CORONAVAC: CHILE VAI APLICAR TERCEIRA DOSE. BRASIL FARÁ O MESMO?
Com 65% da população já completamente vacinada, o Chile é um
dos países com a campanha de proteção contra o coronavírus mais adiantada do
mundo
André Biernath - @andre_biernath - Da BBC News Brasil em São Paulo
A partir desta semana, os chilenos com mais de 55 anos já
poderão tomar uma terceira dose das vacinas que protegem contra a covid-19.
O anúncio foi feito no dia 5 de agosto pelo presidente
Sebastián Piñera. Ele confirmou que o programa de reforço na imunização começa
dia 11/8 e, por enquanto, estará disponível apenas para os cidadãos que
receberam antes de 31 de março as duas doses da CoronaVac, desenvolvida pela
farmacêutica chinesa Sinovac.
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Com 65% da população já completamente vacinada, o Chile é um
dos países com a campanha de proteção contra o coronavírus mais adiantada do
mundo.
Segundo a subsecretária de Saúde do país, Paula Daza,
indivíduos com mais de 55 anos receberão uma terceira dose da AZD1222, de
AstraZeneca e Universidade de Oxford. Já para aqueles que estão abaixo dessa
idade, será oferecida posteriormente a Comirnaty, de Pfizer e BioNTech.
Por ora, os chilenos que tomaram duas doses da AZD1222 ou da
Comirnaty não serão contemplados com o reforço. Mas eles configuram uma
minoria: a CoronaVac foi aplicada em 90% dos vacinados do país.
A decisão do governo vem como uma resposta aos estudos e
orientações dos cientistas de instituições locais, que observaram uma
diminuição da eficácia da vacina da Sinovac com o passar dos meses.
A nação sul-americana também passa por um momento de
relativa estabilidade da pandemia, com quedas nos números de casos e mortes por
covid-19. Mas a chegada da variante Delta ligou o sinal de alerta das
autoridades sanitárias locais e acelerou a discussão e a decisão sobre a
necessidade de uma terceira dose.
Por enquanto, ainda não há nenhuma definição sobre o reforço
vacinal no Brasil, mas tanto o Ministério da Saúde quanto o Instituto Butantan
(responsável por finalizar a produção da CoronaVac no país) admitem que avaliam
e consideram essa possibilidade.
Na dúvida, melhor garantir
De acordo com o painel da Universidade Johns Hopkins, dos
Estados Unidos, o Chile contabiliza até o momento 1,6 milhões de casos e 35 mil
mortes pela covid-19.
O pior período da pandemia por lá ocorreu entre junho e
julho de 2020, quando o país alcançou uma média móvel de 240 óbitos por dia.
A nação também registrou uma segunda onda entre março e
junho de 2021 e ultrapassou a média de 7,3 mil diagnósticos diários da infecção
pelo coronavírus.
É curioso notar que, nesse segundo período de maior
gravidade, não houve um aumento proporcional na taxa de mortes (embora elas
tenham subido), o que reforça a ideia de que as vacinas estão cumprindo na
prática o que foi visto nos estudos clínicos: uma proteção contra os casos mais
graves, que exigem intubação e podem matar.
Falando na imunização, o Chile é o terceiro lugar no mundo
com a campanha mais adiantada (só fica atrás de Emirados Árabes Unidos e
Uruguai), em que 65% da população está com as duas doses e 8% com a primeira
aplicação.
Todos esses dados vêm do Our World In Data,
portal que reúne estatísticas e informações sobre a pandemia.
Getty ImagesO Chile tem uma das campanhas de imunização
contra a covid-19 mais adiantadas do mundo
Com um cenário relativamente tranquilo, o governo local
decidiu aliviar as políticas restritivas e colocar em marcha o plano de
retomada das atividades econômicas e sociais.
Mas dois acontecimentos criaram uma preocupação nas
autoridades sanitárias e deram força aos projetos de distribuir a terceira
dose.
Primeiro, a confirmação da chegada da variante Delta em
território chileno, que já foi detectada inclusive em pessoas que não viajaram
ao exterior (o que confirma a transmissão comunitária dessa linhagem).
A experiência de outros países, como Israel, Reino Unido e
Estados Unidos, mostra que essa nova versão do coronavírus é mais transmissível
e está por trás do descontrole nos números de casos confirmados, mesmo nos
lugares com a vacinação bem encaminhada.
O segundo fator decisivo foi a divulgação em julho de um
estudo da Universidade Católica do Chile e do Instituto Milênio de Imunologia e
Imunoterapia com mais de 2 mil voluntários, que observou uma queda na
produção de anticorpos e na imunidade celular seis meses após a aplicação das
duas doses da CoronaVac.
