Fifa comprou créditos de carbono do Acre para “neutralizar”
impactos da Copa
POR MICHAEL FRANZ
SCHMIDLEHNER –
Acre também já vendeu créditos de carbono para evento de um
cassino em Las Vegas (EUA) Eventos realizados em Rio Branco (AC) prometem
incentivar o debate acerca de projetos de carbono florestal, mais conhecidos
pela sigla REDD+, assim como das políticas de "economia verde" em
geral. Nestes dias, durante a 66ª Reunião da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), e o evento “Tributo à Resistência dos Povos da
Amazônia”, no campus da Universidade Federal do Acre (Ufac), há a possibilidade
de debates acerca dos impactos deste
tipo de projeto e das políticas de economia verde do Governo do Acre. Daqui há
duas semanas, entre os dias 11 e 14 de
agosto, na reunião da “Força Tarefa dos Governadores para o Clima e Florestas” (GCF), governantes de 22
estados, províncias e regiões de sete países pretendem, em um evento
internacional aberto para o publico, deliberar sobre a ampliação de projetos
REDD+ e de negócios de créditos de carbono florestal. Um elemento central na lógica da
"economia verde" é o princípio da compensação ambiental. O mercado de
carbono é baseado na idéia de que seria possível compensar emissões excessivas
de gases de efeito estufa em um lugar por meio de reduções de emissões ou
fixação desses gases em outros lugares e em outros contextos. Sistemas como
"cap and trade" (em inglês, limitar e comercializar) permitem que as
indústrias, ao invés de reduzir suas emissões dentro dos limites legais, possam
"compensar" as emissões excedentes por meio de créditos de carbono.
Esses créditos podem ser gerados, entre outros, através de projetos de Redução
de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, chamados REDD e REDD +. Os
“títulos” ou “créditos” emitidos a partir destes projetos devem comprovar o sequestro, fixação
ou redução do fluxo de carbono em uma determinada área. Além do fato de que a
ideia básica "pagar para poluir" é eticamente questionável, os
complexos arranjos dos projetos do tipo REDD apresentam uma série de graves
problemas técnicos. O pesquisador britânico Larry Lohman resume: "As
supostas reduções obtidas por essas compensações são baseadas sistematicamente
em situações improváveis e hipotéticas, e pouco levam em conta os impactos
negativos sociais e ambientais do modelo de desenvolvimento em que estão
enquadrados”. Estes problemas se tornam ainda mais graves em programas de nível
sub-nacional, ou seja, iniciativas a partir de regiões, províncias ou estados
federais. Tais iniciativas, ao gerarem
fatos e estabelecerem normas regionalmente, tendem a minar as constituições de
seus países, e foram julgados impraticáveis por várias organizações
ambientalistas, tais como Greenpeace, e
esmagadoramente rejeitados pelos 194 países que fazem parte da Convenção-Quadro
sobre Mudança do Clima (UNFCCC).
Acre como vitrine do REDD+ O Acre preenche
internacionalmente um papel chave no avanço de mecanismos como REDD+ em nível
sub-nacional. Através da lei
2.308 de 2010, o governo deste Estado
criou o Sistema de Incentivos a Serviços Ambientais (SISA), visando estabelecer
uma base legal para a criação e comercialização de diversos tipos de “serviços
ambientais”, especificamente por meio do programa ISA-Carbono – créditos de
carbono. Há veementes críticas por parte de organizações da sociedade civil no
Acre, denunciando que não houve uma adequada consulta pública antes da criação
da lei. Estas organizações entendem que, de acordo com a Constituição
Brasileira, processos ecológicos essenciais são inapropriáveis e inalienáveis e
não podem ser transformados em mercadoria, apontando ainda os riscos e perigos
que estes projetos representam pelas comunidades nas florestas acreanas. Estas
críticas não impediram que, logo após a criação da lei SISA, o governo atraísse
grandes recursos financeiros de bancos e agências internacionais de
desenvolvimento, recompensando e incentivando suas políticas de financeirização
da natureza através dos “Serviços Ambientais”.
