CAMILA DOMINGUES/PALÁCIO PIRATINI/DIVULGAÇÃO/JC
Presença constante na mesa dos brasileiros de todas as
regiões do País, o arroz experimenta um desempenho extremamente positivo em
2020, que espalha otimismo em todos os braços da cadeia produtiva, apesar da
crise gerada pelo novo coronavírus. No embalo da desvalorização do real frente
ao dólar, as exportações do grão bateram recorde no primeiro semestre, enquanto
o isolamento social e o temor de desabastecimento provocaram um aumento de
demanda interna valorizando o produto e mantendo a produção industrial a
pleno.
/LUCIANA ALVES/DIVULGAÇÃO/JC
Álvaro Guimarães *
Beneficiado pelo dólar na casa dos R$ 5,00 e pelo aumento do
consumo global, o arroz brasileiro ganhou espaço e competitividade no mercado
externo, ao mesmo tempo em que foi essencial para abastecer os consumidores
nacionais ávidos por manter suas despensas cheias nos primeiros tempos da
pandemia, temendo um desabastecimento geral.
A corrida inicial aos supermercados entre março e abril -
quando o temor de desabastecimento se espalhou pelo Brasil -, o aumento das
ações públicas e particulares de distribuição de cestas básicas à população de
baixa renda e a retomada por parte da população do hábito de preparar as
próprias refeições são outros fatores que favoreceram o desenho do cenário
positivo de agora.
Os resultados obtidos até agora animam o setor responsável
por 50 mil empregos diretos, distribuídos por 184 indústrias e oito mil
propriedades rurais instaladas no Rio Grande do Sul, e ajudam a salvaguardar
parte da abalada economia gaúcha, que conforme análises recentes divulgadas
pelo governo do Estado deve encolher, no mínimo, 10% este ano.
Somente em junho, o volume exportado chegou a 316,1 mil
toneladas, o que representou um incremento de 1.108% na comparação com o mesmo
mês de 2019 e, conforme os dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do
Ministério da Economia, superou o recorde mensal de embarques registrado em
dezembro de 2018 quando foram negociadas 287,1 mil toneladas. A composição das
vendas para o exterior em junho deste ano foi de 27,8% de arroz quebrado, 30%
de arroz em casa e 42% do grão beneficiado - os principais destinos foram
países da América Latina como Costa Rica, México e Venezuela.
Aliado a este contexto favorável, os primeiros meses do ano
encontraram os estoques nacionais baixos devido aos bons resultados das
exportações no ano anterior, o que causou uma valorização quase imediata do
produto. A saca de 50 quilos de arroz irrigado, por exemplo, começou o ano
vendida a R$ 54,00 em Pelotas e, nos dias atuais, está cotada em R$ 67,00. Na
indústria, a valorização foi semelhante: em fevereiro, o saco de 60kg de arroz
tipo 1 Agulhinha era comercializado a R$ 115,00 no Rio Grande do Sul, e, agora,
custa R$ 157,00.
"A pandemia colocou o arroz em um outro patamar e,
apesar de todo o contexto, é um ano muito bom para a cadeia como um todo e que
favorece a recuperação do setor", comenta Marco Aurélio Amaral Júnior,
presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Arroz Parboilizado
(Abiap).
O fato de o Brasil não ter paralisado a indústria de
alimentos nos primeiros meses de ajuste das regras de isolamento social é
apontado pelo executivo como mais um ponto a favor do grão. Com liberdade para
trabalhar, as fábricas mantiveram a produção a pleno e puderam buscar ampliar
suas carteiras de clientes dentro e fora do País.
Porém, afora o vírus e seus efeitos devastadores, nada disso
soa como novidade aos integrantes da cadeia produtiva que já viveram dias de
preços em alta, mercado em expansão e otimismo espraiado. "Em 2008,
tivemos um cenário semelhante, com a tonelada do arroz vendida a US$ 1 mil e
nos enganamos achando que seria um momento duradouro, mas não aconteceu a
esperada corrida pelo produto e os preços despencaram", lembra Amaral Júnior.
A partir disso, o executivo defende um olhar mais crítico
sobre o cenário futuro de curto prazo especialmente fora do País, pois em
setembro os Estados Unidos - principal concorrente brasileiro na América Latina
- começa a colher sua safra e isso irá reduzir o número de compradores em
países como México, Costa Rica, Nicarágua e Porto Rico, por exemplo.
