Nova terapia é capaz
de amenizar a psoríase em 80% dos pacientes
Resultado é atingido em tratamento à base de remédio
biológico testado em 3 mil voluntários acometidos por versões moderadas e
graves da doença. Para especialistas, o tratamento também pode render
benefícios psicológicos e sociais
VS Vilhena Soares
(foto: Valdo
Virgo/CB/D.A Press)
Madrid — Relatos na Bíblia descrevem pessoas
com lesões cutâneas tratadas da mesma forma que indivíduos com
hanseníase. Na Grécia antiga, Galeno utilizou, pela primeira vez, o nome psoríase para
designar a descamação da pele que acometia alguns pacientes. A doença
inflamatória da pele está presente ao longo da história da
humanidade, mas apenas nos últimos séculos tem recebido atenção maior.
Boa parte dessa importância se deve aos avanços
tecnológicos, que permitiram, por exemplo, que mecanismos biológicos que
desencadeiam a doença começassem a ser desvendados. No 28º Congresso da
Academia Europeia de Dermatologia e Venereologia (EADV), realizado em Madrid,
na semana passada, especialistas discutiram o que há de mais inovador na área.
Uma das principais apostas são os medicamentos biológicos, que têm gerado
ganhos expressivos a pacientes com as formas mais graves da psoríase.
“Quando sabíamos pouco
sobre a psoríase, ela era tratada de outra forma. Dizia-se que dificilmente ela
causaria a morte. Então, o médico passava um creme de pele para o paciente, que
ia embora”, diz Gladys Martins, dermatologista do Hospital
Universitário da Universidade de Brasília (UnB) e uma das participantes do
congresso.
Hoje, há uma atenção maior principalmente nos casos
das lesões cutâneas moderadas e graves, que causam impacto maior aos pacientes.
Além de incômodos comuns à psoríase leve, com coceira e descamação da pele,
esses tipos estão relacionados a prejuízos sociais e econômicos. “Essas pessoas
não conseguem trabalhar, e a família também acaba impactada. Entre esses
pacientes, 50% sofrem com depressão”, diz Gladys Martins, que
coordena um ambulatório dedicado à doença no Hospital Universitário de Brasília
(HUB).
Para ajudar esse grupo de pacientes, uma série de
cientistas tem se dedicado a buscar medicamentos mais eficazes
contra a psoríase. Um estudo apresentado no congresso mostra que, por meio de
análises genéticas, se descobriu que a interleucina 23 (IL-23) é uma das
proteínas-chave do processo inflamatório da psoríase. Usando análises
moleculares, um grupo internacional de cientistas, incluindo brasileiros, saiu
em busca de substâncias que pudessem agir nessa molécula.
A equipe detectou um anticorpo monoclonal de
imunoglobina imunizada G1 (IgG1), chamado risanquizumabe, que inibe
seletivamente a IL-23, pois atinge uma de suas subunidades: a p19. A molécula
foi, então, testada em quatro estudos, envolvendo mais de 3 mil pacientes com
psoríase moderada a grave. Em 52 semanas de uso do remédio, mais de 80% dos
analisados obtiveram melhoras.
“Em cada 10 pessoas, sete conseguiram uma melhora
extrema. Outro ponto muito positivo foi que não vimos efeitos adversos, que é
uma grande preocupação nessa área”, destaca Melinda Gooderham, pesquisadora do
Skin Center for Dermatology Peterborough, no Canadá, e uma das autoras dos
estudos. “Tive o caso de um paciente que me disse ter lembrado que tinha a
doença quando a secretária do meu consultório ligou para confirmar a data de
retorno da consulta”, comemora a cientista.
Rotina comum
Fazer com que os pacientes tenham uma rotina pouco
impactada pela psoríase impulsiona a busca por novas opções terapêuticas, frisa
a cientista canadense. “Esses pacientes só querem uma vida normal. Eles desejam
poder ir à praia, usar uma camiseta sem mangas, uma bermuda, e não ter que se
preocupar com os olhares de outras pessoas. Fico muito feliz quando vejo que
esses novos medicamentos estão os ajudando nessa conquista.”
Presidente do Psoriasis en Red, associação espanhola
de pacientes com psoríase, Celia Marín, de 36 anos, usufrui desse benefício
depois de anos de dificuldade. “Eu vivo com essa doença desde os 20 anos, e ela
influencia todas as áreas da minha vida. No começo, eu não sabia lidar, mudei o
cabelo para cobrir as lesões, não contei aos meus amigos sobre a doença.
