Levou apenas 10 meses para a Pfizer e BioNTech desenvolverem a vacina contra a covid-19
Camilla Costa (@_camillacosta) e Cecilia Tombesi* - Da BBC News Brasil em Londres
Aprovada para uso emergencial no Reino Unido e com indicação
de aprovação pela Food and Drug Administration (FDA, a agência reguladora dos
Estados Unidos), a vacina para covid-19 desenvolvida pelas empresas Pfizer e
BioNTech passou do conceito à realidade em apenas 10 meses.
É um período de tempo sem precedentes na História.
Um artigo de pesquisadores do projeto Our World in Data, da
Universidade de Oxford, no Reino Unido, comparou o tempo entre a identificação
do agente causador de 16 doenças e o ano em que uma vacina contra eles foi
aprovada nos EUA.
Os EUA foram escolhidos como referência porque é o país onde
a maioria das imunizações é licenciada pela primeira vez, mesmo que não tenham
sido criadas lá.
O gráfico reúne as principais doenças para as quais a
vacinação é recomendada e que têm alta mortalidade, segundo a Organização
Mundial da Saúde (OMS) — além da covid-19, que já deixou mais de 1,5 milhão de
mortos em todo o mundo desde o fim do ano passado.
E conta também com algumas enfermidades que ainda não têm
vacinas licenciadas, mas já têm candidatas em teste em alguns países do mundo.
A comparação mostra como o processo pelo qual vacinas são
criadas pode ser demorado, e como a pandemia atual foi uma exceção a esse
paradigma.
Por que algumas vacinas são feitas mais rápido que
outras?
Há motivos bem diferentes.
Em um extremo está a malária, por exemplo, cuja relação com
o protozoário Plasmodium foi descoberta em 1880 por Alphonse Laveran, mas que
ainda não tem uma vacina definitiva.
Em 2015, a vacina RTS,S foi aprovada pela agência reguladora
europeia, a EMA, para combater a infecção em crianças no continente africano.
Mas, seu uso ainda está limitado a projetos-piloto em alguns países,
organizados pela OMS.
"O caso da malária é complicado. O ciclo e vida do
Plasmodium faz com que seja difícil encontrar um alvo específico para a
vacina", disse à BBC News Brasil a pesquisadora Samantha Vanderslott, uma
das autoras do artigo do Our World in Data.
Essa dificuldade ocorre porque o parasita infecta as
hemácias, as células do sangue. Por isso, fica menos visível para o sistema
imunológico.
Na outra ponta do gráfico, está a vacina de RNA mensageiro
(RNAm) contra a covid-19, feita pelas empresas Pfizer e BioNTech, que, levou 10
meses para começar a ser distribuída, desde o momento de sua criação.
Em dezembro de 2019, o vírus Sars-cov-2 foi identificado em
Wuhan, na China, como o causador da covid-19.
Na verdade, a Rússia foi o primeiro país no mundo a
registrar uma vacina contra a covid-19. De produção própria, a Sputnik V foi
aprovada em agosto e começou a ser administrada em dezembro na capital, Moscou.
No entanto, os estudos para demonstrar sua eficiência e
segurança ainda são incompletos e não foram submetidos à revisão da comunidade
científica internacional.
BBC
"Algumas pessoas podem estar se perguntando se essa
rapidez em aprovar uma vacina significa que (os cientistas) pularam etapas. Mas
é preciso lembrar que as pesquisas que já estavam sendo feitas desde as
epidemias de SARS e MERS contribuíram para esses resultados. Agora, por causa
da pandemia, as pesquisas conseguiram mais recursos, mais financiamento e mais
apoio de governos e das empresas farmacêuticas", disse Vanderslott.
Mas chama a atenção que, em meio às doenças cujas vacinas
são licenciadas cada vez mais rápido, ainda existam algumas que continuam sem
solução definitiva.
Além da malária, a dengue — cujo vírus responsável foi
identificado há 113 anos, em 1907 — , a Zika, o Ebola, a infecção por
citomegalovírus (CMV) e a AIDS.
O que há de comum entre essas doenças?
"Com a exceção da infecção por CMV e da AIDS, que são
problemas globais, a maioria dessas doenças são transmitidas por insetos,
dependem também de medidas sanitárias para sua erradicação e afetam mais países
pobres", disse à BBC News Brasil Cristina Bonorino, professora da
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e membro da Sociedade
Brasileira de Imunologia (SBI).
"No entanto, a vacina é um produto feito por empresas
farmacêuticas, cujo desenvolvimento é caro. Elas estão deixando de investir em
vacinas por entender que este produto não é lucrativo."
Segundo Bonorino, se os países que mais precisam das vacinas
não conseguem investir recursos, a decisão sobre produzi-las ou não fica com as
empresas, que colocam seu lucro na balança. Por isso, muitas destas doenças não
têm prioridade nas pesquisas, mesmo que a tecnologia para combatê-las já
exista.
"O HIV, por exemplo, é um vírus complexo, mas já
sabemos como criar imunidade contra ele. Não temos vacina até hoje porque as
empresas têm produtos que controlam o problema e que vendem muito bem, que são
os antivirais. Para que vão investir em uma vacina que custa centenas de
milhões de dólares?", afirma.
Como a tecnologia tem um papel-chave
Segundo o artigo da Universidade de Oxford, a diminuição do
tempo para desenvolver vacinas pode ser atribuída principalmente aos avanços
tecnológicos do último século.
Por exemplo, as técnicas de cultivo de bactérias em
laboratório permitiram as vacinas para difteria, tétano e coqueluche no início
dos anos 1900.
Getty
ImagesVacinas de de RNA mensageiro como a da Pfizer/BioNTech passaram do
conceito à realidade em 10 meses
Da mesma forma, os avanços no cultivo de vírus
possibilitaram as vacinas contra pólio, sarampo, rubéola e varíola nos anos
1950 e, recentemente, descobertas em biologia molecular e química avançada
levaram a vacinas contra hepatite B, gripe, pneumonia e meningite.
As vacinas contra a covid-19 devem escrever um novo capítulo
nesta história, de acordo com as duas especialistas.
"O que é mais promissor dessas vacinas são as
tecnologias usadas, especialmente nas de RNA mensageiro e de vetor viral. Elas
poderiam ser usadas como plataformas para desenvolver imunização para outras
doenças. Isso é muito encorajador", diz a pesquisadora de Oxford.
Cristina Bonorino, da SBI, concorda, mas acha que ainda é
preciso aguardar mais resultados:
"A vacina atual foi uma grande conquista, mas ainda
quero ver sua eficácia na população em geral. Só que esse método pode ser
revolucionário porque é bem mais simples do que os utilizados atualmente. Eu
costumo dizer que se essa vacina der certo, poderia ser feita até no
espaço."
*Colaborou Analía Llorente
TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
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