Os resultados , também comprovados em humanos, indicam como
o relógio biológico pode contribuir para o sucesso dos treinos
VS Vilhena Soares
(foto: Valdo
Virgo/CB/D.A Press)
É consenso que o exercício físico proporciona uma
série de benefícios ao corpo humano, o que já se comprovou largamente na área
médica. Agora, dois estudos internacionais — um israelense e um norte-americano
— mostram que o período do dia em que as atividades são realizadas pode ser
determinante nos resultados dessas atividades. Por meio de experimentos em
ratos, os pesquisadores observaram que os animais que se exercitavam durante a
noite apresentavam maiores ganhos ao organismo. Os especialistas acreditam que
a diferença pode estar relacionada ao relógio biológico de cada indivíduo. As
descobertas foram publicadas na última edição da revista especializada Cell
Metabolism e podem ajudar, futuramente, na definição de estratégias mais
eficientes de perda de peso.
Os dois grupos de cientistas analisaram a associação entre a
hora do dia em que o exercício é realizado e o desempenho gerado ao organismo.
“É bem-sabido que quase todos os aspectos de nossa fisiologia e metabolismo são
ditados pelo relógio circadiano”, explicou, em um comunicado à imprensa, Gad
Asher, pesquisador do Departamento de Ciências Biomoleculares do Weizmann
Institute of Science, em Israel, e autor de uma das pesquisas. “Isso é verdade
não apenas em humanos, mas em todos os organismos sensíveis à luz. Por isso,
decidimos investigar se existe uma conexão entre a hora do dia e o desempenho
no exercício”, complementou o especialista.
Em um dos experimentos, a equipe liderada por Asher colocou
os ratos para se exercitarem em esteiras em diferentes momentos do dia. Eles
examinaram os efeitos de atividades de intensidades distintas. Os pesquisadores
observaram que o desempenho geral do exercício no organismo dos animais foi
substancialmente melhor (cerca de 50%, em média) à noite, em comparação às
atividades matutinas. Esse efeito só não foi visto em ratos que tinham relógios
biológicos incomuns — que trocam a noite pelo dia.
Para tentar entender essa diferença, os cientistas
analisaram minuciosamente o tecido muscular dos animais. Com a análise, eles
descobriram que, no período noturno, havia níveis mais altos de um metabólito
chamado ZMP, conhecido por ativar vias metabólicas relacionadas à glicólise e à
oxidação de ácidos graxos. Os pesquisadores acreditam que esses níveis mais
altos de ZMP contribuem para um melhor desempenho de exercício realizado à
noite.
“Curiosamente, o ZMP é um análogo endógeno de aminoidoide
carboxamida riboside (AICAR), um composto que alguns atletas usam para doping”,
destacou Asher. Os pesquisadores também estudaram 12 humanos e encontraram
efeitos semelhantes. No geral, os participantes do estudo tiveram menor consumo
de oxigênio durante o exercício à noite em comparação com o realizado pela
manhã, e isso se traduziu em melhor eficiência no exercício.
Eficiência
Os experimentos da segunda equipe de pesquisa foram
realizados de forma semelhante. Os cientistas colocaram uma série de ratos para
se exercitarem em esteiras durante horários distintos do dia. As análises em
tecidos musculares revelaram detalhes até então não verificados. Os
pesquisadores observaram que uma proteína, chamada fator 1-alfa indutível por
hipóxia (HIF-1alfa), desempenha um papel importante na perda de peso, sendo
ativada pelo exercício de diferentes maneiras, dependendo da hora do dia.
Quando os animais se exercitavam durante a noite, essa proteína era mais
expressiva. “Faz sentido que o HIF-1 alfa seja importante, mas até agora não
sabíamos que seus níveis flutuavam com base na hora do dia. Essa é uma nova e
empolgante descoberta”, revelou Paolo Sassone-Corsi, pesquisador do Centro de
Epigenética e Metabolismo da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e
autor do segundo artigo científico.
Os pesquisadores ressaltaram que, embora os relógios
circadianos tenham sido conservados ao longo da evolução, traduzir as
descobertas para os seres humanos não é tão simples. Uma razão para isso é que
os humanos têm uma maior variação em seus cronótipos (sincronização dos ritmos
circadianos) do que os ratos que vivem em um laboratório. “Você pode ser uma
pessoa matinal, ou você pode ser uma pessoa da noite, e essas coisas devem ser
levadas em conta”, detalhou Sassone-Corsi. “Os ritmos circadianos dominam tudo
o que fazemos. Estudos anteriores do nosso laboratório sugeriram que pelo menos
50% do nosso metabolismo é circadiano, e 50% dos metabólitos do nosso corpo
oscilam com base no ciclo circadiano. Faz sentido que o exercício seja uma das
coisas que são afetadas”, complementou.
Para Amauri Araújo Godinho, neurologista do Hospital Santa
Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia
(SBN), os resultados verificados nos dois estudos científicos internacionais
ainda não podem ser interpretados como uma regra a ser aplicada em humanos
devido a uma série de distinções entre as duas espécies. “Além da questão do
ciclo circadiano, temos outros fatores como os hormônios, por exemplo. Nós
temos picos de cortisol durante a manhã, um hormônio que ajuda no desempenho
físico, que nos dá energia, e ele sofre uma queda logo durante a noite. Outro
ponto a se destacar é que, quando realizamos exercícios, nós liberamos
endorfinas, elas nos deixam alertas. Fazer isso no período noturno pode
atrapalhar uma noite de sono”, ressaltou o especialista, que não participou das
pesquisas.
Apesar da necessidade de aprofundamento dos experimentos sob
esses aspectos, o neurologista disse acreditar que o relógio biológico pode, sim,
influenciar o desempenho fisiológico, assinalando que ainda é preciso entender
melhor quais os seus efeitos no corpo humano. “Esse tipo de pesquisa corrobora
algo que tem sido cada vez mais explorado dentro da medicina, a individualidade
como um fator importante de análise. Pode ser que uma pessoa mais noturna se dê
melhor com a realização de exercícios feitos durante a noite, não somos todos
iguais”, frisou o médico.
Godinho também ressaltou que a substância observada no
primeiro estudo pode ajudar a explicar uma questão que intriga especialistas há
tempos. “Essa substância ZMP, que é usada para doping, poderia ajudar a
entender por que algumas pessoas possuem um desempenho maior em relação ao
esporte, como o corredor Usain Bolt, por exemplo. Se o corpo dele produz mais
essa substância, isso já explicaria porque ele foi tão bem-sucedido em sua
carreira. É uma hipótese que pode ser levantada com essas descobertas”, opinou
o médico. // tomado de correio brasiliense
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