Falta de asfalto nas
estradas de acesso perturba moradores e encarece a vida em 65 municípios
Virou poeira a promessa, feita quase 20 anos atrás, de que
todos os municípios gaúchos teriam suas estradas de acesso asfaltadas.
Levantamento da Famurs mostra que ainda falta pavimentar 950
quilômetros de
vias de chão batido
Por: Marcelo Gonzatto
Estrada que leva a Garruchos, nas Missões, é o mais longo
acesso sem asfalto no EstadoFoto: Félix Zucco / Agencia RBS
IMAGENS DE FÉLIX ZUCCO
No final dos anos 1990, o anúncio de que todos os municípios
gaúchos seriam unidos por asfalto espalhou júbilo pelas cidades interioranas
aonde só se chegava depois de muito solavanco por estradas de chão. Quase duas
décadas depois da promessa feita na gestão de Antônio Britto (1995-1998) e
descumprida por aquela e todas as administrações posteriores do Piratini, o
otimismo deu lugar à desesperança e ao descrédito em comunidades submersas em
nuvens de poeira.
A crise financeira do Estado, sufocado por um déficit de R$ 4,9 bilhões no ano passado,
transformou o projeto de pavimentar os caminhos rumo a todos os rincões do Rio
Grande em uma jornada sem destino certo. Hoje, nem mesmo há uma previsão segura
de quando o asfalto poderá chegar a todas as comunidades onde a falta de
infraestrutura prejudica a economia, ameaça o acesso à saúde e à educação, e
compromete sonhos de desenvolvimento e expansão populacional.
Para interligar todo o Estado, ainda é necessário asfaltar
cerca de 950 quilômetros de vias de chão batido, conforme um levantamento
inédito realizado pela Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do
Sul (Famurs) que verificou o andamento das obras com cada prefeitura envolvida.
Segundo o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), serão
necessários ao redor de R$ 1 bilhão para cumprir a antiga promessa – valor que
o governo estadual admite não ter condições de bancar de imediato. A esperança
é de que um eventual alívio nas finanças públicas permita a
contratação de um
novo financiamento para retomar o programa viário.
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De um total de 105 obras previstas na gestão de Tarso Genro
(2011-2014), o relatório mais recente do Daer revela que 31 foram inauguradas,
24 estão em andamento, duas não tiveram interessados na licitação, e as 48
restantes se encontram sem previsão de recurso ou início. O fato de
haver 74 projetos pendentes não significa, porém, que esse seja o
número de cidades sem acesso entregue. Há obras divididas em dois lotes
que aparecem mais de uma vez na lista, como nos casos de Garruchos ou Mariano
Moro, e parte dos contratos segue em aberto pela falta de algum detalhe, como
instalação de defensas metálicas, mas, na prática, o asfalto está implantado e
em uso.
Ao cruzar dados do levantamento realizado pela Famurs com o
relatório do Daer e entrar em contato diretamente com as prefeituras de onde
havia informações dúbias sobre o estágio da pavimentação, ZH confirmou que em
pelo menos 65 cidades, de fato, ainda não há qualquer acesso asfaltado. Esse
universo, que representa 13% do Estado, sofre o impacto que a terra nua exerce
sobre a movimentação de pessoas e veículos.
– Essa situação mostra o quanto estamos defasados em relação
à infraestrutura. As ligações municipais por estrada de chão diminuem a
qualidade e aumentam o custo de vida, encarecem a manutenção de automóveis e
caminhões, dificultam o escoamento da produção e inibem o desenvolvimento como
um todo – analisa o professor da Escola de Engenharia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Luiz Afonso Senna.
Dos 10,3 mil quilômetros de rodovias estaduais, 34% não têm pavimento. O indicador
da ONU para medir o nível de qualidade de vida confirma o fardo imposto pela
dificuldade de deslocamento nas regiões onde vivem, no total, 211 mil pessoas.
Em 90% das localidades sem asfalto, o Índice de Desenvolvimento Humano (o IDH,
que condensa variáveis de educação, saúde e renda) é inferior à média estadual.
