Pacientes do sexo feminino, independentemente da idade, produzem mais estruturas de defesa responsáveis por eliminar células infectadas pelo Sars-CoV-2, mostra estudo americano. Descoberta abre a possibilidade de criação de tratamentos personalizados
Vilhena Soares
(foto: Mehdi Fedouach/AFP)
Aos poucos, especialistas conseguem entender melhor as
reações das defesas humanas à covid-19 em perfis distintos de pacientes, como
idosos, crianças e pessoas com comorbidades. Uma nova suspeita levantada é uma
possível distinção de respostas à presença do coronavírus conforme o sexo da
pessoa infectada. Em um estudo publicado na última edição da revista britânica
Nature, cientistas americanos mostram dados que corroboram essa desconfiança.
Eles analisaram um grupo de 98 pacientes e, pelas atividades biológicas vistas,
acreditam que as mulheres podem ter uma resposta imune melhor ao Sars-CoV-2 do
que os homens. Os investigadores frisam que ainda é cedo para tirar conclusões,
mas destacam que, caso os indícios se comprovem, eles poderão ser usados como
base para o desenvolvimento de estratégias personalizadas de combate ao vírus.
No estudo, os cientistas explicam que uma série de
evidências científicas tem indicado maior suscetibilidade do sexo masculino a
algumas infecções. “Estudos anteriores demonstraram (…) um impacto
significativo no desenvolvimento de enfermidades sérias. Por exemplo, a
hepatite A e a tuberculose são significativamente mais frequentes nos homens.
As cargas virais são consistentemente maiores em pacientes do sexo masculino
com vírus da hepatite C e vírus da imunodeficiência humana (HIV)”, detalham os
cientistas, liderados por Akiko Iwasaki, da Escola de Medicina da Universidade
de Yale (EUA).
Segundo os pesquisadores, dados semelhantes têm sido
observados em relação à covid-19. “Globalmente, 60% das mortes pelo novo
coronavírus são relatadas em homens. Um estudo com 17 milhões de adultos na
Inglaterra mostrou forte associação entre sexo masculino e risco de morte por
covid-19 (Leia Para saber mais)”, ilustram. No novo estudo, os cientistas
avaliaram 98 pacientes, com idade média de 60 anos, que estavam internados no
Hospital Yale New Haven devido a quadros leve a moderado da covid-19.
Os investigadores encontraram diferenças importantes nas
respostas imunes durante o curso da doença conforme o sexo dos pacientes.
Primeiro, descobriram que mulheres desenvolveram uma resposta de células T mais
robusta e estável, mesmo as com idade avançada. “As células T são uma parte
essencial do sistema imunológico e uma de suas funções inclui matar as células
infectadas”, explicam. Os autores observaram que, nos homens, a pior resposta
de linfócitos T era um fator agravante da doença, e que, quanto mais velhos
eles eram, menor a resposta imunológica.
Excesso de citocinas
Os pesquisadores também notaram uma quantidade maior, nos
homens, de células do sistema imunológico inato, que são as moléculas
responsáveis pelo recrutamento de células do sistema imune para serem enviadas
a locais de inflamação. É justamente a produção excessiva e descontrolada
dessas substâncias que pode gerar formas graves da covid-19, um fenômeno
conhecido como tempestade de citocinas. Segundo os cientistas, as participantes
que apresentaram alto nível de citocinas no início da infecção foram as que
sofreram níveis mais graves da doença.
A equipe ressalta que o estudo tem algumas limitações, como a quantidade
pequena de analisados. “Embora acreditemos que nosso trabalho forneça uma base
sólida para investigações adicionais sobre como a dinâmica da covid-19 pode
diferir entre homens e mulheres, é importante notar que existem algumas
limitações para as análises apresentadas. O estudo não observou pacientes que
estiveram na UTI, por exemplo”, ilustra o grupo.
Caso os dados se confirmem, os autores do artigo acreditam
que novas terapias podem ser desenhadas com base nas descobertas. “Os
resultados indicam que os pacientes do sexo masculino podem se beneficiar de
terapias que aumentam as respostas das células T, enquanto as do sexo feminino
podem se beneficiar de terapias que desaceleram as respostas imunes inatas
iniciais”, explicam. “Esse tipo de informação pode ser usado até no
desenvolvimento de vacinas mais refinadas.”
Hormônios
Fátima Rodrigues Fernandes, diretora da Associação
Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), destaca que os dados vistos no
estudo são preliminares, mas importantes, pois entram em concordância com
pesquisas anteriores. “Na prática clínica, já percebemos que temos mais
pacientes do sexo masculino com a covid-19. Outros estudos também levantaram
essa hipótese, mas sem olhar diretamente ao sistema imune. Um deles falou dos
hormônios como possíveis influenciadores em uma maior gravidade da doença em
homens, por exemplo”, relata.
A médica brasileira destaca que a investigação americana precisa ser
aprofundada, já que foi feita com um grupo pequeno de pacientes. A especialista
acredita que os dados serão mais explorados em futuras pesquisas e também em
estudos em andamento focados em áreas próximas. “Temos grupos de estudos
grandes que buscam possíveis influências no DNA em relação ao desenvolvimento
da covid-19 em pacientes. E a genética também está relacionada a diferença dos
gêneros, já que homens e mulheres têm genes distintos. Um fator está
relacionado ao outro”, exemplifica.
Maior risco de morte
Algumas pesquisas trazem dados que mostram um efeito mais
drástico da covid-19 em homens do que em mulheres. Em julho, um estudo
publicado também na revista Nature analisou dados de 17 milhões de britânicos.
Desse montante, 10.926 pessoas morreram por causa do novo coronavírus. Nas
análises, os pesquisadores mostraram que homens têm risco até 1,5 vez maior de
morrer da covid-19. Um estudo chinês divulgado em abril revelou dados
semelhantes. A pesquisa, publicada na revista Frontiers in Public Health,
analisou 1.056 casos da enfermidade e observou que as taxas de morte entre
homens era 2,5 vezes maior do que a de mulheres. O mesmo efeito repete-se no
Brasil. Dados divulgados em abril pelo Ministério da Saúde mostraram que 58%
dos óbitos do país pela nova enfermidade foram de homens. // tomado de correio brasiliense
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