PO Paloma
Oliveto
(crédito: Peter
Bucktrout, British Antarctic Survey/Divulgação)
Enquanto agências espaciais buscam a vida a milhões de
quilômetros da Terra, alguns cientistas têm procurado por ela aqui mesmo, mas
em locais tão inóspitos que, teoricamente, seriam incapazes de abrigar formas
biológicas complexas. Essas expedições nos subterrâneos gelados da Antártida
não apenas têm revelado espécies desconhecidas, mas podem contribuir com a
astrobiologia — afinal, muitos desses ambientes se assemelham ao clima de
planetas e satélites, como os de Júpiter e Saturno.
Atualmente, as teorias sobre a vida sob as plataformas de
gelo da Antártida sugerem que, à medida que se afasta do mar aberto e da luz do
Sol, a probabilidade de sobrevivência das criaturas se reduz drasticamente.
Alguns pesquisadores já detectaram, nas profundezas escuras e gélidas do continente
polar, vermes, peixes e águas-vivas. Porém, um novo estudo, divulgado na semana
passada, causou estranheza até mesmo em seus autores. Sem querer, eles
flagraram esponjas e outros animais que se alimentam de organismos da
superfície a 260km de onde deveriam estar. Sob o gelo, acreditava-se, não
seriam capazes de sobreviver.
A equipe, integrante da organização científica Pesquisa
Britânica na Antártida, não estava lá para procurar por essas criaturas. Em um
experimento exploratório, com objetivo de estudar amostras de sedimentos, os
cientistas perfuraram 900m de gelo na plataforma Filchner-Ronne, situada no
sudeste do mar de Weddell. Em um momento, os geólogos sentiram que o
equipamento usado atingiu uma rocha, em vez da esperada lama, no fundo do oceano.
As imagens flagradas pela câmera acoplada à sonda, então, revelaram uma pedra
coberta por criaturas marinhas familiares e outras completamente desconhecidas.
Trata-se do primeiro registro de uma comunidade de substrato
duro (ou seja, uma rocha) nas profundezas de uma plataforma de gelo. A
descoberta parece ir contra todas as teorias anteriores sobre quais tipos de
vida poderiam sobreviver nesse mundo gelado — a 2,2ºC negativos — e sombrio.
Considerando as correntes marinhas na região, os pesquisadores calculam que os
animais flagrados podem estar até 1,5 mil quilômetros de profundidade da fonte
de fotossíntese mais próxima.
“O que descobrimos foi surpreendente porque jamais
esperávamos esse tipo de animal — que filtra seus alimentos da coluna de água
(na superfície) — ser encontrado tão longe da fonte de alimentação e da luz do
Sol”, comenta o biogeólogo Huw Griffiths, da Pesquisa Britânica na Antártida e
principal autor de um artigo publicado na revista Frontiers in Marine Science.
“Tudo o que sabemos sobre esses ambientes sob o gelo vem de alguns poucos
buracos drenados por pesquisadores, com câmeras acopladas. Então, tudo o que
sabemos sobre eles corresponde a uma área do tamanho de uma bola de tênis.”
Griffiths destaca que esse mundo sob o gelo é, provavelmente,
o habitat menos conhecido da Terra. “Por isso, não sabemos o que tem por lá.
Mas nós pensávamos que animais que vimos, como esponjas, não seriam encontrados
nesses locais. Para mim, o mais empolgante sobre nossas descobertas é que elas
levantam mais dúvidas que respostas. Não temos ideia sobre a espécie de muitos
dos animais que vimos, não sabemos como lidam com essas condições extremas, e a
única forma que teremos para responder a essas perguntas é encontrar uma nova
forma de investigar o mundo deles.”
Água misturada
Também nos lagos da Antártida, pesquisadores, incluindo os
da expedição britânica, além de cientistas do Imperial College de Londres e da
Universidade de Lyon, na França, descobriram que esses ambientes podem ser mais
convidativos à vida do que parecem à primeira vista. O estudo foi publicado na
revista Science Advances.
Sem acesso à luz solar, os micro-organismos nesses ambientes
não obtêm energia por meio da fotossíntese, mas pelo processamento de produtos
químicos. Eles estão concentrados em sedimentos nos leitos dos lagos, onde a
vida é considerada mais provável. Porém, para que os organismos sejam
abundantes e, portanto, mais fáceis de serem detectados, a água dos lago
gélidos deve ser misturada — ou seja, precisa se mover para que os sedimentos,
nutrientes e oxigênio possam ser distribuídos de maneira mais uniforme.
