‘Homo sapiens’ deixou
África antes do imaginado, diz estudo
Jornada humana em direção à Ásia ocorreu em pelo menos dois
momentos, o primeiro deles há 130 mil anos
FOTO Aborígines australianos: população seria descendente de
onda migratória que deixou a África há 130 mil anos NEIL SANDS/AFP
RIO - O homem deixou a África em duas grandes ondas
migratórias, marchando por caminhos diferentes há mais de 130 mil anos. Sua
movimentação mundo afora foi revelada esta semana por um estudo coordenado pela
Universidade de Tübingen, da Alemanha. A pesquisa desvenda a polêmica jornada
para outros continentes. Até agora, acreditava-se que houve apenas uma grande
dispersão, e muito mais recente — seu registro seria de 50 mil anos atrás.
A pesquisa considerou diversas possibilidades de dispersão,
levando em conta medições cranianas, dados genéticos de populações humanas e
condições climáticas que influenciariam o deslocamento das populações.
Dois caminhos na Ásia
A comunidade científica concorda que o homem moderno é
descendente de uma mesma população ancestral, que existiu na África entre 100
mil e 200 mil anos atrás. No entanto, não havia consenso sobre o caminho que
seguiu após deixar o continente. Segundo uma teoria, a marcha passou pelo
interior da Ásia. Outra hipótese é que a trajetória até o Extremo Oriente
ocorreu margeando o litoral asiático.
— Testamos diferentes cenários sobre o êxodo dos homens
modernos fora da África: se isso ocorreu em uma migração, ou duas, ou em
diferentes versões — conta Katerina Harvati, paleoantropóloga do Centro
Senckenberg de Evolução Humana de Tübingen e coordenadora do estudo, publicado
na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences”. — Usamos análises
genéticas, anatômicas e concluímos que a trajetória humana foi uma dispersão
múltipla, ou seja, uma combinação dos caminhos já estudados.
Além de definir o percurso do homem, os pesquisadores também
concluíram que a caminhada começou muito antes do que se cogitava. A primeira
migração saiu da África há 130 mil anos. Entre seus descendentes estão os
atuais aborígenes australianos e os habitantes de Papua Nova Guiné. O segundo
grupo só deixou o continente de origem 80 mil anos depois. Estima-se que dele
vieram populações nativas do Sul da Ásia, como os negritos, que têm baixa
estatura, pele escura e cabelo encaracolado.
Coautor do estudo, Hugo Reyes-Centeno destaca que novos
achados arqueológicos no Nordeste da África e na Península Arábica apoiam a
tese de que o homem pisou nesta região mais cedo do que se pensava. No sítio
arqueológico de Jebel Faya, nos Emirados Árabes Unidos, foram encontradas
artefatos de pedra que teriam entre 100 mil e 125 mil anos.
— Vemos fósseis na Palestina de até 120 mil anos e cuja
forma craniana se assemelha muito a populações da Oceania, bem mais do que a de
qualquer outra população moderna.
Seca na África, vulcão na Ásia
Eventos extremos climáticos podem ter motivado o
deslocamento da população africana para o Vale do Rio Nilo e, dali, para a
Península Arábica.
— Especulamos que houve secas severas entre 130 mil e 75 mil
anos atrás no Leste da África, estimulando a migração do homem para outras
regiões — explica Reyes-Centeno. — As populações em expansão fora do continente
teriam encontrado inicialmente condições climáticas mais favoráveis, mas também
foram confrontados com fenômenos inesperados.
Há aproximadamente 75 mil anos, segundo o pesquisador, o
deslocamento pela costa Sul da Ásia teria sido afetado por uma erupção
vulcânica na Indonésia. Este fenômeno impediu a passagem para o Sudeste do
continente e atrasou a entrada na Austrália. O primeiro registro de homens
modernos na região é de 50 mil anos atrás.
Jeanne Cordeiro, arqueóloga do Laboratório de Arqueologia
Brasileira, acredita que o período analisado é muito amplo e carente de dados,
mas que o estudo preenche algumas lacunas históricas.
— Como aborda um espaço temporal muito longo, a pesquisa
pode provocar discussões — explica a arqueóloga, que não participou do
levantamento alemão. — O novo estudo tem uma base muito sólida. Ele conjuga um
método antigo, que é a medição de crânios, e técnicas cada vez mais aceitas,
como a análise do genoma para medir a dispersão das populações.
A chegada do homem à América não é abordada no estudo. Mas,
segundo Reyes-Centeno, o mesmo método poderia ser usado para investigar quando
começou o seu povoamento:
— Nosso estudo desafiou um modelo ao dizer que houve pelo
menos duas dispersões da África para a Ásia. Agora, podemos testar se a chegada
às Américas ocorreu ao longo de uma rota costeira a partir da Ásia, como muitos
especialistas propõem, ou se outros cenários são mais prováveis.
Katerina lembra que, segundo os principais estudos, o homem
pisou pela primeira vez na América por volta de 15 mil anos atrás, embora haja
indicações de que isso poderia ter ocorrido até 15 mil anos antes.
— Independentemente do caso, isso é muito tarde,
considerando que a saída da África ocorreu há 130 mil antes — assinala. TOMADO
DE O GLOBO DE BR
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