A boa notícia é que a vacina continua tendo uma eficácia
considerável mesmo após esse tempo. Os autores ainda destacam que foram poucos
(menos de 3%) os participantes que tiveram covid-19 grave após estarem
completamente imunizados.
Mesmo assim, os especialistas recomendaram que o Ministério
da Saúde do Chile avaliasse a possibilidade de oferecer uma terceira dose, para
garantir que o sistema imunológico continue "antenado" para evitar um
ataque bem-sucedido do coronavírus.
A bioquímica e imunologista Marcela Gatica, da Universidade
de La Serena, localizada no norte do Chile, chama a atenção para o fato de a
pesquisa, que ganhou muito destaque, ainda não ter sido publicada em periódicos
científicos, o que dificulta uma avaliação mais aprofundada sobre seus
resultados.
Ela também critica a falta de critérios ou explicações para
definir os tipos de vacinas que serão aplicadas em cada faixa etária.
"De forma geral, uma parte da população recebeu a
informação da terceira dose com alegria e tranquilidade. Mas, por outro lado,
uma parcela também ficou em dúvida sobre o que isso significa e o que realmente
se sabe sobre essa questão", analisa.
"Também há um sentimento questionando se é certo dar
uma terceira dose enquanto outros países não têm vacinas", completa.
E no Brasil?
Com pouco mais de 52 milhões de doses aplicadas (36% do
total), a CoronaVac é a segunda vacina contra a covid-19 mais utilizada no
Brasil — ela só fica atrás da AZD1222, com 68 milhões de unidades (48%).
A discussão sobre a necessidade de reforço, porém, está
menos avançada por aqui. Até o momento, o assunto foi mencionado por cima em
discursos e entrevistas de políticos e gestores de saúde.
Foi o caso, por exemplo, do governador de Minas Gerais,
Romeu Zema (Novo). Ele disse recentemente que "tudo indica que
precisaremos de uma terceira dose".
O diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, seguiu
uma linha de raciocínio parecida e declarou que algumas vacinas demandarão esse
reforço.
Por outro lado, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB)
declarou que ainda não acredita na necessidade da dose adicional.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, parece concordar. Ao
reclamar sobre anúncios adiantados feitos por representantes de Estados e
municípios sobre esse tópico, ele reafirmou a urgência de focar e avançar na
vacinação com duas doses.
Do ponto de vista oficial, o
Ministério da Saúde vai iniciar um estudo para avaliar a necessidade
de reforço para quem tomou a CoronaVac.
Getty ImagesEstudo chileno observou uma diminuição na
imunidade contra a covid-19 entre quem tomou a CoronaVac. Mesmo assim, a
proteção contra as formas graves da doença continou significativa
"A pesquisa, que será realizada em parceria com a
Universidade de Oxford e deve começar em duas semanas, vai verificar a
intercambialidade dessa vacina com outros imunizantes disponíveis para a
população brasileira", afirma a assessoria de imprensa do ministério, após
um pedido de esclarecimentos feito pela BBC News Brasil.
De acordo com a pesquisadora Sue Ann Clemens, que vai
coordenar a investigação direto de Oxford, na Inglaterra, o objetivo é vacinar
pessoas que já tenham tomado as duas doses da CoronaVac há pelo menos seis
meses.
Os 1,2 mil voluntários serão divididos em quatro grupos: um
receberá um reforço da própria CoronaVac, enquanto os outros tomarão os
imunizantes Comirnaty, AZD1222 ou Ad26.COV2-S (da Janssen).
A partir desses resultados, as autoridades públicas
brasileiras poderão decidir até o final do ano se adotam a mesma estratégia do
Chile ou não.
O médico Jorge Elias Kalil Filho, professor titular de
imunologia clínica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,
revela que esse assunto também está sendo debatido pelo comitê técnico que
assessora o Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, do
qual ele faz parte.
É possível que esse grupo faça novas orientações e
recomendações sobre a questão ao longo das próximas semanas.
A reportagem da BBC News Brasil também procurou o Instituto
Butantan, responsável por finalizar a produção da CoronaVac a partir da
importação dos insumos da China.
"Já temos estudos iniciados no Brasil e em outros
países que preveem a necessidade de uma dose de reforço anual contra a
covid-19, assim como acontece hoje em relação à influenza (gripe). Essa
hipótese vem sendo amplamente discutida, especialmente diante do avanço da
variante Delta", responderam os representantes da entidade, por meio de
nota enviada pela assessoria de imprensa.
