Estudos mostram o tamanho do obstáculos de uma alimentação
sustentável
Adotar uma alimentação que faça bem às pessoas e ao meio
ambiente passa por mudanças tanto de comportamento quanto de práticas coletivas
e econômicas
VS Vilhena Soares
Os alimentos orgânicos fazem bem à saúde e ao meio ambiente,
mas são mais caros
(foto: Telmo Ximenes/Divulgação)
Uma alimentação
saudável não só para o organismo humano, mas também para o planeta. Esse é um
dos maiores desafios do século 21. Para atingir o objetivo, porém, uma série de
obstáculos precisa ser ultrapassada, e muitos deles estão relacionados a
mudanças de comportamento. Nesse sentido, cientistas austríacos nando dados ambientais e psicológicos e conseguiram identificar
fatores que podem ajudar a deixar as refeições mais sustentáveis. Outro estudo, americano, mostra
que, para atingir esse patamar, há ainda restrições econômicas. As opções
saudáveis, por exemplo, têm preços inacessíveis para boa parte das populações.
O alto consumo de carne — especialmente vermelha e
processada — tem sido associado a prejuízos à saúde, incluindo diabetes,
doenças cardíacas e cânceres. A
produção, por sua vez, pode ameaçar o meio ambiente. São comuns as associações
entre pecuária e desmatamento, degradação da terra e da água e perda de
biodiversidade.
“Parece lógico que vários estudos tenham demonstrado que a
mudança na dieta, principalmente relacionada à carne, pode contribuir
significativamente para a mitigação das mudanças climáticas e da degradação
ambiental, além de propiciar melhor saúde pública”, destaca Sibel Eker,
pesquisadora do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados
(IIASA), na Áustria.
Principal autora de um estudo publicado na revista Nature
Sustainability, Eker defende que, se as pessoas começarem a limitar o consumo
de carne vermelha a uma porção (71g) por semana e o de carne branca a meia
porção (35g) diária, as emissões de gases de efeito estufa pelo setor agrícola
serão reduzidas em cerca de 50%. “Essas alterações comportamentais de dieta,
até onde sabemos, não foram estudadas em relação ao sistema alimentar, embora
precisemos dessas informações para entender como essa mudança global pode ser
alcançada. Nosso estudo cobre essa lacuna com base em um modelo computacional
de dinâmica comportamental”, frisa a líder do estudo.
A equipe também considerou os aspectos psicológicos.
Combinaram o cruzamento de dados do modelo computacional com conceitos da
psicologia ambiental para observar dinâmicas populacionais. Os cientistas
também consideraram perfis diversos de indivíduos, avaliando fatores como
renda, normas sociais, percepção do risco climático, percepção de risco à
saúde, autossuficiência, idade, gênero e níveis de educação.
O modelo simulou, por exemplo, a dinâmica de trocar, em
escala global, a ingestão de carne por uma dieta predominantemente à base de
plantas. Segundo os cientistas, os resultados indicam que normas sociais — regras aceitáveis e não escritas de
comportamento –—, acompanhadas do sentimento de independência, são os
principais impulsionadores do comportamento alimentar, desempenhando papel
ainda mais importante do que o risco climático e à saúde.
“Descobrimos que as mudanças na dieta são particularmente influenciadas
pela rapidez com que as normas sociais se espalham na população jovem e pelo
sentimento de autoconfiança, de se sentir autossuficiente. Isso foi percebido
em mulheres, especificamente”, conta Sibel Eker.
Poder dos grupos Segundo
Miryelle Pedrosa, psicanalista e psicóloga do Hospital Sírio-Libanês, em
Brasília, a pesquisa mostra como as mudanças do ambiente podem influenciar
decisões individuais. “É importante avaliar essas decisões humanas analisando o
poder dos grupos sociais. Sabemos que eles podem ditar muito do que as pessoas
fazem e, em algumas fases da vida, isso ainda é mais forte, como na
adolescência”, diz.
A especialista ilustra essa influência citando o aumento do
veganismo e do vegetarianismo. “Por que temos tantos jovens que não comem
carne? Hoje, eles têm contato maior com essas ideias, algo diferente de anos
atrás. A comunicação estabelecida pelas redes sociais contribui muito para
isso. O mundo virtual tem possibilitado quebrar barreiras, e esses hábitos têm
sofrido modificações”, detalha.
Para Miryelle Pedrosa, análises que consideram atitudes
comportamentais, como a pesquisa austríaca, merecem destaque porque têm como
resultados visões que possibilitam a realização de projeções científicas mais
confiáveis. “Não podemos dizer que existe uma verdade que vale para todos.
Temos que entender as motivações dos indivíduos, quais são os seus objetivos e
até suas dificuldades. Só assim vamos saber lidar melhor com essas mudanças”,
justifica.
