Os propulsores da
humanidade: as substâncias que deram origem à vida
O acúmulo de sulfitos e bissulfitos em lagos e rios do
planeta há cerca de 3,9 bilhões de anos pode ter criado um local propício para
o surgimento dos primeiros organismos vivos, segundo estudo americano
PO Paloma Oliveto
Rio Palouse, nos EUA, é uma das maiores erupções vulcânicas
terrestre: elementos orgânicos que deram origem à vida vieram desse tipo de
atividade(foto: Robert Hubner/Washington State University Photography Services
- 30/6/17)
Rio Palouse, nos EUA, é uma das maiores erupções vulcânicas
terrestre: elementos orgânicos que deram origem à vida vieram desse tipo de
atividade
(foto: Robert Hubner/Washington State University Photography
Services - 30/6/17)
Cerca de 4 bilhões de anos atrás, a Terra não se parecia em
nada com o que é hoje. Faltava ao jovem planeta, surgido apenas 500 milhões de
anos antes, sua principal característica: a presença da vida. Nem a mais
simples bactéria conseguiria florescer em um local inóspito quanto aquele, sem
oxigênio, repleto de erupções vulcânicas e bombardeado por asteroides. Esse
cenário desolador intriga há tempos os cientistas, que se perguntam o que
aconteceu para, de repente, a química terrestre se tornar favorável ao surgimento
dos primeiros micro-organismos.
Cientistas planetários do Instituto Tecnológico de
Massachusetts (MIT) e do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian, ambos nos
Estados Unidos, afirmam ter identificado os ingredientes-chave que deram origem
a essa transição de um mundo árido para outro, repleto de vida. Eles
descobriram que uma classe de moléculas chamadas ânions sulfídicos era
abundante em lagos e rios do planeta. Por volta de 3,9 bilhões de anos atrás,
vulcões em erupção emitiram grandes quantidades de dióxido de enxofre na
atmosfera, que acabaram se dissolvendo na água em forma dessas moléculas —
especificamente sulfitos e bissulfitos. Elas, então, foram se acumulando em
águas rasas.
“Nos lagos rasos, constatamos que as moléculas devem ter
sido parte inevitável do ambiente. Se elas foram essenciais à origem da vida, é
algo que estamos tentando descobrir”, diz Sukrit Ranjan, pesquisador do
Departamento de Ciências da Terra, Atmosféricas e Planetárias do MIT. Um estudo
anterior de Ranjan sugeriu que os ânions sulfídicos provavelmente aceleraram as
reações químicas necessárias para converter moléculas prebióticas muito simples
em RNA, o tijolo genético de construção da vida. “Antes desse trabalho, as
pessoas não tinham ideia dos níveis de ânions sulfídicos presentes nas águas
naturais da Terra primitiva; agora, nós sabemos que eles estavam lá. Isso muda
fundamentalmente nosso conhecimento sobre os primeiros tempos da Terra e tem
impacto direto em estudos de laboratório sobre a origem da vida”, explica.
O trabalho, publicado na revista Astrobiology, valeu-se de
uma informação de 2015, quando pesquisadores da Universidade de Cambridge,
incluindo John Sutherland, coautor do estudo de agora, descobriram uma forma de
sintetizar os precursores do RNA usando cianose de hidrogênio, sufídeo de
hidrogênio, sulfureto de hidrogênio e luz ultravioleta — todos ingredientes que
se acredita terem estado presentes na Terra primitiva, antes do aparecimento
das primeiras formas de vida.
Sutherland revela que, do ponto de vista químico, os
cientistas estavam convencidos de que as reações feitas em laboratório
superaram desafios e produziram, com sucesso, os blocos de construção da
vida. “Mas, do ponto de vista da ciência
planetária, não estava claro se esses ingredientes teriam sido suficientemente
abundantes para dar origem aos primeiros organismos vivos”, diz Sutherland.
“Por exemplo, cometas poderiam ter de cair continuamente para trazer cianose de
hidrogênio suficiente à superfície da Terra. Ao mesmo tempo, o sufídeo de
hidrogênio, que teria sido lançado em imensas quantidades pelas erupções
vulcânicas, teria de se fixar quase todo na atmosfera, já que a molécula é
relativamente insolúvel na água, e, portanto, não teria tido oportunidades regulares
de interagir com a cianose de hidrogênio”, afirma.
Perspectiva
planetária
Para tentar solucionar essas questões, a equipe de Ranjan
adotou justamente a perspectiva planetária, tentando identificar as condições
reais da Terra primitiva por volta do tempo em que os primeiros organismos
apareceram. “O campo de origem da vida tradicionalmente tem sido estudado por
químicos, que tentam descobrir os padrões químicos e ver como a natureza deve
ter operado para nos dar a vida”, diz o cientista. “Eles fazem um trabalho
muito bom nisso. O que não fazem em muito detalhe é se perguntar como eram as
condições do planeta antes da vida. Será que esses cenários que criam em
laboratório realmente ocorreram?”, questiona.
Há um ano e meio, Ranjan fez uma palestra na Universidade de
Cambridge sobre vulcanismo em Marte, dizendo quais tipos de gases teriam sido
emitidos por esses fenômenos na atmosfera sem oxigênio do planeta vinho.
Químicos que estavam presentes no evento afirmaram que as mesmas condições
gerais deveriam ter ocorrido na Terra antes do florescimento da vida. “Eles
deixaram de lado aquela conversa de que, no planeta primitivo, você não tinha
muito oxigênio, mas ainda tinha dióxido de enxofre. Consequentemente, você
teria sulfitos. Então, perguntaram-me se eu sabia dizer o quanto dessa molécula
existiria. Fui atrás disso”, recorda.
Usando um modelo de erupções vulcânicas, a equipe de Ranjan
descobriu que a atividade provavelmente resultou em grandes quantidades tanto
de dióxido de enxofre quanto de sulfito de hidrogênio na atmosfera, que
acabaram dissolvidos na água rasa, produzindo concentrações enormes de ânions
sulfídicos. Os resultados apontam para os sulfitos e bissulfitos como uma nova
classe de moléculas que estavam, de fato, disponíveis na Terra primitiva e que
podem agora ser testadas em laboratório. Os químicos poderão verificar se podem
sintetizar delas os precursores da vida. TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
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