"Estamos imaginando estar subindo a ladeira, mas não
houve um aumento real de consumo, somente aumentos pontuais. Acredito que o
mercado está começando a voltar aos patamares anteriores então precisamos
aproveitar para trabalhá-lo e ver como manter os patamares atuais sem depender
da especulação", avisa.
/Com ou sem aumento das plantações, corretores e indústria devem começar a procurar novos compradores para a produção 2020-2021, afinal a consolidação de novos negócios é a forma mais certeira de evitar perdas. Para isso qualidade e produtividade são pontos fundamentais que parecem atendidos tanto nas propriedades como nas fábricas.
Um dos principais nomes da ciência nacional quando o assunto
é qualidade do arroz, o professor Moacir Cardoso Elias é um dos coordenadores
do Laboratório de Grãos da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal de
Pelotas (Labgrãos/Faem/UFPel). Ele destaca que, desde a consolidação da cadeia
produtiva nos anos 1990, o arroz gaúcho evoluiu muito a ponto de ser uma
referência e conquistar preferência de consumidores em todo o planeta. "A
cadeia do arroz é uma das mais organizadas e muito atenta ao conhecimento
produzido pelas instituições de pesquisa, isso garantiu um desenvolvimento
muito rápido e qualificado, o que dá ao nosso produto atributos compatíveis com
os encontrados nos melhores produtos do mercado internacional", atesta.
Conforme Elias, o salto de qualidade do produto nacional
coincide com a criação do Mercosul que abriu as portas para o intercâmbio
tecnológico e empresarial muito próximo, especialmente com Uruguai e Argentina,
produtores reconhecidos pela qualidade de seus grãos. Aliado a isso, o
pesquisador destaca a capacidade da cadeia em encontrar mercados que reconhece
a qualidade do arroz brasileiro, como os países da América Latina, o que
ampliou significativamente a carteira de clientes.
"Na década de 1980, o País exportava arroz quebrado
para alguns países africanos e, para compor os ingredientes da fabricação de
chocolates na Bélgica, hoje exportamos arroz tipo 1, o que temos de
melhor", lembra. Situação semelhante é verificada com relação ao mercado
nacional, no qual a produção das fábricas gaúchas domina a preferência dos
consumidores. "Nos anos 1970, quando entramos no mercado da região
Sudeste, os rótulos traziam o aviso 'esse arroz não empapa', o que se
consolidou como marca do arroz produzido no Estado", completa Elias.
Maior produtividade e qualidade do grão são características
da produção gaúcha de arroz
PAULO LANZETTA/EMBRAPA/DIVULGAÇÃO/JC
Uma das armas da cadeia orizícola para tentar abrir novos
mercados externos, apesar da concorrência predatória dos norte-americanos, e
ampliar o consumo dentro de casa, é a reconhecida qualidade do grão nacional.
Essa excelência está materializada em características como
cozinhar soltinho, não ficar com o centro duro, ter sabor agradável, coloração
clara e poder ser reaquecido sem perder as demais propriedades começa nas
lavouras do Sul do Brasil, que na safra 2019-2020 cobriram 934 mil hectares em
128 municípios gaúchos. Somados, eles respondem por 70% da produção brasileira
de arroz.
Conforme os dados do Instituto Riograndense do Arroz (Irga),
esta foi a menor área plantada nas últimas 12 safras, porém o alto nível de tecnificação
e qualificação dos produtores gaúchos manteve a produtividade em alta. Na zona
Sul, onde estão seis dos dez municípios com maior produtividade do Estado, a
produção por hectare chegou a 10.006 kg em Rio Grande, 9.700 kg no Chuí e 9.688
kg em Capão do Leão.
Nas duas safras anteriores, a média por hectare no Rio
Grande do Sul havia sido de 7.508 kg/ha (2018-2019) e 7.949 kg/ha (2017-2018),
enquanto os melhores resultados da Zona Sul ficaram na casa dos 8.100 kg/ha.
O agrônomo André Matos, que há seis anos coordena a regional
Zona Sul do Irga, responsável por atender 11 municípios que concentram a
segunda maior área de lavouras de arroz do Estado, explica que o produtor
gaúcho está cada vez mais técnico e tem adotado métodos mais qualificados de manejo
das lavouras como a rotação de cultura com a soja ou a integração
lavoura-pecuária.
