Às vezes, demora-se até 20 anos para que isso aconteça. É o
que indica um artigo publicado na revista Science
PO Paloma Oliveto
Em gesto contra o tráfico da vida selvagem, funcionário de
parque no Nepal queima partes de bichos apreendidos de caçadores(foto: AFP)
Em gesto contra o tráfico da vida selvagem, funcionário de
parque no Nepal queima partes de bichos apreendidos de caçadores
(foto: AFP)
De um lado, a ciência aponta para o risco de extinção de
centenas de espécies devido a atividades predatórias humanas, como destruição
do habitat, caça e comércio ilegais, além das mudanças climáticas por causas
antropogênicas. De outro, as políticas de inclusão desses mesmos animais e
plantas na lista dos ameaçados não acompanham o ritmo das evidências. Às vezes,
demora-se até 20 anos para que isso aconteça. É o que indica um artigo
publicado na revista Science.
A poucos meses da Conferência das Partes (COP) da Convenção
sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Fauna Selvagens
Ameaçadas de Extinção (Cites, sigla em inglês), um acordo internacional que
envolve 183 países, incluindo o Brasil, os pesquisadores alertam as autoridades
de que as políticas de proteção têm de se adequar às evidências científicas.
“Um processo de construção de políticas precisa responder rapidamente às novas
informações para prevenir a extinção de 600 animais e plantas. Por essa razão,
é absolutamente crítico que os construtores dessas políticas permitam que os
cientistas apontem um processo rápido de proteção”, diz Eyal Frank, coautor do
artigo da Science e professor da Universidade de Chicago.
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Frank e David Wilcove, pesquisador da Universidade de
Princeton e coautor do trabalho, analisaram 958 espécies da Lista Vermelha da
União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês), que
estão ameaçadas pelo comércio internacional. Esse rol é atualizado por
pesquisadores voluntários e classifica as espécies em cinco categorias de risco
de extinção, baseado em dados como distribuição da espécie, tamanho da
população e tendências atuais. A avaliação dos cientistas mostrou que 28% das
quase 1.000 não estão protegidas pelo Cites, o principal mecanismo
internacional de prevenção da extinção causada pelo comércio da vida selvagem.
Os dois também investigaram o tempo médio que levou para que
as espécies da Lista Vermelha entrassem para a proteção do Cites. Eles
descobriram que, em 62% dos casos, passaram-se 19 anos para que isso
acontecesse. Algumas foram identificadas pela ciência como ameaçadas há 24 anos
e ainda não foram categorizadas pelo tratado internacional. Esse padrão,
destacam Frank e Wilcove, repete-se mesmo em relação aos animais e às plantas
que mais correm risco de desaparecer devido ao comércio ilegal. Por outro lado,
o estudo aponta que 36% das espécies analisadas por eles entraram para a
proteção do Cites antes de fazerem parte da Lista Vermelha.
“O Cites e a Lista Vermelha são duas das mais importantes
ferramentas que temos para salvar a vida selvagem ameaçada pelo comércio
internacional. É vital que essas duas instituições trabalhem juntas e próximas,
rapidamente, para parar com a matança”, diz Wilcove. No artigo, os
pesquisadores recomendam que todas as partes do Cites defendam que as espécies
ameaçadas pelo comércio ilegal constantes da Lista Vermelha entrem no sistema
de proteção do tratado.
Mais riscos
Embora seja a principal referência sobre animais ameaçados,
a Lista Vermelha da IUCN pode estar deixando de lado aproximadamente 600
espécies, dizem pesquisadores da Universidade Radboud, que desenvolveram uma
nova abordagem de verificação do risco de extinção, descrita na revista
Conservation Biology. O novo método, segundo os cientistas, é consistente com o
rol da IUCN e até um pouco mais otimista, no geral. Porém, eles também
encontraram discrepâncias.
Os resultados indicam que 20% das seis centenas de espécies
que a União Internacional afirma serem impossíveis de classificar devido a
dificuldades técnicas provavelmente estão sob ameaça. Além disso, outras 600
que aparecem na Lista Vermelha como não ameaçadas estão sob risco de extinção.
Entre elas, o rato listrado etíope e o papagaio-pigmeu-de-peito-vermelho. “Isso
indica que é necessária uma reavaliação urgente dos status atuais das espécies
da Lista Vermelha”, defende o ecólogo Luca Santini, principal autor do artigo.
