Estudos mostram avanços significativos em tratamento contra câncer
Pesquisas apresentadas no congresso anual da Sociedade
Europeia de Oncologia Médica (Esmo) revelam que combinação de terapias surtiram
resultados relevantes no enfrentamento a diversos tumores, com aumento de
sobrevida de pacientes
Paloma Oliveto
(crédito: Eric
Gaillard/Reuters - 5/11/12)
Depois de quase dois anos de discussões médico-científicas
concentradas na covid-19, estudos sobre um outro grupo de enfermidades graves e
com mortalidade anual estimada em 10 milhões de pessoas mostraram avanços
significativos para o tratamento e a sobrevida dos pacientes de câncer.
Encerrado na semana passada, o congresso anual da Sociedade Europeia de
Oncologia Médica (Esmo) apresentou bons resultados de pesquisas para alguns dos
mais de 100 tipos de tumores hematológicos e sólidos, caracterizados pela
disseminação excessiva de células defeituosas no organismo.
Em uma semana de encontros virtuais, o congresso da Esmo
trouxe pesquisas nas fases II e III; ou seja, em estágios próximos da aprovação
de agências reguladoras. Os estudos com maior destaque entre a comunidade
médica foram aqueles que demonstraram como a combinação de drogas
pré-existentes — sozinhas ou conjugadas a técnicas já bem estabelecidas, como
radioterapia —, levaram a um aumento na sobrevida de pacientes com doença
localizada ou metastática, quando o câncer invade outros órgãos além do
primário.
“O estudo mais importante da Esmo foi o que mostrou que a
imunoterapia, quando associada à quimioterapia e a drogas antiangiogênicas,
aumentou a sobrevida de pacientes de câncer de colo uterino”, aponta o
oncologista Fernando Maluf, do Instituto Vencer o Câncer e dos hospitais Albert
Einstein e Beneficência Portuguesa, em São Paulo. “No passado, o tratamento era
quimioterapia e antiangiogênicos, mas essa pesquisa com 617 pacientes mostrou
que a adição de um anticorpo chamado pembrolizumab reduziu o risco de morte em
36%”, afirma o médico.
O uso de anticorpos — a chamada imunoterapia — revolucionou
o tratamento do câncer na última década e, apesar de não ser indicado para
todas as formas da doença, tem aumentado a qualidade e a expectativa de vida
dos pacientes. O estudo citado por Maluf, o Keynote-826, demonstrou que a
adição de um anticorpo ao tratamento de primeira linha aumentou em oito meses a
sobrevida de mulheres com tumor oncológico cervical recorrente, persistente ou
metastático. O câncer cervical é um problema global, com mais de 600 mil novos
casos e aproximadamente 340 mil óbitos registrados no ano passado.
O estudo dividiu aleatoriamente 617 mulheres para receber a
imunoterapia (pembrolizumabe) ou placebo. Ambos os grupos também fizeram
quimioterapia. Adicionar o imunoterápico ao regime reduziu o risco de morte em
33% e diminuiu a probabilidade de progressão da doença em 36%. “Os dados são
tão sólidos em termos de incremento na sobrevida global que essa combinação
deve ser considerada o novo padrão de tratamento para mulheres com câncer
cervical persistente, recorrente ou metastático”, avalia o oncologista da
Universidade de Navarra Antonio González-Martín, não envolvido com a pesquisa.
Solução eficiente
Na opinião do oncologista Fernando Maluf, estudos baseados
na combinação de tratamentos para câncer de próstata também foram destaques do
congresso. Um deles, o Stampede, conduzido pela Universidade College London, na
Inglaterra, com 1.974 pacientes, mostrou que uma nova combinação de drogas
antigas reduziu significativamente o risco de metástase e óbito durante seis
anos de acompanhamento, comparado ao tratamento padrão.
O objetivo do estudo foi verificar o impacto da abiraterona
— um inibidor hormonal que funciona de maneira diferente dos medicamentos do
tipo — usado sozinho ou com outra droga (enzalutamida), concomitantemente ao
tratamento padrão. Entre os voluntários, 988 receberam o tratamento usual:
terapia hormonal com ou sem radioterapia, enquanto 986 associaram o abiraterone
ao tratamento padrão (desses, 527 também foram tratados com enzalutamida).
Passados seis anos, a proporção de homens cujo câncer não se
espalhou após seis anos no grupo de terapia à base de abiraterona e tratamento
padrão (com ou sem enzalutamida) foi de 82%. Já entre os que ficaram apenas com
a terapia usual, esse índice foi de 69%. Quanto à sobrevivência, 86% e 77% dos
pacientes, respectivamente, estavam vivos após o período de acompanhamento.
Forte potencial
Na área de câncer de mama, o oncologista Max Mano, do Grupo
Oncoclínicas, aponta três estudos que, segundo ele, têm potencial de mudar o
tratamento padrão. Um deles, o Keynote 522, avaliou a associação do
imunoterápico pembrolizumabe à quimioterapia em mais de mil pacientes com tumor
triplo negativo, o de pior prognóstico.
“O estudo mostrou que, além de aumentar a resposta do tumor
ao tratamento, a droga diminui de maneira muito significativa a taxa de
recorrência da doença, tanto nas piores formas — de metástase —, quanto em
outros tipos de recorrência. Foi um grande acréscimo para os pacientes e vai
representar um novo padrão de tratamento do triplo negativo.”
Mano também destaca o Keynote 355, que avaliou a associação
do pembrolizumabe à quimioterapia para pacientes com metástases e, portanto,
sem chance de cura, que também aumentou a sobrevida e o tempo de controle da
doença.