Pela mesma razão, a renda média per capita da população em 95%
desses locais era inferior à cifra de R$ 1.121 apurada pelo Censo 2010 para todo o Estado.
Os tortuosos caminhos de terra também inibem a expansão
populacional. Em média, os 65 municípios sem pavimentação contam com
apenas 3,2 mil moradores – menos de um terço do padrão estadual. É
exatamente o número de habitantes de Garruchos, onde serpenteia por entre
plantações de soja, trigo e milho o mais longo acesso a ser asfaltado. Lá, nada
menos do que 57 quilômetros de chão puro unem a cidade ao restante do Rio
Grande do Sul e, ao mesmo tempo, a isolam dele.
GARRUCHOS: A MORTE NO
MEIO DA ESTRADA DE TERRA
MEIO DA ESTRADA DE TERRA
Garruchos, nas Missões: 3,2 mil habitantes servidos apenas
por um acesso de 57 quilômetros de terraFoto: Félix Zucco / Agencia RBS
Por volta das 9h de 27 de julho, o motorista de caminhão
Ismael Melo Moisinho, 55 anos, está parado no meio de uma estrada de terra
aparentemente interminável. Sob um frio de 8ºC, o condutor, de braços cruzados,
permanece encostado no veículo modelo Mercedes-Benz 2213. Não há o que fazer ou
para onde ir. Pela segunda vez em um mês, o sacolejo provocado pelos quase 60
quilômetros de chão batido que levam ao município de Garruchos, nas
Missões, fez um dos eixos de seu veículo se romper. A única saída é aguardar a
chegada de um mecânico que está vindo de São Luiz Gonzaga, a 90 quilômetros de
distância.
– A gente tenta ir devagarinho, mas, mesmo assim, o caminhão
quebra. É muita estrada de terra – lamenta o motorista.
Resta aguardar e torcer para, na próxima viagem, o caminhão
carregado de calcário para a lavoura suportar os sucessivos trancos e baques. Situações
como essa ilustram a rotina de quem depende do mais extenso acesso de terra do
Estado para trabalhar, buscar saúde ou educação. Como o agravamento da crise
financeira gaúcha reduziu as chances de os moradores da região vislumbrarem o
início das obras, muitos moradores planejam se mudar a fim de fugir do
isolamento geográfico. Esse é o caso do mecânico de equipamentos agrícolas José
Antônio Dias, 53 anos. As razões que o motivam a deixar a cidade até o final
deste ano incluem um detalhe particularmente doloroso: seu pai morreu no meio
da estrada de chão, aos 75 anos, sem qualquer chance de alcançar socorro a
tempo.
O pai de José Antônio Dias morreu de infarto na estrada para
Garruchos ¿ mesmo o socorro e a remoção foram difíceisFoto: Félix Zucco /
Agencia RBS
O caminhoneiro aposentado José Dias enfrentava complicações
cardíacas que haviam lhe exigido uma internação hospitalar em Ijuí. Após
receber alta, em janeiro, a família já comemorava o retorno do idoso para casa
– mas ele não resistiria à desgastante viagem de volta. O filho acredita que as
más condições do chão batido e o cansaço provocado pela lentidão ao longo do
trajeto tenham contribuído para provocar um novo ataque cardíaco. A festa de
recepção se converteu em velório.
– A gente está num mato sem cachorro. Eu morava no Pará, em
Tomé-Açu, e lá não me sentia tão isolado quanto me sinto aqui. Depois do que
aconteceu com o meu pai, quero me mudar até o final do ano – conta Dias, que
ainda não decidiu se vai morar em outra cidade do Interior gaúcho ou em Brasília.
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Outra moradora do município, Ivone da Cruz, 60 anos, teve
mais sorte. Há três anos, também sofreu um infarto. Foi socorrida
emergencialmente no posto de saúde municipal e, em seguida, uma ambulância
emprestada por uma empresa de energia localizada na região a transportou até
São Borja, a mais de cem quilômetros. A viagem durou quase duas horas.