Ele afirma que, embora a Lista Vermelha seja “extremamente
importante” para a conservação, os especialistas voluntários que a elaboram
geralmente têm uma quantidade limitada de dados a respeito das mais de 90 mil
espécies do rol para conseguirem aplicar todos os critérios de classificação.
“Muitas vezes, esses dados são de baixa qualidade porque estão desatualizados
ou imprecisos, já que certas espécies que vivem em áreas muito remotas não
foram devidamente estudadas. Isso leva à
classificação errônea ou à não
avaliação”, destaca.
O método desenvolvido pela Universidade Radboud usa
informações retiradas de mapas de cobertura de terra, que mostram como a
distribuição das espécies no mundo mudou ao longo do tempo. Os pesquisadores
combinam esses dados com modelos estatísticos para estimar uma série de
parâmetros adicionais, como as habilidades das espécies de se deslocarem
através de paisagens fragmentadas, e, assim, classificá-las em uma das cinco
categorias de risco da Lista Vermelha.
A nova abordagem, diz Santini, tem como objetivo
complementar os métodos tradicionais de avaliações da Lista Vermelha. “À medida
que a lista cresce, mantê-la atualizada torna-se uma tarefa assustadora.
Algoritmos que usam dados obtidos por sensoriamento remoto quase em tempo real
podem melhorar dramaticamente a acurácia e a eficácia do sistema”, afirma.
"Um processo de construção de políticas precisa
responder rapidamente às novas informações para prevenir a extinção de 600
animais e plantas”
Eyal Frank, coautor do artigo da Science e professor da
Universidade de Chicago
Presente no sudeste asiático, a Pelodiscus
variegatus deve entrar na categoria de criticamente ameaçada(foto: Thomas
Ziegler/Divulgação)
Presente no sudeste asiático, a Pelodiscus variegatus deve
entrar na categoria de criticamente ameaçada
(foto: Thomas Ziegler/Divulgação)
Por décadas, os zoólogos acreditaram que as tartarugas
chinesas do sudeste asiático pertenciam a uma mesma espécie, a Pelodiscus
sinensis. Amplamente distribuída desde o Extremo Oriente russo, passando pela
Península Coreana até a China e o Vietnã, ela — pensava-se — variava
substancialmente em termos de aparência em todas as localidades. No entanto,
por volta da virada do século, depois de uma série de debates taxonômicos, os
cientistas descobriram que, na verdade, havia três espécies distintas da “original”.
Recentemente, uma equipe de pesquisadores
húngaros-vietnamitas-alemães descreveu uma quinta espécie do gênero. A
descoberta, publicada no jornal ZooKeys, porém, vem acompanhada de uma má
notícia. Devido à área restrita de distribuição dos espécimes e aos níveis de
exploração aos quais estão sujeitos, os cientistas já propõem que a Pelodiscus
variegatus entre para a categoria de criticamente ameaçada, de acordo com os
critérios da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para
Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, sigla em inglês).
Manchada
Diferente genética e morfologicamente das outras quatro
espécies, a recém-descrita tem manchas escuras bem pronunciadas na parte
inferior da concha. As marcas são a razão pela qual a tartaruga recebeu o nome
científico Pelodiscus variegatus. Em latim, variegatus significa manchado.
“Essa característica morfológica, entre outras, nos levou à descoberta de que
esses animais pertencem a uma espécie até então desconhecida”, explica Uwe Fritz,
o professor das Coleções de História Natural Senckenberg, em Dresden.
Ele ressalta que a identificação de várias espécies dentro
do que se costumava acreditar ser apenas uma única tem consequências
potencialmente ruins. Embora a tartaruga chinesa já tenha sido considerada bem
difundida e não ameaçada, cada nova espécie descoberta reduz os números
individuais da população. “Quando olhamos para cada espécie, a área de
distribuição, bem como o número de indivíduos, são muito menores do que quando
combinadas. Até agora, a tartaruga recém-descrita era considerada parte da
Pelodiscus parviformis, identificada em 1997, já considerada criticamente
ameaçada. Agora que os seus representantes do sul foram atribuídos a uma
espécie diferente, o tamanho total da população de cada espécie é ainda menor
do que acreditávamos”, explica Balázs Farkas, principal autor do artigo.
//TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
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