Por fim, o oncologista cita o Monalisa 2, estudo que demonstrou um ganho de mais de um ano de vida para mulheres na pós-menopausa e com câncer de mama avançado, ao associar, ao tratamento de primeira linha, o ribociclibe, um inibidor de enzimas que estimulam as células cancerosas.
“Não são drogas novas, o riboclicibe já está no mercado, mas
agora vemos um desfecho do estudo sobre o tempo de sobrevida. Antes, já
tínhamos visto o aumento no tempo do controle da doença. As pacientes tomando
riboclicibe vivem mais de um ano do que as que não tomam, recebem menos
quimioterapia e demoram mais de um ano para precisar da quimioterapia”, ressalta
Max Mano.
Duas perguntas / Carlos Gil Ferreira - oncologista e
presidente do Grupo Oncoclínicas
crédito: Grupo Oncoclínicas/Divulgação
Quais estudos apresentados no congresso da Esmo foram os
mais importantes, na opinião do senhor?
Esse congresso vem se tornando a cada ano um evento cada vez mais relevante, em
que dados inéditos e que mudam condutas são apresentados. Houve avanços no
tratamento de alguns tumores, como o câncer de colo uterino, com a comprovação
de que a imunoterapia tem papel no tratamento das pacientes com doenças
avançadas. Também foram apresentados dados importantes sobre o câncer de mama e
tumores geniturinários. Então, é realmente um congresso que veio para marcar a
era. Embora a gente não tenha nenhuma mudança completa de paradigma, os estudos
mostram, com certeza, avanços para vários tipos de tumores.
Várias companhias apresentaram estudos sobre câncer de
pulmão, o que mais mata no mundo. Algum pode ser considerado, de fato,
promissor?
Houve vários dados interessantes. O primeiro é na população de pacientes com
câncer de pulmão com alterações de HER2, o mesmo receptor alterado em câncer de
mama, e que ocorre em entre 2% e 4% dos pacientes. O uso de uma droga chamada
trastuzumabe deruxtecano mostrou um resultado muito promissor, que pode
representar uma nova opção de tratamento para esses pacientes. Talvez o estudo
mais desafiador tenha sido o apresentado durante o Simpósio Presidencial. É
sobre o uso de imunoterapia, no caso, o atezolizumabe, em pacientes operados ou
tratados com radiocirurgia. Ainda é imaturo em termos de resultado final, mas
que mostra uma tendência de benefício; ele não muda a conduta ainda, mas a
gente deve acompanhar pelos próximos anos pelo potencial que demonstrou.
Vacina mostra eficácia em doentes
Embora pesquisas sobre tratamento sejam o foco do maior
congresso de oncologia clínica da Europa, um dos destaques do evento, segundo
especialistas, foi uma pesquisa que demonstrou a eficácia da vacina para
covid-19 em pacientes de câncer. Havia uma preocupação de que, devido aos
medicamentos, que baixam a imunidade, as substâncias não fossem tão efetivas.
Porém, a produção de anticorpos neutralizantes — aqueles
capazes de impedir a replicação do vírus — foi tão abundante nessas pessoas
quanto nas que não estão sob tratamento de câncer. Outro estudo, também
apresentado no congresso, mostrou, contudo, que a proteção diminui mais cedo,
sugerindo a prioridade desse público para a aplicação de uma dose de reforço da
vacina.
“Esses dois trabalhos foram muito relevantes”, define o
oncologista Fernando Maluf, um dos fundadores do Instituto Vencer o Câncer e
médico dos hospitais Albert Einstein e Beneficência Portuguesa, em São Paulo.
“Essa imunidade pode cair mais rapidamente em pacientes com câncer, talvez por
um efeito dos tratamentos de imunossupressão. Portanto, mostra a relevância de uma
terceira dose de vacina para pacientes que têm diagnóstico de câncer”, diz.
A eficácia da vacina para covid-19 em pacientes oncológicos
foi identificada por pesquisadores holandeses e apresentada no congresso da
Sociedade Europeia de Oncologia Médica (Esmo) na semana passada. O estudo
mostrou que as pessoas com câncer têm uma resposta imune protetora de acordo
com que se espera da vacina, sem passar por efeitos colaterais diferentes que a
população em geral.
Para explorar o impacto potencial da quimioterapia e da
imunoterapia na proteção conferida pelos imunizantes, o estudo Voice inscreveu
791 pacientes de vários hospitais na Holanda em quatro grupos distintos:
indivíduos sem câncer, os com câncer tratados com imunoterapia, os submetidos à
quimioterapia e, finalmente, os tratados com uma combinação de
quimioimunoterapia, para medir suas respostas à vacina de mRNA (a
norte-americana Moderna, que usa o mesmo protocolo da Pfizer) no regime de duas
doses.
Vinte e oito dias após a administração da segunda dose,
níveis adequados de anticorpos contra o vírus no sangue foram encontrados em
84% dos pacientes com câncer recebendo quimioterapia, 89% daqueles na
quimioimunoterapia em combinação, e 93% dos em imunoterapia isolada. “Fica
realmente a mensagem de que pacientes com câncer em tratamento imunossupressor
devem ser prioritários em termos de vacinação, porque eles, de fato, podem se
beneficiar dessa vacinação”, destaca o oncologista brasileiro Carlos Gil
Ferreira, presidente do Instituto Oncoclínicas. (PO)
Tomado de correio
braziliense
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