Na década passada a rotação com a soja ocupava 11 mil
hectares dos campos gaúchos semeados com arroz, este ano foram 340 mil
hectares, conforme os dados do Irga. "Até a década passada, o plantio de
arroz em áreas de pastagens era comum nas pesquisas, mas em áreas comerciais
quase não se via; hoje, somente na Zona Sul, já ocupam 20% da área
plantada", confirma Matos.
Tanto a pesquisa quanto a prática mostram que a sucessão de
culturas combate ervas daninhas como o arroz vermelho, reduz a degradação e
melhora a fertilidade do solo, o que acaba aumentando a produtividade e a
qualidade do grão. Além disso, a opção pela soja possibilita ao produtor
diversificar sua renda, que conforme lideranças do setor está em queda apesar
da boa colheita e do mercado aquecido. Isso, no entanto, traz um risco
embutido.
Apesar de recomendar a integração de culturas como sistema
de produção adequado, o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros
do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho, admite que a baixa
rentabilidade do arroz frente a soja pode seduzir agricultores.
"Estamos há três ou quatro anos com preços abaixo do
custo de produção, o que torna o arroz desinteressante para muitos e aumenta a
migração para a soja. Hoje, estima-se que 30% da área de arroz está indo para a
soja", relata.
Os custos citados por Velho são compostos, conforme
metodologia do Irga, por cinco itens: despesas de custeio da lavoura
(fertilizantes, sementes, etc.), outras despesas (fretes, secagens, etc.) e
despesas financeiras, depreciação e renda dos fatores (pagamento da terra
arrendada, etc.). Nesta safra, o custo total ficou em R$ 64,70 por cada saco de
50kg, ou seja, no momento de maior valorização do produto, sobraram R$ 2,30 por
saco para o produtor.
Levantamento feito pelo Irga revela um aumento de 13,34% dos
custos por hectare em relação à safra passada. Os itens que mais subiram estão
relacionados ao custeio de lavoura, e foram aguador (55%), aviação (53%) e água
(51,7%).
O dólar alto que favoreceu a cadeia também causou estrago no
bolso dos agricultores ao puxar para cima os gastos com sementes e agroquímicos
- com a desvalorização do real, a conta ficou salgada. O custo das sementes,
por exemplo, subiu de R$ 179,50 por hectare no período 2018-2019 para R$ 231,41
por hectare na safra recém-encerrada, o que representa 28,9% de aumento.
Já os investimentos em agroquímicos sofreram um incremento
de 20,7%, com o custo por hectare subindo de R$ 1.143,18 para R$ 1.380,61.
"Este cenário obriga a ter gestão e profissionalismo, o produtor precisa
lembrar que todos os negócios passaram por mudanças nas últimas décadas e se
reinventar", pondera Velho.
Indústria também é beneficiada por maior demanda do grão
O bom desempenho em 2020 tem animado também a indústria
instalada no Rio Grande do Sul, onde 184 empresas respondem pelo beneficiamento
de 63% do arroz nacional. Juntas, elas processaram ano passado em torno de 5,7
milhões de toneladas conforme dados do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga).
Beneficiada pelos estoques baixos e o aumento da procura
interna e externa, a indústria viu o preço do produto subir 36,5% entre
fevereiro e julho, batendo nos R$ 157,00 a saca de 60 quilos. "O mercado
não tem um ano igual ao outro, e este está sendo especial", declara Tiago
Barata, diretor executivo do Sindicato da Indústria do Arroz do Rio Grande do
Sul (Sindarroz).
O momento atual, segundo Barata, vem compensar uma década de
desvalorização do arroz comprovada pelo fechamento de 77 indústrias do setor no
estado. De acordo com o executivo, a maior parte delas encerrou as
atividades por dificuldade de competir para abastecer o mercado interno.
"A produção de arroz no Rio Grande do Sul é uma das mais caras do mundo, enquanto
no Brasil se pratica um dos preços mais baixos do globo", lamenta ele.
