à
contaminação nas instalações sanitárias, muitas vezes precárias, existentes nos
pontos de parada, nos pátios de carregamento dos colaboradores e clientes e,
ainda, na sede ou filiais da empresa”, explica em sentença.
O que dizem os especialistas
Conforme dispõe o art. 19 da Lei nº 8.213/91, "acidente
de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou
pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11
desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte
ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o
trabalho".
Ramille Taguatinga, do Kolbe Advogados Associados, especialista em direito
trabalhista, explica que segundo a lei, acidente de trabalho é aquele que
acontece por conta do exercício da função, tal como quando um pintor, em cima
de uma escada, cai dela enquanto pintava uma parede, quebrando a perna”.
De acordo com a especialista em direito trabalhista, o direito à indenização
está intimamente relacionado aos danos causados pelo acidente de trabalho. “Os
danos podem ser materiais (gastos com medicamentos e exames médicos, por
exemplo), morais (quando atingem a esfera íntima do empregado) ou estéticos
(quando alteram a fisionomia do empregado). Se existem danos que foram causados
pelo acidente, há o nexo de causalidade; portanto, há o direito à indenização”.
Ramille explica que, para a morte ocasionada pelo coronavírus ser considerada
acidente de trabalho, deve haver o entendimento do magistrado de que a empresa
não adotou postura de proatividade e zelo em relação aos seus empregados,
aderindo ao conjunto de medidas capazes de, senão neutralizar, ao menos
minimizar o risco imposto aos trabalhadores. “O fornecimento de álcool e outros
produtos para higiene como sabão nos banheiros, além da obrigatoriedade do uso
de máscaras e o reforço do distanciamento entre os empregados é essencial para
que os riscos sejam menores e a culpa da empresa seja afastada”.
Na avaliação da especialista em direito trabalhista, essa decisão impõe ônus
excessivo sobre o empregador, considerando que o mundo inteiro está vivenciando
a pandemia. “A atividade desempenhada pelo empregado, no caso, não poderia ser
remota, pois era de motorista. Assim, as medidas a serem tomadas pela empresa
devem ser as de minimização dos riscos, de forma que apenas a evidência
absoluta de que nenhuma medida foi tomada, como, por exemplo, que não houvesse
disponibilização de álcool ou exigência do uso de máscara, caracterizaria
alguma responsabilidade da empresa, a qual ainda não seria absoluta,
considerando que a infecção pelo coronavírus não ocorre exclusivamente pelo
desempenho da atividade”, avalia.
O advogado Gabriel Cunha Rodrigues, especialista em direito do trabalho,
comenta que é uma decisão paradigmática, sobretudo no atual cenário da
pandemia, no qual o Poder Judiciário reconheceu a contaminação pelo coronavírus
como doença ocupacional, enquadrada, portanto, como acidente de trabalho, cujo
reflexo direto é a responsabilização objetiva da empresa. “Na realidade, a
decisão reafirma o entendimento proferido pelo STF, que suspendeu a eficácia do
artigo 29, da MP nº 927/2020, que trilhou a conclusão no sentido de que os
casos de contaminação pelo coronavírus não seriam consideradas doenças
ocupacionais”.
Em sua avaliação Gabriel diz que partindo-se da premissa de que a contaminação
pelo coronavírus fora considerada como acidente de trabalho. “Toda a conclusão
jurídica aponta para a responsabilização objetiva, na qual a empresa responderá
independentemente de culpa ou dolo, tão somente pelo fato de assumir o risco de
eventuais infortúnios sofridos pelo empregado ao submetê-lo ao trabalho durante
o período da pandemia e a possibilidade de contaminação e complicações de saúde
decorrentes do coronavírus”.
“A decisão se imiscuir em questões de prova, na qual ficou registrado que a
empresa não atuou de forma a reduzir as possibilidades e graus de exposição do
empregado ao contágio pelo coronavírus”, completa o especialista.
Cunha ressalta que a decisão precisa ser avaliada com bastante cautela,
porquanto o entendimento no sentido de que o contágio pelo coronavírus se
enquadra como acidente de trabalho reverbera, de modo exponencial, nas relações
trabalhistas, e traz ao empregador diversas implicações jurídicas. “Como a
decisão ainda é passível de recurso, é importante se atentar ao posicionamento
do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre o tema e os reflexos dessa
decisão, sobretudo pelo fato de que tal decisão transcenderá a diversos outros
processos em trâmite no país”.
*Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro
Tomado de envio de correio brasiliense
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