Intervenções
políticas
A equipe de Sibel Eker acredita que os dados obtidos poderão
ser usados como base para estratégias que impulsionem a dieta sustentável.
“Concentrar-se nos fatores que influenciam os comportamentos destacados nesse
estudo poderia ser útil no desenho de intervenções políticas ou de campanhas de
comunicação em que atividades de construção comunitária ou mensagens de
fortalecimento seriam empregadas, além de comunicar informações sobre riscos
climáticos e de saúde relacionados ao consumo de carne”, detalha Eker.
Miryelle Pedrosa também acredita que os resultados do estudo
podem ser usados em campanhas voltadas ao incentivo à alimentação mais
sustentável. “Temos que saber o que aquele sujeito leva em consideração. Só
assim podemos atingi-lo. Só dessa forma conseguimos criar estratégias que
possam dar resultados sólidos”, defende.
Os cientistas pretendem reunir ainda mais informações com o
intuito de refinar as análises. “Coletaremos dados das mídias sociais e
plataformas on-line para explorar os impulsionadores e o potencial de
diferentes dietas”, adianta a líder do estudo. “Uma análise mais ampla, que
foque valores culturais e tradições, contribuirá para a exploração mais rica de
cenários”, aposta Eker.
Caro para os mais
pobres
Especialistas
ressaltam que barreiras econômicas também prejudicam as mudanças necessárias
para uma dieta mais sustentável. Um estudo realizado por pesquisadores do
Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares (IFPRI), nos
Estados Unidos, analisou os preços de 657 produtos alimentícios em 176 países.
Os cientistas observaram que, nos países mais pobres, os alimentos saudáveis
são extremamente caros, especialmente os de origem animal, ricos em nutrientes.
Ovos e leite fresco, por exemplo, chegam a custar 10 vezes
mais do que produtos industrializados. “Antes desse estudo, sabíamos que as
crianças mais pobres do mundo não estavam consumindo o suficiente de alimentos
que promovem o crescimento saudável e o desenvolvimento do cérebro. Mas, agora,
temos uma ideia melhor do porquê: os pobres também vivem em sistemas
alimentares pobres. Essa combinação de baixa renda e preços altos significa que
eles simplesmente não vão comprar e comer o suficiente desses alimentos ricos
em nutrientes”, analisa Derek Headey, um dos autores do estudo, publicado,
neste mês, na revista Journal of Nutrition e pesquisador do IFPRI.
No Brasil
Elisio Contini, economista e pesquisador da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), também acredita que o fator
econômico, assim como o comportamental, precisa ser levado em conta quando a
dieta sustentável é discutida. “Junto da conscientização com relação aos danos
ambientais, é necessário tornar esses produtos sustentáveis e saudáveis mais
acessíveis à população. Sou otimista em relação a esse tema, acredito que é
possível fazer isso. O Brasil é um dos países com alto potencial para produzir
ainda mais alimentos”, ressalta.
O cientista brasileiro acredita que medidas em
desenvolvimento podem contribuir para a produção de alimentos de forma
econômica e benéfica ao meio ambiente. “O consumo de carne, como visto na
pesquisa austríaca, é um fator extremamente importante em relação à alimentação
mundial mais sustentável. A forma como a carne é produzida também precisa ser
repensada”, frisa. “Aqui na Embrapa, por exemplo, temos desenvolvido um modelo
de produção pecuária que integra as florestas. O plantio é feito com a produção
dos animais. Isso faz com que uma atividade compense a outra, reduzindo a
emissão de gases. É possível dar continuidade a essas atividades, torná-las
modelos econômicos positivos e não prejudicar o planeta”, diz Contini.
Palavra de
especialista
Mudança gradual
“Nos congressos de
nutrição, esse tema tem sido discutido constantemente. A busca por um plano
alimentar mais sustentável é uma promessa, mas essa mudança precisa ser feita
de forma gradual. Quando recebo pacientes que querem se tornar veganos ou
vegetarianos, começamos reduzindo a quantidade de carne consumida e, com o
passar do tempo, ela é completamente retirada do cardápio. Precisamos ter esse
cuidado, pois, se isso for feito de forma radical, podem ocorrer problemas
psicológicos. Hoje, algumas das alternativas que mais têm ajudado são as hortas
em casa e as plantações comunitárias. Pessoas se juntam para plantar em uma
região, e isso facilita a produção de
tubérculos, que são mais difíceis de serem plantados em locais menores. Em São
Paulo, onde também trabalho, vejo muitas pessoas preocupadas com os danos
ao meio ambiente por conta de produtos
industrializados, que geram acúmulo de plástico. Por isso, elas têm comprado de
pequenos agricultores. Essas pequenas mudanças apontam essa tendência, que deve
aumentar ainda mais.”
Omar de Faria Neto, nutricionista esportivo
TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE