Terapia genética, CAR T-Cell é esperança de tratamento câncer de sangue
Avanços no uso de células modificadas, as CAR T-Cells, foram
o destaque do 59º Congresso da Sociedade Americana de Hematologia e esperança
concreta de tratamento, com qualidade e sobrevida de pacientes com câncer. Três
estudos mostram o papel emergente da técnica
Congresso sobre doenças hematológicas reuniu cerca de 30 mil
pessoas: câncer de sangue foi um dos temas mais debatidos no evento
Atlanta, Georgia (EUA) — Caminhando entre
milhares de pôsteres com explicações sobre tratamentos de doenças do sangue,
dispostos em uma galeria no Georgia World Congress Center, em Atlanta, um grupo
de estudantes comentava com animação os resultados de um dos tratamentos que
está mudando o curso da medicina hematológica e promete ser a grande revolução
da área nos próximos anos, as CAR T-Cells (sigla em inglês para “receptor de
antígeno quimérico de células T”). “Sinto que daqui a um tempo será proibido
morrer”, brincou um deles. O espanto e a admiração com os resultados desses
tratamentos não são um exagero. Eles podem até não impedir a morte, mas
retardá-la ao máximo, principalmente quando se fala em sobrevida de quem tem
câncer. A terapia que usa células modificadas do próprio sistema imune do
paciente contra neoplasias foi a mais debatida entre as cerca de 30 mil pessoas
que participaram do 59º Congresso da Sociedade Americana de Hematologia
(ASH17).
Até pouco tempo, o uso de CAR T-Cells estava restrito a
estudos clínicos pequenos, principalmente em pacientes com cânceres
hematológicos avançados. Agora, elas têm atraído a atenção tanto de
pesquisadores quanto do público, por conta das respostas que produziram em
alguns pacientes nos quais as terapias tradicionais haviam deixado de
funcionar. Dois estudos, ZUMA-1 e JULIET, foram apresentados à imprensa nesta
edição do ASH e mostraram o papel emergente da técnica, e, principalmente, os
benefícios aos que estão em tratamento de linfomas refratários (não controlados
em terapias tradicionais) não-Hodgkin agressivos, e de células B, com casos de
remissão durável, ou seja, o tempo em que a pessoa fica sem a doença.
Na terapia com as CAR T-Cells, linfócitos T (células de defesa) do paciente são colhidos e depois
“reprogramados” em
laboratório para se tornarem mais agressivos contra as células doentes.
Após esse processo, elas são infundidas no corpo do doente novamente e passam a
atacar diretamente o câncer. “É encorajador que os dados continuem sendo tão
fortes e sugerindo que as terapias CAR-T para doenças malignas das células B
estão aqui para ficar”, comentou um dos mediadores do debate, Renier J.
Brentjens, que é oncologista e diretor de terapêutica celular no Memorial Sloan
Kettering Cancer Center, em Nova York.Na terapia com as CAR T-Cells, linfócitos T (células de defesa) do paciente são colhidos e depois
A hematologista e coordenadora Nacional de Hematologia na
Rede D’Or São Luiz, Juliane Mussachio, ressalta que a pesquisa sobre as CAR
T-Cells ainda está muito incipiente e que questões de biossegurança, sanitárias
e legais devem representar um grande desafio. “Têm alguns grupos de
pesquisadores avançando nesse estudo, que envolve toda uma engenharia genética.
É uma terapia totalmente individualizada, promissora, mas é claro que isso leva
a algumas reações adversas, que é uma das maiores preocupações, principalmente
a síndrome de liberação de citocinas (uma resposta exagerada dos linfócitos),
que faz o paciente evoluir para hipotensão, reações neurológicas, crise
convulsivas, e você tem que agir rapidamente, já que pode levar à morte. Mas em
uma parte dos estudos você consegue contornar esse tipo de reação, e os
pacientes acabam indo bem”, explicou.
Estudos em expansão em todo o mundo
Estudos em expansão em todo o mundo
A incorporação do método na medicina hematológica e o avanço
nos estudos também para tumores sólidos foi vista com entusiasmo pelo
hematologista do Grupo Acreditar e chefe da Unidade de Transplantes de Medula
Óssea (TMO) do Instituto de Cardiologia do Distrito Federal (ICDF), Gustavo
Bettarello. “É uma fronteira que já está sendo ultrapassada, uma nova
modalidade terapêutica extremamente eficaz. Aqui no congresso foi falado
bastante sobre o tema e, principalmente, sobre o que vai vir depois dele.
Estamos falando de um grande futuro.” Ele ressaltou que as CAR T-Cells são a
maior prova de que pesquisas sobre males hematológicos seguem em franca
expansão, assim como as terapias para eles. “Existe muito desenvolvimento,
muita pesquisa, muito dinheiro sendo investido no tratamento das leucemias e
linfomas. E quem não trabalhar com as CAR T-Cells vai deixar de salvar muitos
pacientes”, alertou.
Para Juliane Mussachio, a pesquisa sobre as CAR T-Cells ainda está muito incipiente e que questões de biossegurança, sanitárias e legais devem representar um grande desafio
Para Juliane Mussachio, a pesquisa sobre as CAR T-Cells ainda está muito incipiente e que questões de biossegurança, sanitárias e legais devem representar um grande desafio
Os estudos ZUMA e JULIET apresentaram respostas
satisfatórias com células T modificadas para atingir a proteína CD-19, um
regulador crucial no desenvolvimento, ativação e diferenciação de células B e
que é comum em células malignas de linfoma. No ZUMA-1, 108 pacientes com
linfoma não-Hodgkin agressivo refratário foram tratados com uma injeção única
de CAR T-Cells axicabtagene ciloleucel (axi-cel). “O acompanhamento a longo
prazo do ZUMA-1 confirma que essas respostas podem ser duráveis. E as respostas
em 24 meses sugerem que as recidivas são incomuns. Os pacientes que estão em
remissão aos 6 meses tendem a permanecer assim”, explicou o professor da
Universidade do Texas e líder da equipe que iniciou os estudos, Sattva S.
Neelapu. “Com a terapia existente, a sobrevivência mediana para pessoas com
esta doença é de apenas 6 meses. Aqui, vemos que mais da metade dos pacientes —
59% — estão vivos mais de um ano após o tratamento.”
Já o estudo JULIET mostrou que 6 meses após receber uma dose
de tisagenlecleucel, 81 pacientes adultos com linfoma de células B tiveram
remissão completa por até seis meses e 41 apresentaram taxa de resposta de 37%,
com 30% atingindo resposta completa e 7, resposta parcial. “Embora a
gente ainda não saiba por que essas remissões são duráveis, o resultado é
animador e vai mudar o modo como tratamos hoje os pacientes refratários e com
recidiva”, explicou Stephen Schuster, líder do estudo e professor da
Universidade da Pensilvânia (Penn).
Um terceiro estudo em pacientes com mieloma múltiplo, ainda
em fase inicial, ou pré-clínica, mostrou resultados encorajadores contra um
marcador BCMA, proteína encontrada na maioria das células tumorais de mielomas
múltiplos. A infusão única em 21 pacientes hipertratados com a doença
refratária e recidivada provocou uma resposta global de 86% deles. Entre 18
pacientes que receberam doses mais elevadas e ativas das CAR T-Cells Anti-BCMA
infundidas, essa taxa de resposta aumentou para 94%, com efeitos adversos
gerenciáveis, de acordo com os pesquisadores.
"É uma fronteira que já está sendo ultrapassada, uma nova modalidade terapêutica extremamente eficaz. Estamos falando de um grande futuro", diz Gustavo Bettarello
"É uma fronteira que já está sendo ultrapassada, uma nova modalidade terapêutica extremamente eficaz. Estamos falando de um grande futuro", diz Gustavo Bettarello
Aval do FDA
A abordagem com CAR T-Cells foi aprovada pelo comitê do Food and Drug Administration (FDA), órgão que controla alimentos e medicamentos nos Estados Unidos, para o tratamento da leucemia linfoide aguda (LLA) em pacientes com até 25 anos e resistentes à terapia convencional e, mais recentemente, também para pacientes adultos com linfoma não-Hodgkin difuso de células B.