A articulação com tais agencias e bancos vem sendo facilitada por
grandes ONGs, tais como Fundo Mundial para a Natureza (WWF), Fundo de Defesa
Ambiental (EDF) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Estas organizações,
fazendo forte uso da histórica luta dos povos da floresta no Acre e da imagem
de Chico Mendes, promovem a iniciativa
do governo acreano internacionalmente como “vitrine” para políticas de REDD e
serviços ambientais. Financiamento de
REDD+ Reunião da Força Tarefa dos Governadores para o Clima e Florestas
(GCF) em Rio Branco é uma iniciativa de colaboração sub-nacional, que
atualmente integra 22 estados, províncias
e regiões de sete países e que trabalha para identificar e atrair
oportunidades de financiamento de projetos REDD+. Em 2010, o então governador
do Acre, Arnóbio Marques, logo após a criação da lei SISA, firmou um “memorando
de entendimento” que visa a
comercialização de créditos de carbono entre Acre, Chiapas (Mexico) e California
(EUA). Desde então, o estado assume neste grupo um papel de destaque. O
memorando deve permitir que indústrias californianas, para cumprir com a lei
climática no seu estado, possam, através de um sistema “cap and trade”,
compensar emissões excedentes com créditos de carbono gerados a partir de áreas
de florestas tropicais. Assim como a
criação da lei SISA, as compensações previstas no memorando encontram forte resistência no Acre. Durante
a conferencia Rio+20, em 2012, um grupo de ativistas lançou o Dossiê Acre, para
evidenciar que as políticas governamentais no Estado, em vez de representarem
um exemplo bem-sucedido para a implementação da economia verde na Amazônia,
exemplificam justamente a falência deste modelo, revelando-o como
ambientalmente destrutivo e socialmente excludente. Tambem em Chiapas, onde os
projetos REDD+ causam conflitos de terra, e na California, onde as emissões
excessivas têm impactos diretos sobre a saúde de comunidades de baixa renda nas
proximidades das fabricas, grupos da sociedade civil organizada estão se opondo
contra as compensações de carbono. Ignorando os crescentes questionamentos e
criticas acerca da compensação de emissões enquanto solução para o clima, do
perigo da criação de uma “bolha de carbono” no mercado financeiro e dos
impactos dos projetos REDD+ sobre comunidades locais, o GCF insiste em ampliar
suas áreas de atuação e continua propagando REDD+ como se fosse solução
vantajosa para todas as partes, apresentando o Acre como “experiência
pioneira”. Na reunião do GCF em 2013, o atual governador do Acre, Sebastião
Viana, foi eleito como líder do grupo, e a reunião de 2014 agendada para a
capital acreana. A reunião e aberta ao publico e será realizada nos dias 11 a
14 de agosto, nas facilidades da Maison Borges (Rua das Acássias, 1001 –
Distrito Industrial SETOR B) em Rio Branco (AC). Impactos de projetos REDD no Purus Em junho de 2012, poucos dias
antes da conferência internacional Rio +20, o governo do Acre comemorou
publicamente o registro formal do primeiro projeto privado de serviços
ambientais, o "Projeto Purus”, no Programa ISA Carbono. Durante a
cerimônia de registro do projeto, o vice-governador do Acre falou de um
"momento marcante na história do Estado". O protocolamento do projeto
deve ser o primeiro passo para a inclusão final no programa ISA Carbono. Os
autores obtiveram cartas de apoio de
diversas instituições estaduais. A
descrição do projeto pela empresa estadunidense
CarbonCo, LLC começa com uma dedicação a Chico Mendes, fazendo menção
dos empates em defesa das florestas acreanas: “Parabéns Chico, você não era um
visionário: o Projeto Purus é a materialização deste sonho”. O projeto ganhou a
certificação “ouro” de uma das principais certificadoras internacionais para
projetos REDD e já vendeu créditos de carbono para um evento de um cassino em
Las Vegas (EUA) e recentemente para a realização da Copa do Mundo 2014 pela
FIFA, supostamente “neutralizando” impactos ambientais destes eventos. Em
dezembro de 2013, sérias acusações de violações dos direitos dos residentes na
área deste e de dois outros projetos REDD+ (Projeto Valparaiso e Projeto
Russas) foram publicadas depois de uma
visita da Relatora Especial da Plataforma Dhesca (Plataforma Brasileira de
Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais). Entendeu-se que
o manejo tradicional dos pequenos agricultores vem sendo criminalizado,
impondo-lhes restrições que justifiquem a venda de carbono e ameaçando seu
direito a terra. REDD+ durante a reunião
da SBPC O assunto da Economia Verde e REDD+ vem sendo tratado também
durante a reunião da SBPC, que está sendo realizada nesta semana no campus da
Universidade Federal do Acre. O evento
“Tributo a resistência dos povos da Amazônia”, com o subtítulo “Do progresso que mata e destrói as ciências
para o ‘Vivir Bien’" por sua vez,
procura contribuir com um olhar mais
critico sobre progresso e ciência:
“Ademais de um cenário marcado pela intensiva instrumentalização do
discurso científico – para fins de legitimação das adaptações instituídas sob
os cânones da "economia verde" – acelera-se a
destruição em larga escala.” Nesta
quinta-feira (24), às 15h, Diego Cardona (Amigos da Terra Internacional); Lucia
Ortiz (Amigos da Terra Brasil), Luiz Zarref (MST); Amyra El Khalili (Aliança
RECOs); Ninawa (FEPHAC) participarão de uma mesa redonda sobre territórios
indígenas e camponeses na mira da "economia verde". No dia 25, às 9h
da manhã, a mencionada Relatora da
Plataforma DHESCA, Cristiane Faustino, junto com Luiz Zarref (MST); Dercy Teles
(STTR de Xapuri); Maria de Jesus (UFAC)
estará conferenciando sobre "Economia verde" no Acre:
apontamentos preliminares da Missão
realizada pela Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca. Com este evento
espera-se inclusive informações sobre a visita da Relatoria nas áreas dos
projetos REDD+ no Acre e sua avaliação. Ainda no dia 25, as 14h30, fazendo
parte da programação SBPC Indígena, José Carmélio Nunes Ninawá Hunikuin (FEPHAC), Jorge Gabriel Furagaro
Kuetgaje (COICA), Almir Suruí
(METAREILA), Delson Gavião (PANDEREEHJ),
João Neves Silva Galibi Marworno (COIAB),
Lucio Ayala (CIDOB), Julio Elbert Pareja Yañez (FENAMAD), debaterão, sob moderação de Joaquim Tashkã Yauanawá (ASCY)
sobre REDD Indígena, Serviços ambientais e Territórios Indígenas. O avanço do debate, ou seja, se as criticas apresentadas
pela sociedade terão qualquer influência sobre as políticas ambientais a nível
governamental, dependerá principalmente do interesse e da participação da
população. A sociedade deve fazer valer seu direito de ter total transparência
e participação em qualquer decisão que afeta seu patrimônio natural. Michael
Franz Schmidlehner é mestre em filosofia pela Universidade de Viena e liderou a
campanha internacional contra a patente do cupuaçu por japoneses - tomado de envío
de editores recos
No hay comentarios:
Publicar un comentario