Procurei ajuda psicológica ao final, mas passei por um período muito difícil”,
relata. “Hoje, a minha vida está recuperada, tenho dois filhos, algo que antes
imaginei que não conseguiria porque não queria que a doença me atrapalhasse
nesse processo.”
Celia Marín acredita que o avanço das pesquisas tem
proporcionado melhoras na vida de pacientes, mas, para ela, é preciso que quem
enfrente a doença participe mais dessa busca por novas soluções e novas
práticas. “Acredito que precisamos falar ao médico o que queremos, não ter
vergonha disso. O que queremos é uma vida normal, como a de todos”, completa.
"Em cada 10 pessoas, sete conseguiram uma melhora
extrema. Outro ponto muito positivo foi que não vimos efeitos adversos, que é
uma grande preocupação nessa área”
Melinda Gooderham, pesquisadora do Skin Center for
Dermatology Peterborough, no Canadá
125 milhões
Estimativa de pessoas, no mundo, que são acometidas pela
psoríase
Maior eficácia e mais segurança
“Os estudos dessas
drogas biológicas criadas recentemente têm mostrado que elas conseguem ter uma
eficácia maior e proporcionar maior controle da doença, uma grande estabilidade
a longo prazo. Mesmo os pacientes mais graves conquistam essa melhora sem a
necessidade de rodízio de medicamentos, que é algo que fazemos muito, em casos
em que eles param de responder às drogas. Outro ponto positivo é a ausência de
efeitos colaterais. Eles são mais seguros, impedem danos ao fígado, problemas
renais e até a tuberculose, problemas que estiveram relacionados a medicamentos
anteriores. Muitos ainda suspeitam que podem ocorrer problemas como a
imunossupressão e infecções, mas é algo que ainda não vimos e que, com certeza,
será esclarecido em observações futuras.”
Renata Magalhães, professora de dermatologia e
coordenadora dos Ambulatórios de Psoríase e Imunobiológicos da Unicamp
Ansiosos e descrentes
Um estudo alemão com 650 pacientes com psoríase
mostrou que 77% têm ansiedade. Desses, 33% em nível grave, em 44%, nível
médio, e em 23%, mais baixo. A equipe também constatou que 58% dos pacientes
com mais de 20% da superfície corporal coberta por psoríase não estavam
interessados na doença nem buscando ajuda médica.
Para Maximilian Schielein, um dos autores e
pesquisador da Universidade de Monique, os resultados revelam a necessidade de
programas interdisciplinares para o diagnóstico e o tratamento da psoríase, bem
como a inclusão de intervenções psicossociais no regime geral de abordagem
terapêutica.
“Não devemos negligenciar os pacientes que estão
insatisfeitos com o tratamento atual e desistiram de procurar ajuda
profissional”, frisa. A pesquisa também foi apresentada no 28º Congresso da
Academia Europeia de Dermatologia e Venereologia.
Novos desafios
Detectados os resultados promissores com o
risanquizumabe, a equipe internacional de pesquisadores segue em um novo
desafio. “Mesmo com esse avanço, ainda não chegamos ao final, não resolvemos o
problema da psoríase. Temos pacientes que ainda não respondem, são lacunas que
precisamos preencher”, diz André Carvalho, dermatologista do Hospital Moinhos
de Vento, em Porto Alegre, e um dos integrantes da equipe internacional de
cientistas. A estimativa é de que a doença inflamatória acomete cerca de 125
milhões de pessoas no mundo.
Um estudo em andamento no Brasil, com 100 voluntários,
compara o uso do risanquizumabe — aprovada pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) — com o do metotrexato, prescrito em tratamentos de doenças
autoimunes. Para o médico brasileiro, os resultados poderão beneficiar o
enfrentamento de outras enfermidades. “Quando descobrimos um mecanismo
envolvido em tantas doenças, que é o caso dessa pesquisa, temos a possibilidade
de tratar outras enfermidades com a mesma característica, e isso é muito animador”,
justifica.
Acesso
Segundo André Carvalho, os brasileiros também têm se
dedicado à busca por medicamentos biológicos, mas uma das etapas que precisam
ser superadas é o acesso a eles. “Em comparação com outros países presentes no
congresso, estamos em pé de igualdade em termos de conhecimento. Alguns desses
remédios já foram incluídos no sistema único de saúde, mas precisamos que isso
se expanda”, frisa.
* A repórter viajou a convite da Abbvie
TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
No hay comentarios:
Publicar un comentario