Com população mais
alta e pesada, falta de comida será um problema até 2048
Baseados em dados demográficos de 186 países, cientistas
noruegueses estimam que viveremos uma crise alimentícia até 2048. A população
mundial aumentará em peso, altura e quantidade, mas não haverá comida
suficiente para mantê-la
VS Vilhena Soares
(foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press)
Em cerca de 30 anos, a população mundial ganhará novos
contornos. Serão cerca de 9 bilhões de pessoas (somos 7,6 bilhões hoje), mais
altas e mais gordas que a média atual, segundo projeções feitas por cientistas
noruegueses. Ao trabalhar sobre dados demográficos de 186 países, a equipe
também detectou que a oferta de alimentos pode não conseguir acompanhar esse
novo perfil de habitantes. Eles estimam que, somando os dois fenômenos com a
destruição em curso do meio ambiente, poderemos enfrentar uma grave crise na
produção alimentícia, fazendo com que a fome se torne um problema de proporções
ainda maiores.
Segundo o estudo, publicado na revista especializada
Sustainability, em um futuro próximo, as pessoas comuns precisarão de mais
comida do que hoje. Mudanças nos hábitos alimentares, desperdício de alimentos,
aumento da altura e da massa corporal e as transições demográficas são algumas
das razões envolvidas. “Será mais difícil alimentar 9 bilhões de pessoas em
2050 do que seria hoje”, explica ao Correio Gibran Vita, doutorando do Programa
de Ecologia Industrial da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia e um
dos autores do estudo.
Gibran Vita e seus colegas detectaram que, em 2014, um adulto médio era 14% mais pesado, 6,2%
mais velho, cerca de 1,3% mais alto e precisava de 6,1% mais energia do que uma
pessoa com perfil semelhante em 1975. “Um adulto global médio consumia 2.465
quilocalorias por dia em 1975. Em 2014, 2.615 quilocalorias”, explica.
Globalmente, o consumo humano cresceu 129% no mesmo período,
sendo que o aumento da população responde por 116% desse valor e o do peso e da
altura das pessoas, por 15%. Em contraponto, o envelhecimento reduziu as
necessidades energéticas em 2%. Segundo Felipe Vásquez, um dos autores do
estudo e pesquisador da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia,
considerando o aumento do peso e da altura e a influência do envelhecimento, a
demanda de energia corresponde à demanda por alimento de 286 milhões de
pessoas. “Isso corresponde aproximadamente às necessidades alimentares da
Indonésia e da Escandinávia juntas”, ilustra.
Brasil
Os pesquisadores observaram que há países que sofreram
mudanças ainda mais expressivas. Em Santa Lúcia, no Caribe, por exemplo, o peso
médio dos adultos subiu de 62kg em 1975 para 82kg 40 anos depois. As maiores
alterações foram constadas em países da África; e as menores, nos asiáticos.
No Brasil, as necessidades médias alimentares eram de 2.518
quilocalorias por pessoa por dia em 1975 e subiram para 2.729 quilocalorias em
2014. “O peso de um brasileiro médio foi de 58kg para 70kg. Um aumento
considerável”, ressalta Gibran Vita. A altura do brasileiro mudou de 1,61m para
1,64m, e a idade média dos adultos de 37 anos para 42 anos.
Os investigadores ressaltam que a pesquisa se diferencia de
outras análises pelos métodos utilizados. “Estudos anteriores não levaram em
conta as crescentes demandas de indivíduos com excesso de peso e sociedades
idosas ao calcular as futuras necessidades alimentares de uma população em
crescimento”, explica Felipe Vásquez Vásquez.
Segundo o cientista, a maioria dos estudos estima que as
necessidades alimentares de um adulto médio permanecem constantes ao longo do
tempo e que são bastantes semelhantes entre as nações. Para eles, o cenário não
é bem assim. “Essas suposições podem levar a erros na avaliação de quanto
alimento realmente precisamos para atender à demanda futura”, frisa.
Biodemografia
Os autores do estudo reforçam que é necessário olhar mais do
que apenas o número de habitantes de um local para entender os mecanismos por
trás do consumo de alimentos. “Precisamos considerar a população além de meros
números. Estamos mudando rapidamente, e os hábitos de uma geração afetam os
corpos das próximas”, lembra Gibran Vita.
Na tentativa de propor novos olhares, a equipe norueguesa
conduziu o trabalho inspirado na biodemografia, um híbrido de biologia e
demografia. “Esse estudo surgiu com base na ecologia industrial, que ensina
como manter uma perspectiva sistêmica sobre esse tipo de problema. Nós tentamos
praticar a ecologia industrial com uma mente mais aberta. Por isso, usamos a
teoria do metabolismo demográfico, que analisa os componentes relacionados ao
crescimento da sociedade. Isso requer uma abordagem multidisciplinar que
considera fatores sociais e fisiológicos”, detalha Gibran Vita. “Como próximo
passo, queremos explorar outros aspectos da mudança de corpos humanos, além da
busca por alimentos.”
Novos hábitos podem ajudar
A mudança de
comportamento alimentar é uma das medidas propostas pelos cientistas
noruegueses para reduzir os impactos da possível crise na produção alimentícia.
“Estamos comendo mais alimentos do que nunca e ficando mais sedentários.
Experimente comer menos. Coma apenas o necessário. Esteja atento ao próprio
corpo”, sugere Gibran Vita, doutorando do Programa de Ecologia Industrial da
Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia e um dos autores do estudo.
Maria Edna de Melo, endocrinologista e presidente da
Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso),
também acredita que o excesso de peso, já preocupante no cenário atual, poderá
ser agravado. Como forma de enfrentar agora o problema, a especialista lista
quatro pontos básicos: “A mudança da alimentação escolar, a taxação extra em
bebidas açucaradas e alimentos gordurosos, a regulamentação da publicidade
infantil e a rotulagem frontal, que identifique alimentos com excesso de
gordura e sal”.
A médica ressalta que políticas voltadas para esses pontos,
defendidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), começam a ser adotadas no
Chile e no México, mas ainda sem a possibilidade de uma análise mais
aprofundada. “Ainda não temos como analisar o cenário nesses países porque essa
mudança ocorreu recentemente, em 2016”, justifica. “Mas acredito que, em dois
anos, teremos resultados reais. Isso seria muito bom para o Brasil, visto que a
última pesquisa nacional Vigitel mostra que 54% da população apresenta excesso
de peso”, frisa
A médica também destaca que a economia é beneficiada com o
combate à obesidade. São reduzidos, por exemplo, gastos relacionados a
problemas desencadeados pelo excesso de peso, como diabetes e hipertensão.
“Prevenir pode sair muito mais em conta, além dos impactos que isso gera na
rotina da pessoa, na qualidade de vida. Temos impactos econômicos e sociais
consideráveis.” (VS) // TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
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