O novo patamar de preço, de acordo com a visão dos
dirigentes da cadeia produtiva, todavia não chega a pesar no bolso dos
consumidores, que estão pagando, em média, 26% a mais no quilo de arroz com
relação ao final de 2019. Mesmo assim, não deixaram de procurar o produto, que,
aliás, parece estar sendo redescoberto pelos cozinheiros domésticos nestes
tempos de pandemia. Uma análise feita pelo Sindarroz apurou um dado curioso, mas
que ilustra bem essa nova realidade: o aumento de 180% das buscas pelo termo
'como se faz arroz' no Google.
O empresário Jones Wendt, atualmente à frente da Nelson
Wendt Alimentos, nona colocada no ranking das maiores beneficiadoras de arroz
do Rio Grande do Sul e que mantém plantas industriais em Pelotas e Recife (PE),
aponta para um aumento de 20% nas vendas internas entre março e maio, com
expectativa de repetição do resultado em julho.
O preço por quilo, considerado o mais baixo entre todos os
alimentos prontos no País e o acréscimo do número de pessoas que permanecem
mais tempo dentro de casa devido a pandemia impulsionaram, conforme Wendt, o
interesse dos consumidores pelo arroz, o que espalha reflexos positivos por
toda a cadeia.
"Este aumento de demanda do arroz beneficiado ocorreu
em todas empresas, e isto provocou maior procura do grão com casca dos
produtores. Aliado ao aumento da demanda externa, isso valorizou o arroz com
casca e os produtores recebem hoje 30% mais do que recebiam em fevereiro e,
mesmo com este aumento de preços, o arroz beneficiado brasileiro ainda é um dos
mais baratos do mundo", comenta.
A popularidade, a facilidade de preparo e a versatilidade
são outras características apontadas pelo empresário como responsáveis por
manter o produto sempre na lista dos mantimentos considerados essenciais pelos
brasileiros. Um estudo encomendado pela Associação Brasileira da Indústria do
Arroz (Abiarroz) à Euromonitor, no ano passado, apontou para um consumo per
capita de 34 quilos por ano no País - a Região Sudeste fica na liderança como
aquela onde o grão é mais consumido, com 40 quilos per capita por ano.
Curiosamente, no Rio Grande do Sul, maior produtor do País,
a média cai para 15,5 quilos por pessoa. Uma das explicações para isso seriam
as regiões de colonização italiana e alemã, onde vivem aproximadamente 5,5
milhões de pessoas, e nas quais massa é a fonte de carboidratos culturalmente
mais procurada.
A aprovação da maior parte dos consumidores serve de
explicação para a oferta constante e os preços relativamente baixos de Norte a
Sul do País, apesar da inexistência de agências reguladoras oficiais intervindo
no mercado.
"Se você for a qualquer mercearia no interior do
Nordeste ou nos mais distantes igarapés do Norte, sempre encontrará quatro ou
cinco marcas de arroz, dos mais diversos tipos, qualidades e preços. E
encontrará quatro ou cinco porque o dono da mercearia assim quis, pois se
quisesse mais marcas, certamente teria. Somos mais do que 300 indústrias e um
número dez vezes maior de produtores de arroz no País, de diversos tamanhos. É
claro que há as marcas maiores. A maior empresa diz ter 12%. Na cadeia
produtiva do arroz existe mercado, há muita concorrência", explana Wendt.
Trabalhadores aguardam por ganhos salariais
Se, por um lado, produtores, corretores, industriais e
comerciantes celebram a valorização e o aumento das vendas do arroz, por outro,
milhares de trabalhadores ainda esperam para ver qual será o ganho de quem está
no chão das fábricas.
Com o dissídio assinado em julho, os trabalhadores das
indústrias de arroz da região de Pelotas - onde estão seis das 10 maiores
empresas do Estado - ganharam apenas a reposição da inflação. O salário dos
operários de serviços gerais foi de R$ 1.379,60 para R$ 1.400,00 e o dos
profissionais variou de R$ 1.545,28 para R$ 1.600,00.
"Apesar dos negócios estarem bem e a indústria do arroz
ter trabalhado todos os dias desde o início da pandemia, não houve ganho algum
para os trabalhadores, se alguém ganhou foram os patrões", lamenta Lair de
Mattos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Alimentação
de Pelotas e Região.
