PO Paloma Oliveto // (crédito: AFP / National Institutes of Health / Handout)
Quando o mundo comemorava, aliviado, a chegada das esperadas
vacinas, foi surpreendido pela identificação, inclusive no Brasil, de variantes
aparentemente mais infectantes — com potencial maior de transmissão — e, ao
menos no caso da B.1.1.7, detectada originalmente no Reino Unido, possivelmente
mais letal. Em um estudo publicado on-line, ontem, na revista Science,
cientistas do Centro de Pesquisa de Vacinas da Universidade de Pittsburgh, nos
EUA, identificaram um padrão de evolução do Sars-CoV-2, que evita a resposta
imunológica do organismo ao excluir, seletivamente, pequenos pedaços da
sequência genética do vírus.
Segundo os pesquisadores, a parte do RNA viral apagada no
processo é a que codifica a forma da proteína spike, a chave que o coronavírus
usa para se encaixar na fechadura da célula e, assim, conseguir entrar no
núcleo. Acontece que a spike é justamente o foco dos anticorpos neutralizantes
que, ao identificá-la, orquestram o ataque ao Sars-CoV-2. Esse também é,
naturalmente, o alvo das vacinas em desenvolvimento, que, segundo os
especialistas, vão ter que ser adaptadas com o tempo, uma vez que o vírus
criará resistência.
Paul Duprex, diretor do Centro de Pesquisas de Vacinas e
principal autor do estudo, destaca que existem moléculas especializadas em
detectar erros durante a replicação do coronavírus, mas elas não enxergam as
deleções no genoma. Assim, essas mutações passam despercebidas e,
seletivamente, vão modificando a estrutura viral. Em consequência, surgem
variantes como as três mais recentemente identificadas — do Brasil, do Reino
Unido e da África do Sul.
Duprex esclarece que o erro de deleção não pode ser
consertado naturalmente. “Depois que ele (o pedaço apagado) desaparece,
desaparece. E se ele for deletado em uma parte importante do vírus que o
anticorpo ‘vê’ (como é o caso aqui), não há o que se fazer; ele desaparece para
sempre”, observa. Segundo o cientista, as variantes do Reino Unido e da África
do Sul têm essas deleções na sequência genética do vírus. Ele não sabe dizer se
a brasileira também, pois, para isso, é preciso sequenciar uma quantidade
suficiente de amostras.
Resistência
O grupo de pesquisa norte-americano detectou, pela primeira
vez, as deleções resistentes à neutralização — processo pelo qual o anticorpo
inativa o vírus — na amostra de um paciente da covid-19 que morreu da doença 74
dias depois. Esse tempo é suficiente para que a interação entre o sistema
imunológico e o vírus resultarem em uma evolução que dará origem a variantes
potencialmente perigosas.
Depois, o professor de biologia e genética molecular da
Universidade Kevin McCarthy, especialista no vírus da gripe — considerado um
“mestre” em enganar o sistema imunológico — comparou as deleções com outras
sequências do Sars-CoV-2, contidas em um banco mundial de amostras. Embora mais
estável do que outros micro-organismos do tipo, como a própria influenza, o
coronavírus mostrou que também evolui para cepas mais preocupantes. McCarthy
visualizou a deleção do pedaço do RNA viral em lugares onde o vírus pode sofrer
mutações sem que isso impeça que invada células e fazer cópias dele mesmo.
“A evolução estava se repetindo”, diz, em nota, McCarthy.
“Olhando para esse padrão, poderíamos fazer uma previsão. Se aconteceu algumas
vezes, é provável que aconteça novamente.” Entre as sequências nas quais o
cientista identificou as deleções estava a chamada variante do Reino Unido.
Porém, naquele momento — outubro do ano passado — ela não parecia importante e
sequer tinha nome.
Duprex esclarece, embora preocupante, a descoberta das variantes
não é motivo de alarde, porque há um arsenal disponível para lidar com elas,
como plasma convalescente, vacinas, combinações de anticorpos. “O escape
mutacional não é tudo ou nada. E isso é importante perceber quando se trata de
projetar ferramentas para combater o vírus. Ir atrás do vírus de várias
maneiras diferentes é como o derrotamos. Combinações de diferentes anticorpos,
combinações de nanocorpos com anticorpos, diferentes tipos de vacinas. Se
houver uma crise, queremos ter essas ferramentas”, ressalta.
Segundo ele, em algum momento, o Sars-Cov-2 escapará das
vacinas existentes — o que, provavelmente, não ocorrerá agora, embora seja
difícil cravar uma data certa. Pode ser dentro seis meses ou em cinco anos,
palpita o cientista. “Até que ponto essas exclusões corroem a proteção ainda
está para ser determinado. Em algum momento, teremos que começar a reformular
as vacinas.”
Por enquanto, as fabricantes dos principais imunizantes no
mercado afirmam que suas fórmulas são capazes de lidar com as novas cepas,
ainda que oferecendo um grau menor de proteção, comparado às variantes comuns.
Na semana passada, por exemplo, a Janssen, da Johnson & Jonhson, anunciou
que a eficácia global de seu imunizante foi menor na África do Sul do que nas
amostras globais.
Eficiência assegurada
O ministro da Saúde do Reino Unido, Matt Hancock, garantiu,
ontem, que a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a
AstraZeneca oferece boa proteção a idosos. Nas últimas semanas, países
europeus, como França, Polônia, Suécia, Áustria e Alemanha afirmaram que o
imunizante britânico será ofertado à população, porém apenas para pessoas com
menos de 65 anos. Na Itália e na Bélgica, até os 55. A justificativa é a de
que, segundo eles, há poucos dados sobre a eficácia do imunizante nos mais
velhos.
“Minha opinião é que devemos ouvir os cientistas ... e o
consenso da ciência sobre essa vacina já estava bem claro. Com o a publicação
de um novo estudo, na terça-feira à noite, ficou evidente que a vacina de
Oxford não só funciona, mas funciona bem”, disse Matt Hancock à rádio BBC. Ele
se refere à divulgação de resultados de um trabalho (ainda não publicados em
revistas científicas), mostrando que uma dose única da vacina não apenas reduz
a gravidade da doença, mas corta em dois terços a capacidade de transmissão,
algo não visto até agora nos demais imunizantes.
A Agência Europeia de Medicamentos recomendou o uso da
vacina de Oxford para idosos, embora concorde com as agências regulatórias de
alguns países, no sentido de que o número de pessoas mais velhas incluídas nos
estudos do fármaco foi pequeno até agora. Os estudos do imunizante britânico
incluíram 660 pessoas com mais de 65 anos e, dessas, apenas duas foram
contaminadas, o que dificulta tirar conclusões sobre a efetividade nessa faixa
etária.
“Algumas pessoas estão confundindo ausência de evidência com
evidência de ausência”, disse o médico Peter English, ex-editor da revista
Vaccines in Practice. Ele enfatizou que, “por razões muito compreensíveis”,
demorou mais tempo para acumular evidências de eficácia em pessoas mais velhas.
“Os ensaios não incluíram, originalmente, pessoas mais
velhas (porque queriam ter certeza de que a vacina era segura nos jovens). “No
entanto, as evidências diretas que existem e as evidências indiretas (como
respostas de anticorpos e células T) sugerem, claramente, que a vacina será
eficaz em grupos de idade mais avançada”, concluiu (PO).
TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
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