– Graças a Deus, sobrevivi. Quando chove, a estrada fica tão
ruim que a ambulância tem de desviar pelo campo de alguma fazenda – conta
Ivone.
Ivone da Cruz sofreu um infarto e precisou ser transportada
por cem quilômetros e mais de duas horas até São BorjaFoto: Félix Zucco /
Agencia RBS
Hoje, o município dispõe de duas ambulâncias próprias, além
de três carros e um ônibus para transportar pacientes. O problema é que outros
três veículos estão fora de serviço para manutenção devido à falta de
infraestrutura.
– Tem carro que aguenta pouco mais de um ano em razão do
desgaste provocado pela estrada de chão. Nosso maior problema é a dificuldade
de acesso – lamenta o secretário municipal de Saúde, Sérgio de Oliveira
Batista.
Essa dificuldade também afeta o escoamento da produção
agrícola dos municípios sem pavimentação. O prefeito de Garruchos, o
ex-deputado federal Carlos Cardinal (PDT), estima que, se a rodovia de chão
batido encarece em R$ 1 cada saca de grãos produzida na cidade, no ano passado
o município teria perdido cerca de R$ 1 milhão devido à ausência de
asfalto.
– Na situação atual, nem mesmo lojas se instalam aqui. Para
comprar uma TV, uma geladeira, tem de ir a outro município – queixa-se o
gestor.
Essa situação ajuda a explicar por que Garruchos registrou
quase metade da renda média per capita do Estado no Censo 2010 (último
levantamento disponível para esse indicador) – apenas R$ 600. Amaral
Ferrador, na região Sul, apresentou desempenho ainda pior, com média de R$
554 per capita. Uma das principais dificuldades dessas regiões é atrair
empreendedores dispostos a encarar os intermináveis caminhos de terra.
OS PREJUÍZOS À ECONOMIA
EM AMARAL FERRADOR
EM AMARAL FERRADOR
Péssimas condições do acesso a Amaral Ferrador derrubam os
índices econômicos e a renda per capita do municípioFoto: Félix Zucco / Agencia
RBS
Nos 37 quilômetros de acesso ao município de Amaral
Ferrador, há duas pontes de madeira e uma de concreto, cinco cemitérios,
seis borracharias ou oficinas mecânicas, mas nenhuma empresa ou indústria.
Embora a maior parte da população rural sobreviva do plantio de tabaco, não há
nenhuma fumageira instalada na cidade. Foram feitas tratativas com algumas
companhias do setor de fumo, além de distribuidores de gás e de bebidas, para
se assentarem na localidade de 6,3 mil habitantes. Nenhum convite foi aceito.
Ninguém se animou a investir na região com o segundo trecho mais longo de
estrada de chão no Estado.
– Quando o cara chega ao nosso município, se surpreende com
37 quilômetros de estrada sem asfalto e perde o interesse. A obra para asfaltar
já começou e parou várias vezes – lamenta o prefeito, Elizeu Araujo (PMDB).
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Erguer um empreendimento a quase 40 mil metros do asfalto
mais próximo significa fretes mais caros, deterioração acelerada de veículos de
transporte, dificuldade de deslocamento para os trabalhadores e de escoamento
da eventual produção. Por isso, o dinheiro costuma seguir o asfalto. A história
de produtores rurais como Leonel Dilson Vieira, 63 anos, exemplifica essa relação:
investiu quando foi anunciada a pavimentação em Amaral Ferrador, e parou de
investir quando os sonhos acabaram frustrados.
Cansado do trabalho como dono de uma vidraçaria em Porto
Alegre, no final dos anos 1990 ele tomou a decisão de retornar para sua terra
natal, comprar uma propriedade e viver da produção de leite. Sua motivação,
além da saudade do modo de vida campeiro, foi o anúncio de que o asfalto
chegaria até a cidade. Aplicou cerca de R$ 1 milhão, em valores atuais, para
erguer uma propriedade capaz de abrigar 120 vacas leiteiras e empregar pelo
menos seis funcionários. O plano era ver a área se valorizar, e a produção, se
multiplicar graças à facilidade de trânsito e à chegada do progresso. As vacas
chegaram, mas a pavimentação ficou pelo caminho.