A abordagem com CAR T-Cells foi aprovada pelo comitê do Food and Drug Administration (FDA), órgão que controla alimentos e medicamentos nos Estados Unidos, para o tratamento da leucemia linfoide aguda (LLA) em pacientes com até 25 anos e resistentes à terapia convencional e, mais recentemente, também para pacientes adultos com linfoma não-Hodgkin difuso de células B.
Projetos experimentais começam no Brasil
No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca), tem
estudos em cobaias com a terapia CAR T-Cells desde os anos 1990, mas ainda
busca financiamento para levar a técnica adiante. Ao menos um hospital
particular, o Israelita Albert Einstein, em São Paulo, projeta o início dos
primeiros tratamentos experimentais no Brasil a partir de 2018. A aplicação da
terapia como padrão de tratamento, porém, não tem previsão de ser feita no país.
O coordenador de Hematologia da Rede D’Or São Luiz, Eduardo
Rego, acredita que, no Brasil, as CAR T-Cells podem ser desenvolvidas em duas
fases diferentes. “Talvez, no Brasil, inicialmente, nós vamos utilizar os
produtos preparados pela indústria, ou seja, o paciente brasileiro colheria as
células T no Brasil, enviaria para os Estados Unidos, provavelmente, onde elas
podem ser manipuladas, com a inserção do gene para se transformarem em CAR-T e
depois seriam enviadas para a infusão no paciente no Brasil”, opinou. (JS)
Três perguntas para
Eduardo Rego, coordenador de Hematologia da Rede D’Or São Luiz
Eduardo Rego, coordenador de Hematologia da Rede D’Or São Luiz
O Brasil deve ficar para trás na pesquisas das CAR
T-Cells, assim como na aprovação de outras drogas e terapias na área de
hematologia no país?
Eduardo Rego, da Rede D'Or São Luiz: Brasil vai adquirir
expertise
Isso vai ser uma realidade no Brasil. A questão agora é só
dizer quando. Naturalmente existem no Brasil grupos que estão tentando
desenvolver as próprias CAR T-Cells. Na Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto, nós estamos tentando desenvolver algo nesse sentido, mas ainda vai
demorar alguns anos até que a gente tenha um produto com uma segurança que
permita o uso em pacientes. Vamos ter que discutir com as autoridades
sanitárias no Brasil a legislação, porque isso tudo é muito novo. Então, o
Brasil vai ter que adquirir a sua própria expertise e legislação para o
uso de CAR T-Cells.
Qual é o maior impasse?
Uma combinação de fatores será o desafio do Brasil. Vamos
ter o desafio de treinamento, porque é uma tecnologia nova. Temos que nos
treinar para poder utilizar essa droga. Vamos ter o desafio da legislação,
porque vamos precisar desenvolver uma lei específica. Isso exige uma discussão
que é mais ampla, com as sociedades médicas e com os órgãos regulatórios. E
ainda temos a questão do custo (nos EUA, cada tratamento custa cerca de US$ 400
mil). É, sem dúvida, um problema nos EUA, e, para nós, será também. Mas estamos
falando de um tratamento que é indicado para casos muito específicos, raros,
que não responderam a tratamentos existentes de primeira linha e que não tem
mais nada que seja feito, a não ser tratamentos hoje que consideramos
experimentais.
Cânceres tumorais geralmente são associados a um ou mais
fatores externos, como poluição e hábitos alimentares. No caso de cânceres
hematológicos, existe essa relação?
Em uma das sessões apresentadas no congresso, os
especialistas analisaram do ponto de vista genético, com sequenciamento de
última geração, que é um sequenciamento de genoma completo, e
encontraram algumas associações em relação à leucemia mieloide aguda. Fumo é um
risco. Obesidade, alguma exposição a pesticidas, que é clássico, exposição a
benzeno, que é um derivado de petróleo, mas que é algo muito específico, porque
não tem uma contaminação tão alta ambiental com benzeno... Geralmente é em
trabalhadores expostos a essas condições. As radiações também são efeitos mais
comuns que podem estar associados a isso. (JS)
(*) A repórter viajou a convite da Janssen Brasil tomado de correio brazilianse
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