Conheça as tristes
histórias dos animais que moram no Aquário de SP
CHICO FELITTI DE SÃO PAULO
Jorginho acorda e toma café da manhã à base de frutas,
iogurte Activia e ansiolítico antes de enfrentar mais um dia em São Paulo. Para
driblar a dor causada pelo casamento de uma escoliose com uma lordose, Bino se
submete a sessão semanal de acupuntura, seguida de uma relaxante massagem.
Seriam só mais dois paulistanos estressados, não fossem
Jorginho um tamanduá-mirim e Bino um jacaré albino do Pantanal.
Os dois residem no número 407 da rua Huet Bacelar, no
Ipiranga. É onde fica o Aquário de SP --que, apesar do nome, também é
homologado pelo Ibama como zoológico e abriga espécies terrestres e aéreas.
O espaço existe há oito anos e reúne 300 espécies de
moradores. "Todos estão aqui por um motivo muito triste", diz a
bióloga chefe da casa, Laura Ippólito. "E nós estamos aqui pois gostamos
de tratar bichos."
ANIMAIS RICOS
De uns tempos para cá, o tratamento dos animais inclui uma
terapia chamada de "enriquecimento".
Enriquecer a vida de um bicho é ocupar seu tempo (e sua
cabeça) com brincadeiras e atividades que não o deixem sucumbir à macambuzia.
"Bichos em isolamento tendem a ter comportamento
estereotipado. Há alguns que se automutilam", afirma a bióloga Bruna
Schwarz.
Outros, como os cinco bugios, espécie de macaco conhecida
por berrar e jogar fezes, se calam. Os primatas do aquário nunca gritaram.
E o cativeiro é sentença perpétua. Quase todos esses animais
não podem voltar à natureza.
Caso dos pinguins-de-Magalhães (típicos do sul do
continente) que aportaram em Salvador em 2012 e foram trazidos para São Paulo,
quase mortos. Estão bem e começam a botar ovos, mas não sairão mais de lá.
Defensores dos direitos animais dizem que o cativeiro pode
funcionar como prisão. "Não são todas as espécies que estão lá para ser
salvas. Há animais comprados com fim de exposição", diz o ativista Hélio
Aron. "Devemos ver o aquário como empresa que cobra R$ 40 de entrada e
lucra, e não entidade benemerente."
O aquário defende ter caráter educativo. "Os bichos
servem para explicar às crianças o que aconteceu de errado para o animal ter
vindo parar aqui", diz Laura Ippólito.
A sãopaulo conta nas próximas páginas histórias dos
migrantes que se mudaram à revelia para a cidade.
Não tá fácil pra ninguém
Bino, o jacaré albino do Pantanal que tem lordose e
escoliose e, por isso, tem de fazer acupuntura e massagem
ÉRAMOS SETE
Tubarão é chamado em turco de peixe-cachorro. O que faz
sentido para os seis tubarões-lixa que convivem no aquário. Bolinha, Capixaba,
Ellen, Grande, Abelhinha e Machão estão sendo instruídos por treinadores para
responderem a alguns comandos. Por ora, obedecem a três ordens:
"fica", "segue" e "vira".
Mas não adianta falar. Cada peixão tem uma placa própria
usada para induzir as ações. "Se eu coloco a placa na água e deixo ela
parada, o tubarão que é 'dono' dela vem e fica. Se eu a puxo a placa em
zigue-zague, ele vem atrás", explica o treinador Carlos Belizoti.
Como recompensa por tarefa cumprida, ganham lula, o petisco
predileto do grupo.
Quando o prato do dia é o molusco, e o treinador vai
alimentar o tubarão-mangona (espécie vizinha no aquário), os lixas pulam na
frente.
Depois da atividade, os seis tubarões geralmente se deitam
unidos, no fundo do tanque, um sobre o outro. Mas, desde o fim do ano passado,
a aglomeração ficou desfalcada. Uma fêmea morreu, vítima de provável infecção
intestinal.
Quando um bicho passa desta para melhor, sua necropsia é
feita na USP ou num laboratório de análises clínicas contratado para isso.
"Às vezes, dois homens juntos não conseguem serrar o animal", conta a
bióloga Laura Ippólito.