Por isso, o empreendimento funciona muito abaixo da
capacidade – conta 20 vacas e só um funcionário. Os planos de implantar um
sistema de irrigação no pasto foi adiado sem previsão de se concretizar.
– Quando anunciaram investimento, investi também. Quando
disseram que a obra não iria sair mais, também parei de gastar. Não vou botar
mais dinheiro aqui enquanto não sair o asfalto, porque não compensa – argumenta
Vieira.
Com 37 quilômetros sem asfalto até Amaral Ferrado, o que
prospera são as oficinas, como a de João Francisco Lima ViegasFoto: Félix
Zucco / Agencia RBS
A dificuldade de acesso limita as viagens do caminhão que
recolhe o leite, encarece o custo de produção e inviabiliza o sonho do
município de se tornar um polo leiteiro. No momento, os produtores temem até
que a cooperativa responsável para aquisição do leite deixe de atender a cidade
em razão do desgaste imposto pela estrada de chão.
– Já comentaram na cooperativa que a viagem é muito dura
para transportar pouco leite. Reclamam que a estrada é muito ruim, então a
gente acredita que podem deixar de trabalhar com os produtores daqui – sustenta
Vieira.
O presidente da cooperativa, Vilmar Caetano de Almeida,
garante que não há planos de abandonar Amaral Ferrador no momento. Mas
reconhece que a longa quilometragem de terra é um complicador:
– Somos parceiros para tentar viabilizar aquela região, mas
a falta de acesso asfaltado dificulta muito. A cooperativa acaba tendo de
subsidiar o frete.
Um único negócio consegue prosperar enquanto todos os outros
são prejudicados pela carência de infraestrutura. Uma das maiores mecânicas
localizadas na entrada da cidade costuma estar cheia de carros de passeio,
caminhonetes, ônibus e caminhões danificados pelo vai-e-vem entre a sede
municipal e a rodovia mais próxima.
– Cerca de 50% do nosso movimento vem da estrada ruim.
Arrebenta o pneu, estoura amortecedor, mola, tudo. Chega até a afrouxar as
portas dos carros – conta o proprietário, João Francisco Lima Viegas, 63 anos.
O pior é que as más condições das vias não afetam apenas a
conservação dos veículos. Em municípios como Caraá, o acesso em que se combinam
poeira e restos de piche da obra iniciada e abandonada prejudicam até a saúde
da população.
CARAÁ: NUVENS DE POEIRA
E PROBLEMAS RESPIRATÓRIOS
E PROBLEMAS RESPIRATÓRIOS
Interrupção do asfaltamento em Caraá contribui para a imagem
de cidade-fantasmaFoto: Félix Zucco / Agencia RBS
Quem chega a Caraá, município de 7,8 mil
habitantes do Litoral Norte, pode pensar que ingressa em uma cidade-fantasma.
As casas localizadas à margem da via que liga a região a Santo Antônio da
Patrulha têm portas e janelas fechadas, e é raro ver pessoas nos pátios. O
aparente abandono é fruto de uma obra inacabada. A interrupção no asfaltamento
do acesso de chão batido deixou a céu aberto uma mistura de poeira e restos de
piche que invade as casas, suja móveis e roupas e provoca queixas de problemas
respiratórios ao longo de mais de dois quilômetros da estrada.
Ao todo, o acesso a ser pavimentado soma cerca de 10
quilômetros, mas o trecho crítico se concentra em uma faixa de pouco mais de 2
mil metros na chegada à sede municipal. Neste ponto, a situação ilustra um dos
problemas provocados pela inconstância dos projetos de asfaltamento no Estado:
a obra foi iniciada e parou pela metade. Em muitos casos semelhantes, o
trabalho anterior se deteriorou tanto que precisará ser recuperado quando o
serviço for retomado. No caso de Caraá, há um agravante. Uma camada de piche
chegou a ser lançada sobre o leito da via, mas a iniciativa foi abandonada
antes que o asfalto cobrisse as camadas intermediárias.
