sábado, 1 de junio de 2013

CAZA DE AVES afecta mata atlántica en Brasil

 Caça a aves afeta espécies que evitariam colapso da Mata Atlântica
  • Flores deixam de ser polinizadas e floresta fica com potencial menor de germinação, de acordo com estudo publicado na ‘Science’
Tucano-de-bico-preto. Grande dispersor de sementes, ele já está extinto em fragmentos de Mata AtlânticaDivulgação/Lindolfo Souto
RIO- A caça a aves como tucanos e arapongas acelera a perda de diversidade da Mata Atlântica. As flores deixam de ser polinizadas e as sementes, além de dispersas em uma área mais restrita, tornam-se cada vez menores, e com menor potencial de germinação. O diagnóstico, publicado hoje na revista “Science”, é de um grupo de cientistas da Unesp (Universidade Estadual Paulista), USP (Universidade de São Paulo) e UFG (Universidade Federal de Goiás), com a colaboração de institutos de pesquisa da Espanha e do México.
O estudo foi realizado em 22 áreas de Mata Atlântica entre o Sul da Bahia e Foz do Iguaçu, no Paraná. Das áreas remanescentes do bioma em todo o país, 80% estão em pequenos fragmentos, como os analisados.
Ainda no século XIX, a floresta tropical foi afetada pela extração de madeira e, também, por culturas de café e cana-de-açúcar. Grandes animais que se alimentam de frutos, como antas, macacos e tucanos, não sobreviveram. Regiões tomadas por palmeiras não regeneraram a vegetação original.
No mesmo período, houve uma mudança evolutiva acentuada nas características das plantas, notadamente a diminuição de suas sementes — um sério revés para a possibilidade de revitalização do bioma.
Os pesquisadores compararam a população de palmeiras das áreas estudadas. Cerca de nove mil sementes foram coletadas para análise em laboratório. Marcadores genéticos de DNA estimaram o tempo de isolamento das plantas — já que a área ao redor delas foi desflorestada. Câmeras automáticas foram usadas para fazer censo de animais que se nutriam de plantas. Também foram consideradas a influência do clima (como a intensidade do regime de chuvas) e a fertilidade do solo em cada região descrita.
— Por esta análise multidisciplinar, descobrimos que a redução das sementes está relacionada à caça. A perseguição a espécies que se alimentam de sementes é muito mais importante do que a demografia — explica Mauro Galetti, líder do grupo de estudo e professor do Departamento de Ecologia da Unesp. — A perda de habitats está provocando mudanças na interação das espécies no ecossistema.
Os tucanos mereceram atenção especial, por serem uma das poucas espécies que se nutrem de grandes sementes. Pequenas regiões florestais não têm uma quantidade suficiente de sementes para nutrir estas aves. Na falta deles, as sementes das palmeiras caem sob a planta e não germinam, por não haver quem retire sua polpa. O ataque de fungos, patógenos e roedores acabam de vez com a possibilidade de regeneração da flora.
— Fizemos uma análise genética e concluímos que, se fossem mortas todas as aves que se alimentam de frutas de uma região, as sementes de palmeiras de lá perderiam tamanho entre 50 e 75 anos — alerta Galetti. — É uma interferência muito rápida promovida pelo homem no processo evolutivo da natureza. Algumas espécies, inclusive, já estão extintas localmente. No estado de São Paulo, não encontramos mais determinados tipos de tucanos.
Os mesmos marcadores genéticos confirmaram que as sementes começaram a perder tamanho há cerca de 200 anos — o período em que a colonização da Mata Atlântica tornou-se mais intensa.
Entre as poucas aves adaptadas a regiões altamente degradadas estão os sabiás, que comem sementes pequenas, de até 12 milímetros.
Homem acelera extinção
As mudanças climáticas devem contribuir para a degeneração dos ecossistemas sobreviventes. Segundo prognósticos, as regiões da Mata Atlântica podem sofrer, nas próximas décadas, longos períodos de estiagem. As sementes, já pequenas, ficarão ressecadas, o que reduzirá seu potencial de germinação.
A seleção natural é normalmente associada a lentas mudanças evolutivas. Biólogos acreditam que a extinção de uma espécie pode demorar até 1 milhão de anos. Mas a ciência já sabe que outras passariam por este processo mais lentamente, como bactérias e mosquitos.
O estudo de Galetti confirma como a interferência humana pode ser uma pá de cal na sobrevivência de diversos seres vivos. O homem poderia acelerar a extinção de outras espécies em até 100 vezes.
— Já sabemos que ocorre um rápido processo evolutivo em alguns organismos. Mas, até agora, poucos trabalhos apontam evidências de que mudanças deste gênero, e com esta velocidade, podem acontecer em populações naturais — ressalta o pesquisador. — Há um grande risco de desaparecimento de árvores tropicais, já que elas dependem dos animais para dispersar suas sementes.
Para o pesquisador, seu estudo não reflete uma situação isolada. O mesmo fenômeno poderá ser registrado na Amazônia.
— Este é um bioma que, aos poucos, passa pela mesma degeneração da Mata Atlântica — lamenta. — O desmatamento foi muito intensificado nos últimos 50 anos. Pode, portanto, motivar uma mudança evolutiva em algumas espécies. É fundamental não interferir na relação entre as plantas e os grandes vertebrados, que se alimentam de seus frutos e dispersam as sementes. Sem essa regeneração natural da floresta, o ecossistema enfrentará um colapso.

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