Para o dirigente sindical o alto índice de desemprego, que
em junho chegou a 13,3% no Brasil, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), impacta negativamente sobre os salários dos empregados
das arrozeiras e põe por terra qualquer expectativa de melhoria, apesar do
momento positivo da cadeia produtiva.
"Há um exército de desempregados dispostos a trabalhar
por estes salários. Entre 2013 e 2014, quando o desemprego estava em 6%,
conseguimos um ganho real de 5% sobre os salários", relembra.
A quantidade de vagas ofertadas pelo setor também
praticamente não se alterou com relação ao ano passado, conforme os dados do
sindicato. O número de trabalhadores fixos - aqueles que permanecem ocupados
mesmo depois de encerrada a safra - segue entre 1,3 mil e 1,4 mil nas empresas
locais.
Para a próxima safra, Estado deve continuar com a mesma área
plantada
FAGNER ALMEIDA/FEDERARROZ/DIVULGAÇÃO/JC
A virada do semestre representa para a cadeia produtiva do
arroz o início de um novo ciclo. Historicamente as exportações se reduzem, os
negócios passam a se concentrar no mercado nacional e, em setembro, começa a
semeadura dos campos para a nova safra. É tempo de analisar desafios, projetar
expectativas, estudar cenários e prospectar mercados.
Para a safra 2020-2021 já há pelo menos um mantra sendo
entoado entre as lideranças: não aumentar a área plantada. A ampliação das
lavouras para além do um milhão de hectares é apontada como um risco
desnecessário, capaz de se refletir numa desvalorização do produto. "É um
bom momento, mas é preciso segurar a euforia e não aumentar a área semeada para
ajustar a oferta", declara o presidente da Federarroz, Alexandre Velho.
Produtores tradicionais como Rechsteiner se somam na defesa
da necessidade de conter as plantadeiras para garantir a continuidade de uma
conjuntura positiva, pois acreditam que a rentabilidade está diretamente ligada
ao mercado conquistado, e o aumento da superfície de lavouras só deve acontecer
quando a procura pelo arroz gaúcho tiver novo impulso.
Corretores e consultores acostumados às idas e vindas da
cadeia, todavia, revelam acreditar que dificilmente se plantará menos de um
milhão de hectares no próximo período. O presidente da Abiap e consultor de
negócios internacionais vai na mesma linha. "O produtor teve uma
produtividade que compensou a diminuição da área e agora está mais
capitalizado, a tendência é de haver um aumento para além de 1,1 milhão de
hectares", prevê Amaral Júnior.
A pergunta sobre qual rumo os agricultores irão tomar deverá
ser respondida até o fim de agosto, quando o Irga deve lançar o relatório do
índice de semeadura. Para o coordenador da regional zona Sul do
instituto, André Matos, se houver aumento, não será significativo.
"Não vejo uma mudança de mercado capaz de influenciar um incremento da
área plantada e acredito que o pessoal aprendeu com os erros do passado",
declara o agrônomo.
Um dos principais problemas que aflige o setor e movimenta
lideranças no Estado é a escassez de empréstimos públicos à disposição dos
arrozeiros. No início deste ano, a Federação da Agricultura do Estado do Rio
Grande do Sul (Farsul) divulgou estudo sobre a descapitalização dos
rizicultores. A pesquisa revela um recuo violento do crédito rural para o setor
que, em 2010, era acessado por 50% dos produtores e, em 2019, só esteve ao
alcance de 20%.
Neste mesmo período, o percentual de agricultores que
mantinha as lavouras com recursos próprios despencou de 35% para 10%. Sem
financiamento público ou dinheiro em casa para garantir o custeio da produção,
grande parte dos agricultores busca recursos junto à indústria, que conforme o
relatório da Farsul, hoje atende a 50% dos produtores gaúchos de arroz.
A prática gera uma dependência indesejada pelo setor
primário. "É muito ruim financiar a produção com o cliente; por outro
lado, boa parte só permanece na atividade porque a indústria vem segurando a
lavoura", argumenta o produtor Fernando Rechsteiner.
Já o presidente da Federarroz. Alexandre Velho, acrescenta
que a prática reduz o poder de barganha dos plantadores, que pagam os
financiamentos pela cotação do início da safra, quando o produto ainda não está
valorizado. "O arroz não tem preço pré-fixado, ficamos presos ao valor
praticado pela indústria", diz.