A céu aberto, piche e terra se combinaram e formaram uma
poeira mais escura e, segundo moradores, mais agressiva ao contato com os olhos
e as vias respiratórias. Hoje, mal se vê a antiga camada escura aplicada há
cerca de quatro anos – mas as reclamações de quem mora à beira da via
continuam.
– Há pelo menos dois anos, vivo com inflamação no nariz e na
garganta, dores de cabeça, no ouvido. Uso três remédios diferentes, mas os
problemas sempre voltam – lamenta Maria Helena Silveira, 66 anos, moradora
da região há 28 anos.
Os relatos são comuns na vizinhança: irritações nos olhos,
nas vias respiratórias, tosses frequentes. A agricultora Suzete Cadorin,
42 anos, vive refugiada dentro de casa. Mantém portas e janelas fechadas para
barrar as nuvens de pó que vêm da rua, cobrem móveis e, segundo a agricultora,
provocam
transtornos respiratórios.
– Já penso até em me mudar, embora não queira isso. Aqui é
bom, mas me faz muito mal. Viver assim não dá – desabafa Suzete, que sofre com
a rinite.
O prefeito de Caraá, Silvio Fofonka (PP), reafirma que o
abandono da obra pela metade coincidiu com um aumento nas reclamações entre a
população.
– Por causa dessa poeira, tivemos muitas pessoas doentes,
gente que se mudou, comércio fechado. Participamos de audiência pública,
recorremos à Assembleia, ao Daer, à Secretaria dos Transportes, ao governador.
Prometeram que esses dois quilômetros de trecho crítico serão reiniciados –
revela Fofonka.
Segundo o otorrinolaringologista Otávio Piltcher, há
registros de problemas de saúde envolvendo profissionais que trabalham em
pavimentação sem equipamentos de proteção, devido à toxicidade dos elementos
ligados ao asfalto. Ele ressalva que essas complicações decorrem da exposição
aos produtos durante a aplicação, quando estão em estado líquido e emanam
gases. Piltcher diz que seria preciso verificar se há emissão de algum
componente no ar mesmo depois de o piche ter esfriado e consolidado – um tipo
de relato que não é comum.
A médica Yamile Guerrero, que atua no posto central de
Caraá, garante que nos últimos dois anos são
frequentes as queixas a respeito
da poeira na estrada.
– O ambiente é um fator de risco para problemas respiratórios
– sustenta Yamile.
Associação comunitária dos moradores de Caraá protesta
constantemente contra a situação dos acessos à cidadeFoto: Félix Zucco /
Agencia RBS
Enquanto o asfalto não se confirma, os moradores mantêm uma
associação comunitária. Mandaram confeccionar faixas e cartazes nos quais se lê
apelos como "Caraá pede socorro" e "Asfalto urgente!".
– Lutamos desde 2010. É fácil ver o impacto dessa estrada
sobre a comunidade. As casas ficam sempre fechadas, e não se vê gente
caminhando. O governador Sartori já avisou que não tem dinheiro para toda a
obra, mas esperamos que concluam pelo menos esses dois quilômetros – afirma o
coordenador da comissão, Telmo Gomes, 67 anos.
O diretor-geral do Daer, Ricardo Nuñez, admite que a
interrupção da obra deixou uma poeira "mais acinzentada". Por isso, o
Estado deverá retomar a pavimentação no trecho mais crítico por meio de
recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) – tributo
sobre combustíveis.
– Além de acabar com essa poeira, queremos proteger o
trabalho que já foi feito. Essa obra será retomada em breve – assegura Nuñez.
