Estudo: viver situações discriminatórias impacta no
funcionamento do corpo
Vítimas são mais suscetíveis ao tabagismo e à inflamação
crônica, que pode levar a câncer e ataque cardíaco
VS Vilhena Soares
(foto: Fernando
Lopes/CB/D.A Press)
Os danos provocados pelo preconceito são incontáveis. A
violência e a vergonha enfrentadas por quem é discriminado têm impacto na saúde
mental. E novos estudos revelam que essas experiências afetam também aspectos
fisiológicos. Pesquisadores dos Estados Unidos mostram que afro-americanos têm
mais chances de sofrer com infecções devido a altas taxas inflamatórias,
causadas por se sentirem ameaçados. Segundo uma equipe britânica, jovens que
sofrem racismo são mais propensos a fumar. Para especialistas, os dados
reforçam a necessidade de mudar os olhares sobre pessoas marginalizadas e de
melhor preparar especialistas para dar assistência às vítimas.
“Sabíamos que a discriminação estava ligada à saúde, mas não
os mecanismos envolvidos”, diz April Thames, professora-associada de psicologia
e psiquiatria da Faculdade de Letras, Artes e Ciências da Universidade da
Califórnia (EUA). Ela tem estudado o aumento de respostas inflamatórias em
pessoas de grupos isolados socialmente. “Já vimos isso antes em solidão crônica,
pobreza, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e outros tipos de
adversidade. Até agora, porém, ninguém havia olhado para os efeitos da
discriminação”, complementa.
A resposta inflamatória está relacionada à capacidade do
organismo de responder a infecções, tensões e lesões, na tentativa de
afastá-las e recuperar áreas afetadas. Um grupo seleto de genes é a chave para
que esse mecanismo de defesa funcione. Dessa forma, considera-se a inflamação
um sinal de que esses genes estão trabalhando corretamente. Em excesso, porém,
ela pode ser danosa. “Se uma pessoa se sentir ameaçada por longo período de
tempo, a saúde dela pode sofrer significativamente com a inflamação crônica”,
detalha April Thames.
No estudo mais recente sobre o efeito fisiológico da
discriminação, ela e a equipe analisaram 71 indivíduos, sendo dois terços
afro-americanos e o restante, brancos. Além disso, 38 dos participantes eram
positivos para o HIV. Segundo os pesquisadores, a participação de soropositivos
permitiu o estudo do racismo independentemente de efeitos de doenças sobre a
imunidade.
Para as análises, foram extraídos o RNA de amostras
celulares dos voluntários. Depois, os cientistas mediram as moléculas que
desencadeiam a inflamação, bem como as envolvidas em respostas antivirais. Os
investigadores encontraram níveis mais altos de moléculas inflamatórias em
participantes afro-americanos. Os resultados também indicam que o racismo pode
representar até 50% da inflamação aumentada nesses indivíduos, incluindo os
também soropositivos.
“Se esses genes permanecem ativos por um período prolongado
de tempo, isso pode promover ataques cardíacos, doenças neurodegenerativas e
câncer metastático”, ressalta Steve Cole, pesquisador da Universidade da Califórnia,
em Los Angeles, e um dos autores do estudo, divulgado, em abril, na revista
especializada Psychoneuroendocrinology.
Pobreza
A fim de dar mais validade à pesquisa, a equipe escolheu
participantes com antecedentes socioeconômicos semelhantes, o que eliminou da
análise a pobreza como fator potencial para a inflamação crônica. “A
discriminação racial é um estressor crônico diferente da pobreza. As pessoas
sofrem com a pobreza no dia a dia e estão cientes de que isso está acontecendo.
Elas podem até serem capazes de lidar com estressores financeiros por meio de
mudanças de emprego ou na gestão financeira, por exemplo. Mas, com a
discriminação, você nem sempre percebe o que está acontecendo”, frisa April
Thames.
A pesquisadora também ressalta que as decisões ou o estilo
de vida de um indivíduo podem reduzir os efeitos nocivos de alguns estressores.
No caso da discriminação racial, porém, se trata de um estressor crônico, sobre
o qual as pessoas não têm controle. “Você não pode mudar a sua cor de pele”,
ilustra.
Segundo João Armando, psiquiatra do Instituto Castro e
Santos, em Brasília, a pesquisa americana traz dados importantes, que reforçam
a ideia de que as minorias estão mais suscetíveis a danos à saúde. “Já sabemos
que o estresse e a baixa qualidade de vida são fatores que estão relacionados à
inflamação crônica. Sabemos também o grande impacto causado pelo racismo. É
algo que não temos como ignorar, tanto que a pesquisa mostra que esse impacto
em pessoas saudáveis é semelhante ao em pacientes com HIV, que já têm a
imunidade comprometida”, afirma.
O médico ilustra outras complicações à saúde que podem ser
desencadeadas após uma pessoa vivenciar atitudes discriminatórias. “Imagine
alguém que já tem uma saúde debilitada por outros motivos e sofre esses
traumas. Junto aos negros, acredito que podemos citar outros grupos que sofrem
com o mesmo tipo de problemas, como os homossexuais.” // TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
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