O uso descontrolado de terra para a produção agrícola
aproxima homens de animais selvagens, o que pode facilitar a transmissão de
vírus fatais, como o da covid-19. Mapeamento feito por britânicos em seis
continentes detecta 376 espécies de bichos com esse potencial
Vilhena Soares
Área desmatada na Amazônia brasileira: autores defendem uma
gestão do uso da terra que considere a saúde global - (foto: Antonio
Scorza/AFP)
A agricultura é uma atividade essencial para que os humanos
sobrevivam, já que é a grande responsável pela alimentação. Apesar da sua
importância para a sociedade, o cultivo de alimentos, caso se expanda ainda
mais, pode ser um dos responsáveis pelo surgimento de pandemias altamente
letais, como a da covid-19. Esse alerta foi feito por cientistas ingleses em um
estudo publicado na última edição da revista especializada Nature. Os
investigadores explicam que a prática agrícola intensa proxima humanos e
animais selvagens, o que aumenta as chances de novas enfermidades surgirem.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), um
terço da terra e três quartos da água doce do planeta são usados para a
agricultura, e essa quantidade aumenta com o passar dos anos. Muitas vezes,
isso interfere em ecossistemas como florestas, que abrigam animais silvestres.
No trabalho, os pesquisadores resolveram investigar o quanto a fauna está
próxima dos humanos e o impacto disso na transmissão de doenças. Os cientistas
analisaram evidências de 6.801 comunidades ecológicas de seis continentes, recolhidas
de 184 estudos, que somam dados cerca de 7 mil espécies. Dessas, 376 são
conhecidas por transportar patógenos compartilhados por humanos.
Na análise dos dados, os investigadores descobriram que as
espécies que hospedam patógenos zoonóticos — que podem pular de animais, como
morcegos, roedores e pássaros, para pessoas — constituíram uma proporção maior
de espécies encontradas em ambientes influenciados pelo homem. O mesmo foi
observado em relação a animais que tendem a transportar mais patógenos de
qualquer tipo, independentemente de quem esses micro-organismos vão infectar.
“Nossas descobertas mostram que os animais que permanecem em ambientes mais dominados por humanos são aqueles com maior probabilidade de transmitirem doenças infecciosas, que podem deixar as pessoas doentes”, explica, em comunicado, Rory Gibb, cientista do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Meio Ambiente da University College London (UCL) e principal autor do estudo.
“Nossas descobertas mostram que os animais que permanecem em ambientes mais dominados por humanos são aqueles com maior probabilidade de transmitirem doenças infecciosas, que podem deixar as pessoas doentes”, explica, em comunicado, Rory Gibb, cientista do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Meio Ambiente da University College London (UCL) e principal autor do estudo.
Os pesquisadores destacam que, embora existam vários outros
fatores que influenciam os riscos de surgimento dessas doenças, os resultados
sinalizam a possibilidade de usar estratégias que possam ajudar a mitigar o
risco de surtos semelhantes ao da covid-19. “Como se prevê que as áreas
agrícolas e urbanas continuarão crescendo nas próximas décadas, devemos
fortalecer a vigilância de doenças e os serviços de saúde nas áreas em que a
terra é mais afetada”, defende Gibb.
Sustentabilidade
Para os autores, é necessário alterar a forma como a terra é
utilizada. “A maneira como os seres humanos mudam paisagens em todo o mundo, de
florestas naturais a terras agrícolas, por exemplo, tem impactos consistentes
em muitas espécies de animais selvagens, fazendo com que algumas diminuam,
enquanto outras persistam ou aumentem”, explica Gibb. “Nossas descobertas
fornecem um contexto para pensar sobre como gerenciar as mudanças no uso da
terra de maneira mais sustentável, de forma a levar em consideração os riscos
potenciais não apenas para a biodiversidade, mas também para a saúde humana”,
completa David Redding, pesquisador do Instituto da UCL e também autor do
estudo.
Janice Zanella, chefe da Embrapa Suínos e Aves, em Santa
Catarina, destaca que os dados vistos no estudo inglês entram em concordância
com outros trabalhos científicos. A também médica veterinária lembra que há
outros fatores, além da agricultura, que funcionam como influenciadores na
disseminação de novos patógenos. “Temos certeza de que a população humana vai
aumentar, além da globalização, que faz com que as pessoas viagem mais. Isso
tudo contribui para encurtar as distâncias entre as espécies e aumentar a
chance de contato com esses animais”, explica.
Zanella ressalta que o Brasil é um dos países que têm
características preocupantes diante desse cenário. “Estimamos que, a cada ano,
surgem pelo menos cinco novos patógenos, independentemente se eles podem
contaminar humanos ou não. Mas em áreas em que há mais florestas, como o
Brasil, em que grande parte da população vive dentro dessa região da fauna,
temos preocupações maiores, pois as chances de alguém ser picado por um
mosquito que pode transmitir um patógeno é muito maior”, detalha.
Para a especialista, só será possível lidar com esses riscos
dando atenção total ao meio ambiente e a quem os habita. “Por isso que ultimamente
temos trabalhado em um conceito chamado de saúde única, que busca a saúde do
animal, do meio ambiente e do ser humano, pois todos sabemos que um afeta o
outro”, completa.
Palavra de especialista
Não há coincidências
“Os autores desse estudo descobriram que, quando convertemos
habitats naturais em nossos, aumentamos inadvertidamente a probabilidade de
transmissão de doenças infecciosas zoonóticas, causadas por patógenos que podem
pular de animais para humanos. É simplesmente uma coincidência que as espécies
que prosperam em paisagens dominadas por humanos sejam frequentemente aquelas
que representam ameaças zoonóticas, enquanto espécies que declinam ou
desaparecem tendem a ser inofensivas? Aumentam ainda mais as evidências de que
a capacidade dos animais de serem resistentes a distúrbios humanos está ligada
a sua capacidade de hospedar patógenos zoonóticos.”
Richard S. Ostfeld, pesquisador do Instituto Cary de Estudos
de Ecossistemas, nos Estados Unidos, em um artigo publicado na revista Nature. // tomado de correio braziliense
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