Folha visita
deserto mais quente do mundo, no centro do Irã
SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL AO DESERTO DE DASHT-E-LUT (IRÃ)
ENVIADO ESPECIAL AO DESERTO DE DASHT-E-LUT (IRÃ)
A estrada retilínea corta a planície e se perde em miragens
no horizonte. Dos dois lados da pista deserta, um mar de pedra e areia.
Rajadas de vento escaldante invadem as janelas abertas do
carro, um modelo popular sem potência suficiente para andar em alta velocidade
com o aparelho de ar condicionado ligado.
O termômetro digital indica 46,5º C dentro do veículo.
Estamos no deserto de Dasht-e-Lut, no centro-leste do Irã, o
lugar mais quente do planeta, segundo a Nasa.
Em 2005, a temperatura medida por satélite da agência
espacial americana registrou 70,7º C no local. Recorde absoluto em temperatura
de solo.
No último domingo, a Folha foi conferir, em pleno
verão local, como tamanho calor afeta o organismo e as atividades humanas.
A reportagem chegou o mais próximo possível da área,
inacessível para carros, que acumula os valores recordes de calor.
Às 16h30, com o veículo parado no acostamento para medir a
temperatura externa, o termômetro marcou 54,1º C. A umidade do ar era de 10%.
Sob o sol, a sensação é de sufocamento. De tão seco o ar, a
língua gruda no céu da boca, e o suor evapora quase instantaneamente. A
respiração fica lenta e sem ritmo.
CALÇAS COMPRIDAS
Usando calças e mangas compridas para proteger a pele,
conforme regra universal em locais de sol extremo, o repórter se afasta do
carro e anda meio quilômetro deserto adentro.
O motorista e o guia, que dizem nunca ter estado ali no
verão, permanecem protegidos no veículo.
O crepitar das pisadas é o único som no ambiente. Com o
corpo imóvel, é possível apreciar o silêncio absoluto, enquanto se contempla a
imensidão ao redor.
Não há sinal de vida aparente. Nenhuma planta, nenhum
animal. Apenas um cenário bicromático: o marrom alaranjado da terra e o azul
fosco do céu.
O torpor que toma conta do corpo e da mente alerta para a
urgência de sair do alcance do sol. Os pés se arrastam.
Ao alcançar o carro, o repórter despenca no banco de trás e
compulsivamente despeja na garganta meia garrafa grande de água mineral, ainda
fresca por ter sido comprada congelada.
A vista fica embaçada, e a cabeça dói. Um enjoo se instala,
impedindo de falar. Sensação de nocaute.
Pensamentos desagradáveis se sucedem, incluindo preocupações
de segurança.
E se o motor fundir, quem acudirá nesta área sem sinal de
celular?
O estoque de água seria suficiente por quanto tempo em caso
de uma parada forçada?
Há algum hospital na volta para tratar uma possível
desidratação aguda?
O repórter derrama água numa toalha em volta da nuca, e o
desconforto diminui.
VIDA HUMANA
A adversidade climatológica ali torna impossível viver no
meio do deserto de Dasht-e-Lut.
As residências mais próximas do ponto alcançado pela Folha
ficam 100 km a sudoeste, em Shafiabad, aldeia com cerca de 150 habitantes.
No verão, eles evitam sair de casa do fim da manhã até o
entardecer.
Quando o sol dá trégua, cuidam do plantio de tâmaras e alho,
únicas atividades locais. Os mais privilegiados possuem alguns animais,
principais vítimas do calor.
"Meus parentes perderam duas vacas há alguns
dias", conta o camponês Amir S., 32, sentado no chão do único cômodo da
casa sem janelas, para minimizar a incidência dos raios de sol.
"Os animais são colocados na sombra e molhamos sua
pele, mas nem sempre adianta", afirma.
Ele garante estar acostumado com o tempo. "Às vezes a
vida fica mais difícil, mas nascemos e crescemos aqui, nossos organismos se
adaptaram."
Reza A., 21, vizinho de Amir, discorda. "É quente
demais, não gosto daqui", queixa-se o rapaz, que trabalha como pedreiro em
vilarejos na redondeza.
A reportagem pergunta a Mardieh, mulher de Amir, como ela
aguenta usar o véu islâmico -obrigatório fora de casa e recomendado na presença
de estranhos- com temperaturas tão elevadas.
"Fazer o quê? Assim se vive", sorri, sem jeito.
A dona de casa Somaya E., 19, diz não se incomodar.
"Nem sinto diferença".
Em Shafiabad vive-se de forma simples, porém sem miséria.
Muitas casas têm TV com antenas parabólicas e ar condicionado.
A água para o gado e as plantações viaja, das montanhas
situadas a dezenas de quilômetros até a aldeia, por meio de vias construídas no
subterrâneo.
A água potável chega por dutos que interligam aldeias.
LUZ E ESCOLA
Shafiabad tem eletricidade e até escola primária, num
reflexo da forte penetração do Estado iraniano em todas as áreas do país.
Nas redondezas da aldeia ficam os Kaluts, formações rochosas
que atraem turistas ocidentais em épocas de temperatura mais amena.
O inverno nesta região pode ser gelado, mas dura pouco
tempo. "Janeiro e fevereiro são os únicos meses frios, não gosto desse
período", afirma Amir.
"Só consigo viver no calor. Adoro a minha terra."
Colaborou RAFAEL GARCIA, de São Paulo
Tomado de folhia de san pablo br , FOTO GOOGLE EARTH
No hay comentarios:
Publicar un comentario