"Vale ressaltar que o avanço da Delta [no país] está
sendo acompanhado por meio da Rede de Alertas das Variantes do Sars-CoV-2 [o
coronavírus responsável pela pandemia atual], coordenada pelo Butantan e, por
enquanto, não foi considerado representativo do ponto de vista populacional",
completam.
O momento certo entre a precipitação e o atraso
O resumo da ópera, portanto, é que o Brasil avalia a
possibilidade de um reforço na vacinação contra a covid-19 no futuro, mas ainda
estamos longe de qualquer definição sobre esse tópico.
Do ponto de vista científico, esse compasso de espera até
faz sentido: não temos evidências suficientes e um consenso entre os
especialistas de que a dose adicional será realmente necessária.
Andre Borges/Getty ImagesO ministro da Saúde, Marcelo
Queiroga (à esquerda), anunciou a realização de estudo que avaliará a terceira
dose em quem tomou a CoronaVac
A imunologista Ana Karolina Marinho, do Departamento
Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia
(Asbai), entende que é importante que especialistas e gestores discutam esse
assunto e se planejem para o futuro.
"Nós não sabemos ainda quanto tempo dura a imunidade
pela vacina ou pela infecção natural. Temos estudos mostrando que ela se mantém
por pelo menos seis ou até oito meses, mas ainda precisamos de dados mais
sólidos", contextualiza.
Já Kalil acredita que é necessário começar a aplicar uma
terceira dose agora nos grupos vulneráveis, como indivíduos com mais de 80
anos, aqueles que fizeram ou que têm algum problema no sistema imunológico.
"Muito provavelmente essa população se beneficiaria
dessa estratégia, especialmente se aqueles que tomaram a CoronaVac lá atrás
receberem agora uma dose da Pfizer ou da AstraZeneca", diz.
"Nós temos que fazer projeções das hospitalizações e
mortes por covid-19 daqui para frente e pensar em proteger aqueles que mais
precisam", completa o professor, que aponta a chegada de uma boa
quantidade de lotes de imunizantes ao Brasil ao longo dos próximos meses,
segundo o planejamento do Ministério da Saúde, como um caminho para suprir essa
possível demanda extra.
Enquanto não temos uma definição, é importante que, do ponto
de vista individual, todo mundo continue fazendo a sua parte e vá ao posto de
saúde nas datas estipuladas. Todas as vacinas contra a covid-19 usadas no PNI
foram aprovadas pela Anvisa e têm a segurança e a eficácia comprovadas em
estudos rigorosos.
E, claro, mesmo com qualquer definição sobre o reforço,
todas as pessoas (incluindo os vacinados) precisam continuar se cuidando e
respeitando as orientações de distanciamento físico, uso de máscaras,
preferência por lugares bem arejados e higiene das mãos.
Moratória global
Ainda dentro desse debate, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) pediu recentemente que os países esperem pelo menos até o fim de setembro
antes de iniciarem qualquer programa de reforço vacinal.
A entidade entende que o momento é de resguardar as pessoas
mais vulneráveis, como os idosos e os profissionais da saúde, das nações mais
pobres, cujas campanhas de imunização contra a covid-19 caminham em ritmo
lento.
"Não podemos aceitar que os países que aplicaram a
maior quantidade de doses usem ainda mais vacinas, enquanto as pessoas mais
vulneráveis em outras partes do mundo permanecem desprotegidas", declarou
o biólogo etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS.
ReutersPara Tedros Adhanom Ghebreyesus, não é hora de falar
em terceira dose, visto que países mais pobres sequer aplicaram a primeira na
população mais vulnerável
Mas os apelos parecem não ter surtido resultado. Além do
Chile, a Alemanha já anunciou que vai dar o reforço em todo mundo que não
recebeu as vacinas de mRNA, fabricadas pelas farmacêuticas Pfizer/BioNTech e
Moderna.
Outras nações, como Israel e França, pretendem fornecer nas
próximas semanas a terceira dose para idosos ou indivíduos com a imunidade
comprometida. Os Estados Unidos também estudam essa possibilidade para agosto
ou setembro.
"Num momento em que não temos vacinas disponíveis para
o mundo inteiro, é preciso pensar nessa aplicação extra com muita
cautela", acredita Marinho, da Asbai.
"Diante da escassez, a urgência agora é garantir o
esquema básico com duas doses, que é o que temos planejado e bem documentado na
literatura científica", finaliza a imunologista. Toma do de correio
braziliense
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