Foi o que aconteceu com a finada. Seu corpo está num freezer
da USP esperando pelo biólogo que fará a contagem das vértebras de uma de suas
nadadeiras --assim ficará sabendo a idade exata que viveu.
Enquanto isso, seus companheiros seguem vivendo e
aprendendo.
TUBARÃO VOVÔ DE AVIÃO
Uma passageira que estava no voo da TAM que ligou Buenos
Aires a São Paulo em 2 de novembro de 2011 garante não ter sentido a decolagem
nem o pouso. "Foi a viagem mais tranquila que já fiz", diz a
administradora Márcia Gavros.
Pudera: havia no bagageiro do avião uma caixa com 2.000
litros de água salgada e um tubarão-mangona de 75 kg chamado Pancho.
E todo cuidado era pouco na hora de levá-lo. Comprado de um
zoológico argentino, Pancho viria para ser a estrela do aquário paulistano.
Mas a grande atração já chegava em solo brasileiro com a
experiência de um veterano. O bicho estreou para o público daqui com 18 anos.
Espera-se que viva até uns 25. "O Pancho é um animal
senil, vamos dizer assim. Mas é maravilhoso, vale a pena vir conhecê-lo",
diz a chefe do espaço, Laura Ippólito.
E é melhor apressar a visita: o Pelé do aquário já está
perdendo os dentes em ritmo de terceira idade. O tratador Carlos Belizoti, que
mergulha em seu tanque três vezes ao dia, faz uma pesquisa com as presas
caídas. "Já peguei centenas."
Alguns dentes se soltam ao alimentar o bichão. Que de voraz
tem pouco. Na hora da comida, o treinador espeta o pescado numa pinça e vai
atrás de Pancho, pondo a comida na boca. "Se eu não for atrás, ele não
come", garante Carlos.
FORMIGAS, IOGURTE E ANSIOLÍTICO
Jorginho poderia fazer parte do exército de 45% dos
brasileiros que declararam ter usado ansiolíticos à Fundação Proteste em
pesquisa no ano passado. A vida vinha sendo dura demais para esse
tamanduá-mirim órfão, que veio a São Paulo após sua mãe morrer queimada, e ele,
do tamanho de uma caneca, ficar só.
Resgatado e levado ao aquário, Jorginho achou Lipe, uma
fêmea da sua idade cuja mãe foi morta por cães. "Eles comiam só uma colher
de chá de papinha por dia", conta a bióloga Bruna Schwarz.
A equipe foi aos poucos achando os gostos de cada animal e
adaptando o rango.
Lipinha tem um fraco por Activia, iogurte para ativar o
intestino, que chega a compor um terço da mistura que ela come --depois de
rasgar com suas unhas longas uma caixa de papelão onde a refeição é posta. O
resto dela é beterraba, tomate, carne, banana e espinafre.
Mas felizes mesmo os dois ficam quando, uma vez a cada 15
dias, recebem um cupinzeiro ainda povoado, a marmita predileta. "Eles
exploram o dia inteiro. Comem demais e vão dormir em paz", diz Bruna.
É CILADA, BINO!
Está próxima a hora de Bino e Albi chegarem aos
"finalmente". Os jacarés albinos nasceram entre sete e oito anos
atrás, na mesma ninhada, mas o fato de serem irmãos não impede que Bino tente
"constantemente" montar em Albi nem coloca em risco a saúde da futura
prole.
Biólogos dizem que é comum répteis da mesma família
procriarem e terem filhos saudáveis. Ou filhos albinos, nesse caso.
E a diferença não para na cor. Enquanto crescia até o metro
e 30 e pouco que tem hoje, Bino mostrou ter lordose e escoliose, o que lhe dá
uma corcundinha (que fica fora d'água quando está no tanque).
O problema é mais do que estético. Ele sente dor e, por
isso, ganhou direito a sessão semanal de acupuntura e massagem. O réptil fica
paradinho enquanto uma veterinária lhe punciona com agulhas, entre as escamas.
Pelo sim pelo não, sua boca é vedada com fita crepe.
Toma, ainda, remédio fitoterápico para a dor e vitaminas que
compensam o fato de não poder se expor ao sol. Tudo para que em breve possa
passar seus genes para frente.
EU COMERIA UM BOI
Bebel, 10, está de dieta. Completaria nesta semana dois
meses sem comer. Mas é capaz que hoje já tenha feito o desjejum com um peru de
sete quilos ou um coelho inteiro --ambos vivos.
