Aplicado em 27 pacientes da Covid-19 com comprometimento
pulmonar, medicamento fez com que mais da metade deles, 56%, recebesse alta em
quatro dias. Pesquisadores brasileiros se preparam para estudo com um número
maior de voluntários
PO Paloma Oliveto
(foto: AFP / Yuri CORTEZ)
Um medicamento anticoagulante poderá salvar a vida de
pacientes com a síndrome de dificuldade respiratória aguda, principal
complicação da Covid-19, associada aos óbitos pela doença. Uma pesquisa
conduzida no Hospital Sírio-Libanês de São Paulo com 27 pessoas constatou que o
uso da heparina, remédio indicado para prevenir trombose, reduziu o tempo de
internação e de intubação, mostrando-se uma estratégia promissora para os casos
graves da enfermidade.
O estudo, publicado on-line pela revista British Medical
Journal (BMJ), soma-se a pesquisas anteriores realizadas em outras partes do
mundo que também apontaram os anticoagulantes como um tratamento eficaz para
evitar a falência dos pulmões. Todas as pesquisas com a substância, porém, são
experimentais, e os cientistas alertam que é necessário realizar mais testes
com numerosos pacientes, incluindo grupos de controle, para validar a
descoberta.
A pesquisa de São Paulo foi idealizada pela pneumologista
Elnara Marcia Negri, do Sírio-Libanês e da Universidade de São Paulo (USP). Ela
conta que a inspiração veio da primeira paciente com Covid-19 que atendeu. Era
uma idosa que apresentava dificuldade para respirar, além de começar a apresentar
cianose nas extremidades. “Era um dedinho roxo, concomitante a um quadro de
queda abrupta na oxigenação.” O pulmão insuflava facilmente, mas parecia não
estar recebendo oxigênio suficiente. Como ela já estava com trombose no dedo,
os médicos decidiram pela medicação anticoagulante.Continua depois da
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Cerca de seis horas depois, a paciente já respirava bem, a
oxigenação havia voltado ao normal e a pele estava rosa. A partir dessa
experiência, Negri conversou com patologistas do Hospital das Clínicas da USP
que vinham realizando necrópsias em vítimas da Covid-19. Os médicos relataram
que observaram microcoágulos nos vasos sanguíneo em várias partes do corpo dos
cadáveres.
Todos os pacientes que entraram no estudo tinham algum grau
de comprometimento pulmonar quando foram internados. Entre três e quatro dias
do início da internação, começaram a receber a heparina, além do tratamento
indicado para cada um deles. Quinze dos 27, ou 56%, receberam alta quatro dias
depois do início do tratamento. Dos que estavam intubados, metade deixou de
usar o ventilador um dia e meio após o uso da heparina.
Segundo a pneumologista, até ontem, apenas dois pacientes
ainda estavam graves. “Isso nos animou muito. Sabemos que não é um trabalho
randomizado (dividido em grupos, com dosagens diversas da substância, para
comparação), controlado, mas foi um trabalho no desespero, no meio de pessoas
que estavam morrendo. Então, começamos a fazer uma intervenção clínica que já é
feita na UTI, que é a anticoagulação quando há suspeita de trombose, e essa
intervenção clínica deu resultados”, comemora Negri.
Excesso de citocinas
As lesões verificadas nos vasos sanguíneos dos pacientes
são, de acordo com o estudo de São Paulo, condizentes com a hipótese da
tempestade de citocinas, que vem sendo associada à falência de órgãos dos
pacientes com a forma grave da doença. Citocinas são importantes substâncias
produzidas naturalmente pelo corpo, como forma de combate a agentes externos
perigosos, como vírus. Porém, por motivos ainda desconhecidos, em algumas
pessoas, o Sars-Cov-2 desencadeia uma resposta extremamente agressiva, com
superprodução dessas proteínas.
As tempestades também foram observadas em pacientes que
morreram de Sars e Mers, doenças causadas por coronavírus semelhantes ao
causador da Covid-19. O excesso de citocinas provoca inflamações que produzem
microcoágulos nos vasos sanguíneos. Com isso, órgãos vitais, como pulmões,
deixam de receber sangue e oxigênio, o que provocaria a falta de ar
característica da forma grave da doença.
A médica esclarece que o tratamento com heparina não é usado
indiscriminadamente. “A gente está usando em todos os pacientes que, pelo sexto
ou sétimo dia de internação, apresentam essa hipercoagulação que temos
observado, e quando começam a baixar a oxigenação sanguínea. Nesse momento,
entramos com o anticoagulante.” Ela, porém, ressalta: “Isso não é a cura da
Covid-19. É um tratamento das complicações que o vírus traz quando invade o
organismo.”
Uso monitorado
Para quem pensa em usar o remédio para prevenir ou se
automedicar, a pneumologista é clara: isso pode matar. Primeiramente, o
anticoagulante que se vende em farmácias não tem dosagem suficiente para
combater a Covid-19. Em segundo lugar, o uso dessa classe de medicamentos por
quem não tem indicação tem efeitos gravíssimos. “Se você está com uma
coagulação normal e toma o anticoagulante, pode morrer sangrando. De jeito
nenhum é um remédio para automedicação nem para prevenção.”Continua depois da
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Agora, os médicos do Sírio-Libanês e do Hospital das
Clínicas de São Paulo pretendem lançar um estudo com número maior de pacientes,
randomizado e controlado. Os pesquisadores terão a colaboração de cientistas
holandeses, também interessados em investigar a eficácia da heparina.
No informe diário que o Ministério da Saúde divulga,
avaliando a qualidade dos estudos publicados sobre Covid-19, o órgão destacou
que o estudo com os 27 pacientes tem qualidade metodológica. Também observa
que, como os próprios autores observaram no artigo, ainda é preciso estudar
mais a abordagem, até que possa ser validada. // tomado de correio brasiliense
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