No entanto, Brasil registra imunização de 142 mil dos menos prioritários
LUIZA PRADO/JC
O Brasil não conseguiu vacinar nem metade de seus idosos acima
de 90 anos, mas já tem registro de ao menos 142 mil pessoas de grupos menos
prioritários imunizadas, como 119,6 mil idosos com menos de 75 anos.
Levantamento feito pelo Estadão a partir de dados do Ministério da Saúde na
plataforma Brasil.IO indica que só 48,8% dos brasileiros com 90 anos ou mais
conseguiram receber a imunização até agora.
O grupo é o primeiro na lista de prioridades do governo
federal por faixa etária, mas só teve 436,6 mil vacinados entre os 893,8 mil
previstos. Ao mesmo tempo, o sistema registra a vacinação de 29,7 mil pessoas
de 70 a 74 anos; 36,1 mil entre 65 a 69 anos; e 53,7 mil na faixa dos 60 a 64
anos que, embora façam parte de grupos prioritários, ainda não poderiam estar
contemplados. Os números já excluem os idosos de menos de 75 anos do Amazonas e
de outros Estados do Norte que tiveram autorização excepcional por situação
epidemiológica preocupante.
Os dados do ministério apontam outros problemas na
priorização dos vacinados no País. Há entre os já imunizados 11,9 mil doentes
crônicos com menos de 60 anos, 3,9 mil agentes das forças de segurança, 1,9 mil
trabalhadores da educação e 387 militares. Os quatro grupos deveriam estar em
etapas futuras.
Especialistas ressaltam que, diante dos números, é preciso
investigar se há "fura-filas", mas apontam também outras razões que
podem explicar o cenário, como a falta de padronização dos critérios de
vacinação entre diferentes municípios, necessidade de utilizar doses de um
frasco já aberto para não haver descarte e até erros de preenchimento no
sistema. Eles destacam que o objetivo maior da vacinação nesta fase - evitar
hospitalizações e mortes - pode ser prejudicado com a baixa cobertura entre os
mais vulneráveis. "É claro que a gente quer que todo mundo seja vacinado e
a vacina chegue aos 60 e 70 anos, mas, diante do número limitado de doses,
precisamos ter prioridades", afirma Isabella Ballalai, vice-presidente da
Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Assessor técnico do Conselho Nacional de Secretarias
Municipais de Saúde (Conasems), Alessandro Chagas explica que o órgão tem
orientado os secretários. "O município tem autonomia para elaborar
estratégias e pode até ampliar o público com alguma justificativa
epidemiológica, mas a diretriz geral é da União. Se tem município em que a
vacinação está chegando aos menos idosos, eles já deveriam estar com uma alta
cobertura entre os mais idosos", afirma.
Para a infectologista Ana Luiza Gibertoni, falta
"conhecimento epidemiológico para desenhar uma estratégia que maximize o
impacto da vacinação sobre a população". "Da forma que está sendo
feita, o impacto é mínimo", diz. Segundo ela, o Brasil tem profissionais
capacitados para articular essa estratégia, mas "não estão dentro do
governo". "Falta uma liderança nacional, com voz, respeitada na
sociedade e na comunidade científica para conduzir o plano nacional de
imunização."
Na opinião da epidemiologista Carla Domingues, que foi
coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) entre 2011 e 2019, a
escassez de doses, as falhas na distribuição e a falta de uma comunicação mais
assertiva do ministério são os responsáveis pelas distorções na priorização dos
vacinados. "Às vezes um município tem poucos idosos de mais de 90 anos e
precisa usar as doses do frasco aberto em até seis horas. É muito difícil de
operacionalizar", diz.
Carla e Isabella opinam ainda que a baixa cobertura no grupo
de 90 anos ou mais pode estar relacionada à dificuldade de acesso desses idosos
aos postos de saúde e à complexidade da vacinação domiciliar.
Critérios
Entre as categorias prioritárias, a dos trabalhadores de
saúde é a que cria mais divergência entre os municípios. Enquanto alguns
oferecem vacina para todos, outros restringem àqueles que atuam em hospitais,
unidades de pronto atendimento ou na atenção primária. O plano nacional de
imunização dá brecha às interpretações.
O levantamento do Estadão mostra que 3,3 milhões de
trabalhadores da área já receberam ao menos uma dose da vacina. As equipes de
apoio, como recepcionistas, funcionários da limpeza e porteiros, estão
incluídas nos números. O PNI previa imunizar 4,9 milhões deles até a etapa
atual. Apesar de a cobertura vacinal estar em 67% do esperado, especialistas
questionam a prioridade dada a algumas categorias e a falta de detalhamento do
plano.
Os dados mostram que já foram vacinados, por exemplo, 6.979
médicos veterinários e 769 auxiliares de veterinário. Embora eles não atendam
pessoas potencialmente infectadas, as categorias foram incluídas no PNI. O
plano não explica em detalhes como deve ser a prioridade dentro das categorias.
A infectologista Ana Luiza Gibertoni fala que isso abre
espaço para que cada município interprete de maneira diferente. "Você
precisa proteger a força de trabalho e vacinar os profissionais que trabalham
com o público, que estão expostos à doença. Os demais devem esperar."
A médica trabalha no sistema nacional de saúde do Reino
Unido e conta que, no país, os profissionais foram convocados nominalmente.
"Não dá para pedir que as pessoas se apresentem voluntariamente." As
principais categorias de vacinados entre os trabalhadores de saúde são técnicos
de enfermagem (370 mil), enfermeiros (180 mil) e médicos (172 mil). A maioria
desses profissionais, no entanto, não está classificada em subcategorias no
sistema.
Mais de 1,8 milhão de registros estão descritos como
"outros", o que dificulta o controle. Só em São Paulo há 1,1 milhão
de trabalhadores de saúde sem subcategoria. Não é possível quantificar médicos,
enfermeiros ou veterinários. Em nota, o Estado alega que o PNI não prevê a
subcategorização dos profissionais de saúde e "em nenhum momento pontuou a
necessidade desse tipo de segmentação em campanhas". O governo disse
também que na plataforma estadual Vacivida é possível acompanhar a segmentação
dos grupos prioritários.
Registro
O levantamento do Estadão mostra ainda problemas no registro
de vacinados que podem indicar até fraudes. No grupo categorizado como idosos,
a reportagem encontrou 9 mil registros de imunizados com menos de 60 anos,
segundo análise feita conforme a data de nascimento e a idade. Há até registro
de vacinados menores de idade - grupo que não pode receber o imunizante por
falta de testes clínicos prévios. São 94 pessoas com menos de 18 anos
classificadas no grupo dos idosos.
Em outras categorias, como trabalhadores da saúde e
indígenas, a inconsistência também aparece, totalizando 2,4 mil pessoas com 17
anos ou menos vacinadas. Outro problema é a falta de categorização de parte dos
vacinados. Há 118 mil imunizados que não foram incluídos em nenhum grupo prioritário,
o que dificulta o controle e favorece até possíveis desvios.
Agência Estado //
tomado de journal do comercio de rgs br
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