Aldeia do Xingu que fez esquema especial contra a Covid é vacinada e fecha ciclo sem mortes pela doença
Povo Kuikuro formou parcerias, montou hospital e contratou médicos e enfermeiros.
Por Carolina Dantas, G1
Antes da pandemia chegar, os kuikuro, povo indígena de Mato Grosso, fecharam
parcerias, contrataram profissionais da saúde e se informaram sobre a Covid-19. Nesta
semana, sem nenhuma morte pela doença desde o começo da pandemia, toda a
comunidade se vacinou. Como foi possível manter uma aldeia inteira sem
perder ninguém para o coronavírus?
Há seis meses, os
Kuikuro já haviam implantado um hospital dentro do
território, estavam fazendo isolamento social, e levaram para trabalhar
dentro da aldeia enfermeiros e a médica Giulia Parise Balbao.
"A história é bonita porque é coletiva", descreve
Giulia. Ela foi contratada após pedir demissão do Hospital Sírio Libanês, em
São Paulo, pela Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu. Quase todos os mais
de 200 índios acabaram infectados, mas nenhum morreu devido à doença,
incluindo os anciãos.
Yanamá Kuikuro recebe a primeira dose da vacina contra a
Covid-19 — Foto: Arquivo Pessoal
Enfim vacinados
A história é um esforço entre comunidade,
lideranças, pesquisadores e profissionais da saúde.
"A gente conseguiu fazer isolamento domiciliar.
Fizemos o contrato da doutora Giulia, compramos medicamentos, improvisamos o
hospital. Foi uma grande experiência que tivemos" - Yanama Kuikuro,
presidente da Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu.
Mapa
Localização do Parque Indígena do Xingu — Foto: Juliane
Souza/G1
A comunidade aceitou se vacinar, e todos receberam a
primeira dose nesta última semana, depois de meses em operação contra a doença.
A confiança, segundo a médica, vem de um trabalho que deu certo e trouxe
resultados melhores do que os de outras aldeias no Xingu.
Além disso, as lideranças foram se vacinar logo no
início e mostraram que não havia risco para os outros indígenas. O cacique
Afukaká Kuikuro e o líder Yanamá foram os primeiros do distrito sanitário
indígena a receber a primeira dose – e já foram imunizados com a segunda.
Yanamá Kuikuro recebe a segunda dose da vacina contra a
Covid-19 — Foto: Arquivo Pessoal
Faz parte também do esforço uma parceria com cientistas do
coletivo Amazon Hopes. O grupo tem antropólogos, arqueólogos e outros
pesquisadores que atuam diretamente com a associação. Desde o início, além de
fazer parte da criação da estratégia, o grupo buscou esclarecer as informações
sobre a doença.
"Desde o começo foi uma campanha de informação e
contra a desinformação" - Bruno Moraes, arqueólogo que faz parte do
coletivo.
"Toda essa campanha que a gente fez, eles [indígenas]
viram que deu resultado. Eles viam que outras aldeias perdiam gente para a
Covid, como primos e tios, e isso deu uma força para confiar nos profissionais
de saúde dentro da comunidade. Relação de confiança completa", explicou.
De acordo com Giulia, Yanamá e Bruno, a aldeia não quis usar
o chamado "kit Covid" disponibilizado pelo governo, com medicamentos
sem eficácia comprovada contra a doença.
Manter a posição
A parte mais difícil para Yanamá, líder da associação, não
foi convencê-los a se vacinarem. Ele disse que a maior barra foi manter a
comunidade em isolamento durante os últimos meses.
"A gente se acostumou a comprar algumas coisas na
cidade e aí foi ficando difícil pra mim. Todo mundo estava querendo ir. Aí tive
que juntar todo mundo para não sair", contou.
Segundo o líder, existe o costume de sair da aldeia para
garantir alguns mantimentos, como combustível e anzol para pescar. "A
associação precisou se organizar e fazer as compras".
"Era muita gente irritada, tinham pessoas que quando eu
reunia a comunidade saíam bravas. Aí marcava mais uma reunião e era 'de novo
essa reunião de coronavírus', mas aí eu fui insistindo, conversando,
conversando...", disse Yanamá.
"No final, todo mundo obedeceu".
Giulia e colega profissional de saúde fazem testagem de pacientes na aldeia — Foto: Arquivo Pessoal
Outras mortes e a despedida
Neste período, três pessoas da comunidade morreram. Duas com
câncer e uma criança por causa desconhecida.
O ritual indígena para enterrar seus parentes é forte,
contou Giulia. Eles se reuniram de máscara para pintar os corpos. "É um
ritual intenso e de muito respeito. Uma coisa ancestral. Muito rico, tudo ainda
feito como antigamente", afirmou a médica. Yanamá disse que em 15 de
agosto eles irão participar do Kuarup, ritual de homenagem aos mortos na região
do Xingu que precisou ser cancelado em 2020.
Nos últimos tempos antes de voltar para São Paulo, Giulia
precisou fazer um parto prematuro de uma mãe de primeira viagem da
comunidade. Depois de tratar dezenas de pessoas com a Covid-19, foi
receber a dose da vacina, mas o governo negou.
"Saí muito triste, muito decepcionada, com a vacina
negada do Distrito. Fazia 6 meses que eu estava trabalhando e eu ia voltar pra
casa e colocar a minha família em risco". A médica conta que depois os
responsáveis pela imunização chegaram a "voltar atrás", mas ela já
estava embarcando de volta para casa.
Tomado de globo.com . sugerido enn face de
elizabet oliveira
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