Estudo da Embrapa desvenda história do cultivo do milho pela
humanidade
Os investigadores descobriram que agricultores do sudoeste
da Amazônia também trabalharam no melhoramento da colheita há mais 6.500 anos.
VS Vilhena Soares
(foto: Gustavo
Moreno/CB/D.A Press)
O milho tem uma história muito mais complexa do que o
imaginado. Segundo um consórcio de pesquisadores americanos e brasileiros, a
domesticação do grão não ocorreu apenas no México. A partir de dados genéticos
e evidências arqueológicas, os investigadores descobriram que agricultores do
sudoeste da Amazônia também trabalharam no melhoramento da colheita há mais
6.500 anos, dando os primeiros passos para uma das maiores culturas da
atualidade. Detalhes do trabalho foram divulgados recentemente na revista Science.
O ancestral selvagem do milho, chamado teosino, tinha
espigas menores, poucos grãos e era protegido por uma espécie de capa
extremamente dura, difícil de ser quebrada. Os primeiros agricultores foram
selecionando características desejáveis e, com o tempo, começaram a surgir
espigas maiores, com grãos macios e abundantes. Até então, geneticistas e
arqueólogos acreditavam que essas transformações ocorreram apenas nas terras
baixas tropicais — hoje, o sul do México — há cerca de 9 mil anos. “Podíamos
dizer que parecia haver um único evento de domesticação no México e que,
depois, indivíduos espalharam o milho domesticado”, resume, em comunicado,
Logan Kistler, pesquisador do Museu Nacional de História Natural Smithsonian, nos
Estados Unidos.
O trabalho atual, porém, coloca em xeque essa teoria. Os
cientistas descobriram que, há cerca de 5 mil anos, os grãos não estavam
totalmente domesticados em terras mexicanas. “Eles seguiram semidomesticados
para Amazônia”, conta ao Correio Fabio Freitas, etnobotânico, pesquisador da
Embrapa em Brasília e coautor do estudo. Os grãos chegaram às mãos de
indivíduos que já cultivavam arroz e mandioca, entre outras culturas.
Provavelmente, foi adotado como parte da agricultura local e continuou a
evoluir sob influência humana até que, milhares de anos depois, se tornou uma
cultura totalmente domesticada.
A partir daí, o milho mudou-se para o leste, como parte de
uma expansão e intensificação da agricultura. Segundo Kistler, análises
arqueológicas mostram que, por volta de 4.000 anos atrás, o grão havia se
espalhado amplamente pelas terras baixas da América do Sul. Evidências
genéticas e arqueológicas também se alinham para sugerir que o cultivo se
expandiu para o leste uma segunda vez, desde o sopé dos Andes até o Atlântico,
cerca de 1.000 anos atrás.
Ajuda indígena
A equipe chegou às conclusões fazendo comparação genética de
mais de 100 variedades do milho moderno que crescem nas Américas, incluindo 40
variedades recém-sequenciadas. Fabio Freitas ressalta que muitas dessas
variedades foram coletadas em colaboração com agricultores indígenas nos
últimos 60 anos. “É importante destacar o papel desses grupos indígenas. Sem
eles não teríamos esses dados conservados”, diz o pesquisador da Embrapa.
Os genomas de 11 plantas antigas, incluindo nove amostras
arqueológicas recentemente sequenciadas, também fizeram parte da análise. A
equipe mapeou as relações genéticas entre as plantas e descobriu várias
linhagens distintas, cada uma com o próprio grau de semelhança com seu
ancestral comum, o teosino.
Futuro
Para os cientistas, além de ajudar a recontar a história do
milho, o estudo poderá ser usado no melhoramento dos cultivos atuais. “É a
história evolutiva a longo prazo das plantas domesticadas que as torna aptas
para o ambiente humano hoje. A história nos fornece ferramentas para avaliar o
futuro do milho na medida em que continuamos a remodelar drasticamente o nosso
ambiente global e a aumentar nossas demandas agrícolas”, explica Kistler.
Os pesquisadores pretendem dar continuidade ao trabalho, já
que uma série de informações colhidas ainda não foi completamente estudada.
“Temos muitos dados a analisar nessa área genética. Eles, futuramente, também
poderão ajudar a entender detalhes evolutivos de outras espécies semelhantes,
como o amendoim”, aposta Freitas. // TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
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