DAER PROMETE 24 OBRAS
ATÉ OUTUBRO DE 2017
ATÉ OUTUBRO DE 2017
As estradas de chão seguem diferentes destinos no Estado. A
melhor situação é a de 24 trajetos que contam com recursos garantidos graças a
um financiamento obtido durante a gestão de Tarso Genro junto ao BNDES. Esses
trechos estão em processo de pavimentação e somam uma fatia de cerca de R$ 163
milhões do empréstimo. A promessa do governo estadual é entregar esse novo lote
de ligações viárias até outubro de 2017.
– Conseguimos vencer alguns entraves de contrato,
dificuldades envolvendo a disponibilidade de pedreiras e, desde o final do ano
passado, estamos com os pagamentos em dia dessas obras que têm dinheiro do
BNDES – sustenta Nuñez.
O maior problema envolve os 48 projetos que não entraram no
pacote de financiamento do banco e, hoje, não têm rumo definido.
– Nesses casos, não há fonte de verba. Teríamos de fazer
essas obras com recursos do Tesouro. Hoje, já é difícil conservar os trechos
sob nossa responsabilidade, temos essa situação do parcelamento de salários (do
funcionalismo), além da necessidade de atender outras áreas como saúde,
educação, segurança. Há estudos para buscar um novo financiamento, mas não
podemos contar com isso até o momento – observa o diretor do Daer.
O valor previsto para concluir esses asfaltamentos, no
papel, é de R$ 800 milhões. Como essa cifra se baseia em estimativas já
defasadas, o Daer calcula que o custo real para atender aos anseios de todas as
comunidades apartadas do progresso oscila ao redor da cifra anunciada de R$ 1
bilhão. Uma estratégia definida pelo Piratini também dificulta a previsão de
quanto o Rio Grande do Sul poderá eliminar todos os acessos de chão batido:
nenhuma nova obra deverá ser iniciada sem que as iniciativas em andamento sejam
concluídas – com a exceção de Caraá, por envolver uma questão de saúde pública.
O objetivo é evitar o abandono das pavimentações pela metade – o que desperdiça
tempo e dinheiro – e novas frustrações entre as comunidades.
A penúria financeira do Estado e o tamanho do desafio a ser
vencido para qualificar a infraestrutura viária gaúcha não trazem muita
esperança aos gestores municipais. O presidente da Famurs e prefeito de Arroio
do Sal, Luciano Pinto (PDT), lamenta a ausência de perspectivas:
– Diante da falta de recursos do Estado, vemos que é
realmente difícil concluir todos esses projetos. Lamentamos muito porque a
ausência do asfalto provoca prejuízos incalculáveis para os municípios e, por
consequência, para o Estado. Além disso, diminui a autoestima da população. Os
jovens têm até vergonha de dizer que vivem em uma cidade sem ligação por
asfalto. Aumenta o êxodo rural, dificulta o transporte de estudantes e
pacientes, prejudica tudo.
O dirigente da Famurs garante que os prefeitos seguirão
pressionando o governo estadual para aprimorar as estradas, mas admite não
vislumbrar "solução a curto prazo".
O presidente da Comissão Especial dos Municípios sem Acesso
Asfáltico, deputado estadual Gilmar Sossella (PDT), diz que uma das
possibilidades de retomar o programa de pavimentações seria por meio de um
financiamento do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) de US$ 100
milhões. Essa medida dependeria de uma melhora na situação do caixa do Estado
que desse ao Piratini capacidade de assinar novos empréstimos.
– Não seria o suficiente para atender a todas as cidades,
mas pelo menos umas 20 obras poderiam ser tocadas – acredita o deputado.
Moradores das regiões desatendidas como Ivone da Cruz, de
Garruchos, já não se animam com qualquer plano alinhavado para tirá-los do
isolamento geográfico – principalmente em períodos eleitorais. Além de
pavimento, querem o fim das promessas vazias:
– Na época de campanha política, todos falam que o asfalto
vai chegar. Depois, esquecem.
TOMADO DEZERO HORA DE RGS BR
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