Pandemia de covid-19 só acaba com vacina', diz presidente
da Fiocruz
Para Nísia Trindade, crise causada pela pandemia será de
longo prazo e só acabará com o desenvolvimento de uma vacina contra a covid-19
AE Agência Estado
Nísia Trindade, presidente da Fiocruz(foto: Peter
Ilicciev/Fiocruz )
Primeira mulher a assumir a presidência da Fiocruz em 120
anos da existência da instituição, Nísia Trindade faz um balanço do trabalho da
fundação no combate à epidemia de covid-19. "Não é um esforço de guerra, é
um grande esforço de paz." Em entrevista ao jornal O Estado de S.
Paulo, a socióloga diz que a pandemia é o evento histórico que
inaugura o século 21.
O relatório que vocês encaminharam ontem (quarta-feira)
ao Ministério Público recomenda o lockdown para o Rio. Essa é a única forma de
impedir o colapso do sistema de saúde?
O isolamento é a melhor medida que temos disponível para
frear a disseminação da doença e esse isolamento mais rigoroso é o que pode
evitar um longo período de falta de leitos, médicos e equipamentos. Como
sabemos, os efeitos das atitudes que tomamos hoje serão sentidos em uma ou duas
semanas, que é o tempo entre o contágio e a evolução do quadro da doença.
Então, é muito importante agirmos agora. Outro aspecto fundamental é que as
medidas restritivas devem vir acompanhadas de apoio às populações vulneráveis
para que possam cumprir o isolamento, particularmente aqueles que dependem de
trabalho informal ou precário, bem como suporte a pequenas empresas que geram
empregos e podem sofrer grande impacto da pandemia.
A Fiocruz foi denominada pela Organização Mundial de
Saúde (OMS) o laboratório de referência para covid-19 na América Latina. É um
reconhecimento importante desse papel histórico?
Sim, é um importante reconhecimento, sobretudo para o nosso
laboratório de vírus respiratórios e sarampo, que se ergueu no fim dos anos
1970, durante a epidemia de meningite. Significa o reconhecimento ao nosso
trabalho de formação de pesquisadores, treinamento para diagnóstico e
identificação do vírus Sars-Cov-2 e o papel central nas pesquisas sobre a
mutação do vírus em territórios brasileiro e latino-americanos, que é
importante para o desenvolvimento de vacinas, além de orientar protocolos e
padrões de trabalho para os laboratórios de toda a região. A Fiocruz também é
responsável pela criação de um pensamento integrado na pandemia, de juntar
todas as peças de todos os trabalhos. Isso não é um esforço de guerra, é um
grande esforço de paz.
Ao mesmo tempo, muitos pesquisadores estão sendo
duramente atacados...
O trabalho da ciência voltado para a saúde sempre gera conflitos
Há muitas incompreensões, muitos interesses envolvidos. Mas toda a nossa
argumentação está baseada em dois pilares, excelência da pesquisa e ética.
A senhora tem comparado o momento atual ao da gripe
espanhola de 1918. A situação só é comparável à dessa outra epidemia, de um
século atrás?
É mais um paralelo que uma comparação; são mundos muito
diferentes, a atividade científica é diferente. Mas fiz o paralelo pensando no
impacto social, econômico e na vida das pessoas de uma pandemia de grande
letalidade. Há vários estudos mostrando que, na gripe espanhola, houve medidas
de isolamento, fechamento de atividades de serviço, e também muita controvérsia
A gripe espanhola é uma grande referência para os virologistas, ela matou mais
do que a guerra, e tem uma importância crucial para os grandes movimentos da
sociedade e possíveis mudanças. Como a gripe espanhola, a covid-19 é uma doença
nova, que se dissemina em alta velocidade e para a qual não temos vacina nem
medicamentos. Mas temos hoje algo importante que não tínhamos no passado: um
sistema universal de saúde e instituições mais robustas, como a Fiocruz, institutos
de pesquisa, universidades
Qual a perspectiva para o fim da epidemia?
Enquanto não tivermos uma vacina ou um porcentual alto de
imunidade da população - lembrando que ter anticorpos não implica
necessariamente imunidade -, e com o comportamento que vem sendo observado na
nossa população, tudo aponta para um problema de saúde pública de longa
duração.
Quanto tempo a senhora estima para termos uma vacina, uma
vez que a própria Fiocruz participa dos esforços mundiais pelo desenvolvimento
de uma?
De 18 a 24 meses. Mas a vacina precisará ser acessível a
todos, ou não resolverá o problema. Não adianta termos uma vacina
caríssima.
O vírus Sars-Cov19 já sofreu mutações no Brasil? Quais as
implicações dessas mudanças?
Nossos estudos já apontam mutações - que é uma
característica dos vírus. Mas ainda estamos estabelecendo correlações entre
essas mutações e o tipo de manifestação clínica relacionada. Não quero causar
pânico, mas esse vírus ainda é um grande desconhecido, um estrangeiro.
A senhora mencionou que as pandemias, historicamente, têm
um papel fundamental nas mudanças sociais. Qual seria o dessa pandemia?
(O historiador Eric) Hobsbawm falava que os grandes marcos
dos séculos não seriam os marcos de cronologia imediata, mas grandes eventos
que marcam esses séculos. Não tenho dúvida que essa epidemia é o grande marco
do século 21, que inaugura o século 21 E ela nos mostra a vulnerabilidade do
nosso modelo de desenvolvimento, da globalização sem cuidado às populações, do
turismo intenso. Mas ainda não é possível pensar, como seria desejável, que
teremos um mundo mais solidário. Nos deparamos com a fragilidade da
civilização, mesmo no caso de nações mais ricas e sobretudo no caso de um país
tão desigual como o nosso.
Tomado de correio brasiliense
No hay comentarios:
Publicar un comentario