O segredo para manter o peso na faixa dos 55 kg mesmo quando
você tem seis metros de comprimento é ser uma sucuri e um pouco traumatizada,
caso de Bebel.
Ela chegou ao aquário vinda de Bauru, cidade no interior de
SP onde foi encontrada quebrando os ossos de um bezerro. Para fazer o espécime
de segunda maior cobra do mundo largar o novilho, locais deram em Bebel com
paus e facas.
Tanta violência traumatizou o ofídio. Ela ficou alguns meses
sem comer quando veio a São Paulo.
Aos poucos, começou a aceitar petiscos --só patos vivos e
inteiros, de início. Após dois anos, voltou a trabalhar com um cardápio de
mamíferos. Hoje, consegue quebrar e devorar um coelho em meia hora.
A alimentação é feita uma vez por mês, só à noite e a
distância do público, por não ser exatamente um espetáculo de beleza. Assim que
terminar de trocar de pele, como estava fazendo nesta semana, Bebel estará
pronta para lanchar.
E pode apostar que ela seria capaz de comer um boi.
VELHO LOBO DO MAR
Thunder só queria descansar e pegar um sol numa praia no Rio
de Janeiro. Mas uns banhistas avistaram o lobo-marinho repousando na areia,
entraram em pânico e mudaram seu destino para sempre.
Bombeiros foram chamados e levaram o bicho para o Zoológico
do Rio. Lá, constatou-se que ele estava bem de saúde. Mas, depois de ter tido
contato com humanos, Thunder não poderia mais ser solto para voltar às
imediações da Antártida, onde estavam seus pares.
"É considerado perigoso porque ele poderia transportar
doenças que dizimariam milhares de outros animais, completamente frágeis a
elas", diz o biólogo Marcos Helund.
Ao ser sentenciado à prisão perpétua, o bicho, que uiva como
se fosse um lobo quando está com fome, foi ofertado ao Aquário de SP.
Aqui, ganhou um tanque próprio e um clima mais aprazível.
"Ele está adorando esta frente fria", conta a bióloga Bruna Schwarz.
Quando faz calor, escondem sua comida dentro de blocos de gelo, com os quais
ele de brinca para chegar até o peixe.
Com o tempo, Thunder foi se acostumando ao contato humano.
Com 12 ou 13 anos (a idade é incerta), hoje só se irrita quando alguém mais
engraçadinho imita seu uivo. Um adesivo no vidro do seu tanque pede a visitantes
que evitem uivar.
Mas guarda feridas: sua cabeça e lombo têm machucados que
ele mesmo se inflige. "É de bater nas pedras", diz Schwarz. Quem
nasceu livre dificilmente se acostuma à vida com paredes.
ASAS A MIL
Os morcegos gigantes de Java não chupam sangue. Nem
carambola. "Eles adoram fruta. Mas, se tiver uma fatia de carambola nos
sete quilos que comem por dia, nem encostam", diz a bióloga Patrícia
Moraes sobre os nativos da ilha indonésia.
Foi ela quem viu a espécie prosperar. Quando chegaram, em 2008,
eram seis. Passados cinco anos, já são 12 --quase 13, já que há mais uma
gravidez no bando.
Os mamíferos alados se deram bem no cativeiro, aquecidos por
radiadores e guiados pelo macho líder Vlad (homenagem ao conde Vlad Tepes, que
inspirou Drácula).
Fêmeas como Flor deram continuidade à linhagem. No caso,
quatro vezes -em cada uma delas a morcega fica de cabeça para cima, pose que só
adota para parir e fazer xixi, e agarra o filhote com a asa.
Os bebês nacionais nascem sendo treinados. Com isso, a bióloga
consegue fazer com que quatro dos bichos mudem de galho carregados por sua mão,
o maior sinal de confiança que um morcego pode dar.
Os dois metros de envergadura de asas são quase o tamanho do
tubarão Pancho (da página 31).
A família já chegou ao limite do cercado que ocupa.
"Recebemos propostas de compra, mas não vendemos", diz a bióloga
Laura Ippólito. Sinal de que os alados devem ganhar mais espaço em breve.
Tomado de folhia de san Pablo br
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