Nos lagos da superfície da Terra, essa mistura é causada
pelo vento e pelo aquecimento do Sol, causando correntes de convecção. Como
nenhum desses elementos existe em lagos subglaciais, os cientistas supõem que
essa mistura não ocorra. No entanto, a equipe descobriu que outra fonte de
energia é suficiente para causar correntes de convecção na maioria dos lagos
subglaciais: a geotérmica, que vem do interior da Terra e é gerada pela
combinação do calor que sobra da formação do planeta e da decadência dos
elementos radioativos.
Os pesquisadores calcularam que esse calor pode estimular
correntes de convecção em lagos subglaciais que suspendem pequenas partículas
de sedimento e movimentam o oxigênio, permitindo que uma parte maior do corpo
d’água seja propícia à vida. “A água nos lagos isolados sob a camada de gelo da
Antártida por milhões de anos não é parada e imóvel; o fluxo de água é
realmente bastante dinâmico, o suficiente para fazer com que sedimentos finos
fiquem suspensos”, diz o líder do estudo, Louis Couston, da Universidade de
Lyon. “Com o fluxo dinâmico da água, todo o corpo d’água pode ser habitável,
mesmo que mais vida permaneça concentrada no solo. Isso muda nossa apreciação
de como esses habitats funcionam e como no futuro podemos planejar amostrá-los
quando sua exploração ocorrer.”
As previsões dos pesquisadores poderão ser testadas em
breve, já que uma equipe do Reino Unido e do Chile se prepara para explorar um
lago. Amostras retiradas das profundezas mostrarão exatamente onde a vida
microbiana é encontrada. As análises também poderiam ser usadas para gerar
teorias sobre a vida em outras partes do Sistema Solar, explicou, em nota, o
coautor Martin Siegert, do Imperial College de Londres. “Nossos olhos, agora,
se voltam para prever as condições físicas em reservatórios de água líquida em
luas geladas e planetas. A física das águas subglaciais é semelhante na Terra e
nas luas geladas, mas o cenário geofísico é bastante diferente, o que significa
que estamos trabalhando em novos modelos e teorias. Com novas missões visando
luas geladas e aumentando as capacidades de computação, é um grande momento
para a astrobiologia e a busca por vida fora da Terra.”
Diversidade mapeada
Da Islândia aos Açores, uma equipe de cientistas marinhos a
bordo do navio Sonne começou a mapear, em janeiro, a diversidade de organismos
que vivem nas profundezas do Oceano Atlântico. Os 20 pesquisadores, de
instituições diversas, estão recolhendo amostras a profundidades entre 4 mil e
5 mil metros com objetivo de conhecer melhor o bioma de alto-mar e estimular
medidas de conservação adequadas.
O foco principal da IceDivA é estudar a distribuição de
espécies de águas profundas. “Até o momento, o ecossistema do fundo do mar foi
estudado menos extensivamente do que a Lua. Estou entusiasmada com a
diversidade de animais marinhos, de caracóis e estrelas-do-mar, anfípodes e
isópodes, que iremos encontrar, esperando algumas espécies conhecidas, mas
também animais novos, ainda não descritos e não descobertos”, diz a bióloga
Katrin Linse, da expedição Pesquisa Britânica na Antártida e integrante da
missão científica. “O objetivo da nossa equipe é analisar as comunidades e a
diversidade dos animais do fundo do mar, do norte da Islândia ao sul do Mar de
Weddell, e essa expedição está preenchendo a lacuna em nosso conjunto de
dados.”
Paralelamente aos estudos biológicos e à utilização de um
trenó epibentônico para a coleta de amostras, a expedição leva 10 flutuadores
equipados com sensores para medição de salinidade, temperatura e pressão. Eles
serão lançados como um enxame em uma única posição para obter uma comparação
direta inicial dos parâmetros de medição. Durante o curso da expedição, os
flutuadores mergulharão repetidamente a profundidades de 2 mil metros e
retornarão à superfície 48 horas depois para transmitir a um centro de dados as
informações coletadas. (PO)
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