Deputado entrou com
mandado de segurança para pescar em estação ecológica de Angra MP afirmou que
Jair Bolsonaro quer "um verdadeiro salvo-conduto de pesca emitido pelo
Judiciário", algo "impensável" do ponto de vista jurídico
Foto: Divulgação
Jair Bolsonaro tem casa em Angra e acionou a Justiça para
ter direito de pescar na Esec Tamoios - Divulgação
RIO — O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) resolveu
comprar briga com entidades de defesa do meio ambiente, a pretexto de apoiar
pescadores da região da Costa Verde. O parlamentar entrou com um mandado de
segurança na Justiça Federal a fim de obter autorização para a prática de pesca
amadora na Estação Ecológica de Tamoios (Esec Tamoios), em Angra dos Reis,
unidade de conservação federal de proteção integral, onde é proibido qualquer
tipo de intervenção humana. O Ministério Público Federal no Rio, em parecer
sobre o caso, afirmou que Bolsonaro quer "um verdadeiro salvo-conduto de
pesca emitido pelo Judiciário", algo "impensável" do ponto de vista
jurídico. Também está em análise, desde março deste ano, pela Procuradoria
Geral da República, em Brasília, se houve uma suposta prática de crime
ambiental por parte do deputado.
— O mandado de segurança é pessoal, personalíssimo, só
favorece ele. Se ele quisesse favorecer outras pessoas, que ajuizasse uma ação
popular, por exemplo, ou uma ação civil pública por alguma associação. Os
pescadores têm associações e nunca pleitearam isso — explicou o procurador da
República Maurício Manso.
O bote do deputado Jair Bolsonaro ao ser interceptado pelos
fiscais do Ibama em 2012
Pescadores de Angra dos Reis e Paraty na mira de Bolsonaro
Foi depois de uma multa de R$ 10 mil aplicada pelo Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), em janeiro do ano passado — quando foi
flagrado pescando num barco no costão da Ilha de Samambaia, que integra a Esec
Tamoios —, que o deputado federal abriu fogo contra os fiscais do Ibama,
analistas ambientais e procuradores. De acordo com relatório de fiscalização do
órgão, o parlamentar argumentou que tinha autorização para pescar em qualquer
ponto da Baía da Ilha Grande. Inconformado, ele chegou a ligar para o então
ministro da Pesca, Luiz Sérgio (PT-RJ), ex-prefeito de Angra, que o aconselhou
a deixar o local.
— Estávamos numa patrulha normal quando encontramos a
embarcação do deputado, que não quis se identificar. Mas o reconhecemos de
imediato. Ele tentou argumentar que estava num momento de lazer, mas explicamos
que a proteção era integral e, por esta razão, era proibida qualquer tipo de
atividade. Ele foi arrogante e prepotente — lembrou o então chefe do escritório
do Ibama em Angra, José Augusto Morelli, que não atua mais como fiscal de campo
desde o episódio.
Colônia de pescadores
nega apoio
O deputado alega que foi humilhado pela fiscalização,
ressaltando que não há placas de aviso na Ilha de Samambaia:
— Esse pessoal do Ibama é arbitrário. Eu estava só com uma
varinha de pescar, não usava arrastão, nem arpão. Isso que eles fazem é um
absurdo. Na região há cerca de 15 mil pescadores humildes sendo impedidos de
trabalhar. Eu mesmo só estava pegando umas cocorocas. Podia comprar um pescado
na peixaria, mas queria aproveitar meu lazer. Tenho casa lá. Simples, não é
como a de outros colegas. Além disso, não havia placas no local. Apesar de eu
saber que lá não era permitido pescar, pois fiz um requerimento de informações
ao Ministério da Pesca, achei um absurdo a proibição.
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Apesar de afirmar que está defendendo os pescadores, o
presidente da Colônia dos Pescadores Z18 de Paraty, Márcio de Alvarenga
Oliveira, nega tal apoio por parte do parlamentar:
— A gente vem lutando pelo pescador, cria da região, que
sustenta a família da pesca artesanal. Temos 1.100 associados. Nós somos
profissionais e estamos fazendo um acordo (termo de compromisso) com o pessoal
da Esec Tamoios para pescar em determinados pontos, sem interferir no meio
ambiente. No início, não entendíamos a importância da preservação da região.
Realmente, não se pode abrir espaço para embarcações grandes. As nossas são
canoas, sem potência para ir mais longe. Essa pessoa (Jair Bolsonaro), que não
gosto nem de citar o nome, está brigando porque foi flagrada por lá degradando.
Ele não nos representa — afirmou Márcio.
O assunto se arrastou numa disputa jurídica até a
Procuradoria Geral da República, em Brasília, onde Bolsonaro estaria sendo
chamado para prestar esclarecimentos. A procuradora Monique Cheker, da
Procuradoria da República em Angra dos Reis, que declinou da atribuição por
causa do foro privilegiado de Bolsonaro, analisou a importância da reserva.
— A Estação Ecológica de Tamoios é uma das áreas com mais
restrições em termos ambientais, pois tem como propósitos a pesquisa científica
e o monitoramento da região. Foi criada pelo decreto 98.864/90, do
ex-presidente José Sarney, reforçado por uma lei em 2000 que amplia este
caráter de proteção .
Dois projetos de lei para a região
Coincidência ou não, após o bate-boca entre o deputado e os
fiscais, foram propostos dois projetos de lei na Câmara dos Deputados. Um
deles, por ironia, é do deputado federal Luiz Sérgio, ex-ministro da Pesca e
ex-prefeito de Angra, sobre a liberação de embarcações particulares, pesca
artesanal ou amadora, além da utilização das praias por banhistas, na Esec Tamoios.
O outro é de iniciativa do deputado Felipe Bornier (PSD-RJ), também com o mesmo
propósito. Os projetos foram apresentados por deputados aliados do governo.
Para a procuradora da República Monique Cheker, os dois
projetos são inconstitucionais e um retrocesso ao novo Código Florestal:
— Ambos tiram a proteção ambiental da Estação Ecológica de
Tamoios. Estaríamos andando para trás. Há outras ilhas na região liberadas para
a pesca. Por que autorizar logo numa unidade de proteção integral?
Régis Pinto de Lima, chefe da Esec Tamoios, gerida pelo
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ressalta que
a importância da área se deve à implantação das usinas nucleares:
— A estação foi criada em consequência do programa nuclear
brasileiro como uma espécie de compensação ambiental. Se, por acaso, ocorrer
algum efeito nocivo proveniente das usinas, é na estação que os pesquisadores
serão capazes de detectar os impactos ambientais e reverter o processo.
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