Desde julho de 2019, representantes do setor discutem, sem
sucesso, com o governo federal, a criação de um pacote de ajuda. No início de
agosto, durante visita a Bagé, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido)
recebeu de uma comitiva de entidades representativas dos arrozeiros um
documento reiterando a necessidade de se buscar soluções para a falta de crédito
público aos produtores, causada principalmente pelo endividamento.
Estima-se que a dívida do setor chegue a R$ 3,5 bilhões.
Entre as medidas pleiteadas, estão a renegociação dos valores vencidos há mais
de um ano em novos contratos de 15 anos, com dois de carência e juros de 5% ao
ano.
Nos próximos meses, cenário internacional pode representar
mais oportunidades
Analistas de mercado dizem acreditar que, no segundo
semestre, o arroz em casca, que até então respondeu por 47% das exportações
feitas neste ano, deve perder espaço para o grão beneficiado. Um dos
motivos é a escassez de produto disponível para exportação, já que a indústria
absorve a maior parte da safra.
Há, ainda, o fechamento de mercados da América Central,
enquanto as fábricas gaúchas devem permanecer enviando arroz para países
vizinhos como Peru e Venezuela, além de compradores tradicionais da África, o
que pode manter a estabilidade dos negócios.
Existe, no entanto, alguma desconfiança com relação à
capacidade de absorção do mercado internacional. "Estamos vendendo por que
o Estados Unidos ainda não colheu e porque o produto deles é muito ruim, mas
nossos clientes como México e países centro-americanos estão cheios de
arroz", analisa o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de
Arroz Parboilizado (Abiap), Amaral Júnior.
Já com relação ao consumo interno, as análises e movimentos
recentes do mercado mostram que a situação permanecerá favorável para a
indústria e produtores mais capitalizados e que ainda possuem grãos
armazenados. Os estoques, que começaram 2020 baixos, devem chegar ao final do
ano igualmente reduzidos.
Um dos reflexos disso foi observado na primeira semana de
agosto, quando a saca de 50 kg arroz com 63% de grãos inteiros atingiu preço
recorde de R$ 80,00 no Litoral Norte. No final de julho, a saca estava cotada
em R$ 73,00. Esse aumento foi puxado, basicamente, pela disputa de empresas do
Sudeste do País e do Sul gaúcho sobre a produção que ainda resta livre no
mercado.
O medo de uma eventual falta de matéria-prima nacional para
as indústrias gaúchas fez as companhias voltarem seus olhos para cargas de
arroz estocadas no porto de Rio Grande e que ainda não tinham comprador no
exterior. A tática deu certo e os estoques de algumas empresas estão seguros.
A preocupação se justifica pela existência de uma cláusula
de barreira que impede o Rio Grande do Sul a importar mais de 10% do que
produz, como forma de salvaguardar a produção primária local. Dessa forma, o
que em outras situações garantiu proteção ao agricultor, agora pode fazer a
indústria perder espaço para empresas de outras regiões do País que poderão
importar além dessa quantidade para atende o consumo nacional.
Nesse quadro, quem deve sentir no bolso é o consumidor
comum. Uma pesquisa de mercado realizada no início de agosto pelo site Planeta
Arroz, especializado em acompanhar o mercado do grão, aponta para um aumento
médio dos preços do quilo do arroz entre 2% e 3,5% registrado nas últimas
semanas de julho. Em Porto Alegre, conforme o aplicativo Menor Preço, do
governo do Estado, o preço do saco de cinco quilos de arroz tipo 1 no varejo
varia, atualmente, entre R$ 14,26 e R$ 24,69, enquanto em Pelotas fica entre R$
14,69 e R$ 17,99.
A pergunta, ainda sem resposta, feita pelos analistas de
mercado, é se, uma vez pressionada pelos produtores ávidos por empréstimos para
iniciar a semeadura, as indústrias irão manter os preços praticados atualmente
ou repassarão o custo dessa compra antecipada aos atacadistas e varejistas? A
conferir.
* Álvaro Guimarães é natural de Rio Grande e jornalista
formado pela Universidade Católica de Pelotas. Atualmente, trabalha como
assessor de comunicação e repórter freelancer.
TOMADO DE JOURNAL DO COMERCIO DE RGS BR
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