Estudo realizado com pacientes internados em hospital de
Wuhan, cidade chinesa onde surgiu o Sars-CoV-2 , mostra que crianças infectadas
apresentaram problemas gastrointestinais sem ter qualquer outro relacionado à
doença
VS Vilhena Soares
Meninos sírios, com máscaras, recebem orientações de
prevenção em centro de refugiados na Turquia: diagnóstico é mais difícil nos
pequenos(foto: FP / AAREF WATAD)
No início da pandemia da covid-19, especialistas
desconfiavam que a infecção tinha menos impacto no organismo das crianças.
Entretanto, o número de casos mais graves da doença aumentou nesse grupo de
pacientes, o que tem gerado grandes preocupações, sobretudo, devido a
complicações provocadas pelo Sars-CoV-2. Cientistas chineses alertam para a
dificuldade em identificar precocemente a infecção nos pequenos. Num estudo com
crianças que tiveram a enfermidade, eles mostram que os sintomas iniciais podem
ser gastrointestinais, e não respiratórios. As descobertas foram apresentadas
na última edição da revista especializada Frontiers in Pediatrics.
Os autores do estudo explicam que alguns fatores
interferem negativamente para a detecção precoce da doença nos mais jovens. “É
muito fácil não chegar ao diagnóstico no estágio inicial, principalmente,
quando a criança apresenta sintomas não respiratórios, que seriam os esperados,
ou sofre de outra doença, o que ocorre em muitos casos. A febre é outro
problema comum aos pequenos, e também ocorre na covid-19, o que pode
confundir”, elencou, em um comunicado à imprensa, Wenbin Li, pesquisador do
Departamento de Pediatria do Hospital Tongji, em Wuhan, na China.
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Os pesquisadores analisaram o quadro clínico de cinco
crianças internadas no Hospital Tongji com sintomas não respiratórios e que,
posteriormente, constatou-se que estavam infectados pelo novo coronavírus.
“Todos os pacientes que avaliamos tiveram pneumonia confirmada por tomografia
computadorizada no tórax, após a internação”, detalhou Li.
Os especialistas observaram que, antes de dar entrada
no centro de tratamento, as crianças haviam sido atendidas no setor de
emergência por problemas sem relação com a covid, como, por exemplo, cálculo
renal e diarreia. “Os sintomas iniciais dos analisados foram inicialmente leves
ou relativamente ocultos, antes da admissão no hospital”, detalhou o autor do
estudo. “O importante é que quatro dos cinco casos apresentavam sintomas do
trato digestivo como a primeira manifestação da doença”, frisou Wenbin Li.
Rota viral
Os pesquisadores vinculam os sintomas gastrointestinais
das crianças, também registrados em pacientes adultos, a uma rota adicional de
infecção do patógeno no organismo. “O vírus infecta pessoas por meio do
receptor ACE2, que pode ser encontrado em certas células nos pulmões e também
no intestino. Isso sugere que a covid-19 pode infectar pacientes não apenas
pelo trato respiratório, na forma de gotículas de ar, mas também pelo trato
digestivo, por contato ou transmissão fecal-oral”, frisou o cientista.
O pesquisador chinês espera que os médicos usem as
informações obtidas no estudo para diagnosticar e isolar mais rapidamente
pacientes com sintomas semelhantes, o que pode ajudar no tratamento precoce e
reduzir a transmissão do vírus. “Com base em nossa experiência em lidar com a
covid-19 em regiões onde o vírus é epidêmico, deve-se suspeitar de crianças
infectadas com sintomas do trato digestivo, principalmente com febre e/ou
histórico de exposição à doença”, acrescentou.
O autor do estudo admitiu que serão necessárias mais
pesquisas para confirmar os resultados, uma vez que o grupo analisado não foi
amplo. “Relatamos casos da covid-19 em crianças que apresentaram primeiros
sintomas não respiratórios, e isso nos ajuda a entender melhor a manifestação
da enfermidade na infância, mas outras características clínicas de casos
semelhantes precisam ser analisadas em estudos com uma quantidade maior de
pacientes”, reconheceu.
A pediatra Fabiana Mendes destacou que problemas
gastrointestinais foram verificados em outros estudos feitos com crianças
infectadas, mas não como primeiros sintomas. “Esses dados ainda são muito
iniciais, mas importantes, pois nos ajudam a entender melhor essa doença que é
tão nova e pouco compreendida”, opinou.
Ela considerou, contudo, que ainda é cedo para dizer se a
descoberta vai contribuir para diagnósticos precoces. “Acho que um dos
principais problemas que enfrentamos, no momento, é a falta de testes. Esse é
um problema maior. Só com mais material disponível, vamos ter essa
identificação feita mais cedo, tanto para adultos como crianças”, disse.
Complicações
Outra questão que intriga os médicos em relação às
crianças é o possível surgimento de outras enfermidades provocadas pelo
Sars-CoV-2. Autoridades de Nova York, uma das cidades mais afetadas pelo
coronavírus, informaram, no último domingo, 39 casos de uma inflamação
pediátrica, que especialistas acreditam ter relação com a covid-19.
Essa doença, que possui como sintomas vômito, dor
abdominal, febre e erupção cutânea, é muito semelhante à síndrome de Kawasaki,
que forma grandes placas vermelhas pelo corpo, e atinge principalmente crianças
de até 5 anos. “Além dessa inflamação vista nos Estados Unidos, também temos
casos de crianças com covid que sofreram com problemas relacionados ao sistema
nervoso central”, relatou Fabiana Mendes. // tomado de correio brasiliense
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