De acordo com Câmara Setorial da Apicultura do estado, nos
últimos meses foram registrados casos de extermínio de colmeias em pelos menos
oito municípios gaúchos
Por José Florentino*, de São Paulo
Foto: Aldo Machado
Cerca de 80% dos casos de mortandade de abelhas — em que há
morte de todas as colmeias de um apiário — no Rio Grande do Sul analisados pelo
engenheiro agrônomo Aroni Sattler, em 2018, decorreram da ingestão ou contato
com o inseticida fipronil. O produto é usado no Brasil para proteger sementes
de soja contra insetos como o bicudo.
No ano passado, a parceria entre o professor da faculdade de
Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e um laboratório
do setor privado examinou 30 episódios registrados no estado. O trabalho
conduzido por Sattler revelou um índice próximo ao do projeto
Colmeia Viva. Entre 2014 e 2017, a iniciativa analisou aproximadamente
200 ocorrências. Das quase 60 em que foi possível detectar o ingrediente ativo,
o fipronil representa 70%.
Doutor em ciências biológicas, Osmar Malaspina estuda
abelhas há 40 anos e integrou a equipe de pesquisa. Segundo ele, o problema
está na utilização incorreta do produto. Esta também é a denúncia do
coordenador da Câmara Setorial de Apicultura do estado, Aldo Machado. “É
um problema que vem se agravando de dois anos para cá, e não tem ninguém
fiscalizando. O Ministério Público não está se mexendo, o governo também não”,
diz.
De acordo com Machado, nos últimos meses foram registrados
casos de extermínio de colmeias nos municípios gaúchos de Alegrete, Bagé,
Caçapava do Sul, Cruz Alta, Frederico Westphalen, Santana do Livramento,
Santiago e São José das Missões.
O coordenador afirma que produtos à base de fipronil estão
sendo usados na fase da floração da cultura. É aí que está o problema, diz
Machado, que também é apicultor: as abelhas visitam as áreas de soja, coletam
néctar contaminado e retornam às caixas. “O produto mata por contato e
ingestão. Qualquer outro inseto que encoste nessa abelha morre também”.
Para Aldo Machado, alguns produtores de soja estão fazendo a
aplicação de fipronil juntamente com dessecantes para economizar diesel e mão
de obra. “O correto seria aplicar os dois produtos separadamente, para que não
haja fipronil nas lavouras quando as abelhas forem atrás das flores”, diz.
Contando os prejuízos
Em Santiago (RS), apicultores estimam ter perdido 200
colmeias, diz Machado. “O presidente do Sindicato de Cruz Alta me contou que
cerca de 1.000 colmeias devem ser perdidas só no município”.
Segundo o coordenador da Câmara Setorial, um laudo da Universidade de Santa Maria estima o prejuízo por colmeia em R$ 810. “O produtor que aplica de forma incorreta para economizar está ganhando, e o apicultor, pagando a conta”, afirma.
Segundo o coordenador da Câmara Setorial, um laudo da Universidade de Santa Maria estima o prejuízo por colmeia em R$ 810. “O produtor que aplica de forma incorreta para economizar está ganhando, e o apicultor, pagando a conta”, afirma.
Cautela
Samuel Roggia, pesquisador de Entomologia da Embrapa Soja,
diz que não é possível afirmar que seja esse produto o causador das recentes
mortes das abelhas no Rio Grande do Sul sem que antes seja feita a análise de
amostras dos insetos mortos.
Roggia explica que o fipronil é um inseticida bastante
utilizado porque tem amplo espectro, controlando várias pragas ao mesmo tempo.
“Ele apresenta um efeito residual no ambiente um pouco mais longo do que outros
produtos, mas é bastante seguro contra seres humanos e animais de sangue
quente”, afirma. Por essa razão, é também usado como ingrediente de inseticidas
de uso doméstico.
Segundo o pesquisador, a aplicação de fipronil na cultura de
soja tem melhor efeito sobre o controle de insetos como o bicudo em fases
anteriores ao florescimento.
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Polêmica no mundo
Pesquisadores da Universidade de Exeter, no Reino Unido,
constataram que o fipronil foi responsável pela morte de milhares de abelhas na
França, entre 1994 e 1998 — os casos começaram um ano após o lançamento do
produto. Órgãos reguladores da União Europeia proibiram o uso do agroquímico no
cultivo em 2017.
Malaspina diz que simplesmente vetar o uso no Brasil é mais
difícil. “Não temos a mesma realidade da Europa. Lá, eles têm seis meses de
frio intenso, o que extermina a maioria das pragas. Aqui, com clima tropical,
elas estão presentes o ano inteiro. Precisamos conscientizar sobre o uso
correto. Isso diminuiria muito o impacto”, salienta.
Na Cidade do Cabo, capital legislativa da África do Sul,
mais de um milhão de abelhas teriam morrido por causa de fipronil em 2018. Um
dos apicultores afetados, Brendan Ashley-Cooper perdeu cerca de 40% da
produção. As suspeitas, na época, eram de que uma vinícola local teria usado o
produto para se livrar de formigas.
As abelhas não foram as únicas vítimas do inseticida. Em
2017, uma empresa contratada para desinfetar granjas fez uso ilegal do produto
e contaminou milhões de ovos. Ao todo, 17 países foram atingidos e os ovos
precisaram ser retirados das gôndolas dos supermercados.
*Colaborou Luis Roberto Toledo
TOMADO DE UOL
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