CHAMADO À AÇÃO PARA
RECHAÇAR REDD+ E A INDÚSTRIAS EXTRATIVAS
PARA ENFRENTAR O CAPITALISMO E DEFENDER A VIDA E OS
TERRITÓRIOS
COP20, Lima, Dezembro de 2014
Por ocasião das negociações da ONU sobre mudanças climáticas
em Lima, no Peru conhecidas como a COP20 -, advertimos que rechaçar REDD+ e os
‘serviço ambientais’, no contexto da ‘economia verde’, é uma parte central da
nossa luta contra o capitalismo e as indústrias extrativas e em defesa dos
territórios, da vida e da Mãe Terra.
No marco da economia ‘verde’, seus promotores pretendem
fazer-nos crer que é possível um ‘crescimento sustentável’ da economia, que
pode ‘dissociar-se da natureza’ com as formas de produção capitalista, ou que é
factível ‘compensar’ ou ‘mitigar’ a contaminação ou a destruição de um lugar
com a ‘recriação’ ou ‘proteção’ de outro. Sob uma lógica injusta e
colonialista, a economia ‘verde’ subjuga a natureza e os povos autônomos ao
impor restrições sobre o uso e controle de seus territórios para encher os bolsos
de alguns poucos, inclusive quando as comunidades são as que mantém títulos de
propriedade. Um dos pilares fundamentais do novo capitalismo global são os
‘serviços ambientais’. Eles significam a submissão, financerização,
mercantilização, servidão e escravização da natureza à lógica do capital. O
mercado de carbono, a compensação de biodiversidade ou os mercados de água são
parte desta forma de capitalismo. Os ‘serviços ambientais’ são, em si mesmo,
interdependentes do modelo econômico hegemônico. Uma das suas formas é o
programa para a Redução das Emissões derivadas do Desmatamento e da Degradação
das florestas (REDD), e da conservação, manejo sustentável e aumento de
‘reservas’ de carbono (REDD Plus ou REDD+), e agora também, a agricultura chamada
‘climaticamente inteligente’. Os impulsores de REDD+ esperam que a COP20 em
Lima sente as bases para incluí-lo formalmente no próximo acordo internacional
sobre o clima em 2015 durante a COP21 em Paris. De todas maneiras, desde vários
anos existem projetos e programas deste tipo, e que estão em constante
expansão. Várias empresas, ONG e governos, assim como os fundos de carbono do
Banco Mundial e da ONU, estão empenhados em seguir adiante com esse negócio. Na
prática, dado que as florestas se encontram principalmente em terras indígenas
e que os camponeses e camponesas alimentam ao mundo, estes esquemas convertem
os territórios indígenas e as terras agrícolas tanto em ‘sumidouros’ de dióxido
de carbono como em ‘bancos’ de água ou biodiversidade. Por outro lado, do ponto
de vista de combater o desmatamento o mecanismo é também absurdo, pois quanto
mais desmatamento e ameaça às florestas haja, mais projetos de REDD+ podem ser
justificados e levados a cabo com o objetivo de vender a ‘escassa’ mercadoria
do carbono. Assim, com REDD+ a capacidade das florestas e solos de absorver
carbono e retê-lo, das plantas de fazer fotossíntese, de criar a água, de
cultivar ou criar biodiversidade está sendo quantificada, monetarizada,
apropriada, privatizada e financeirizada como qualquer mercadoria. O comercio
de ‘serviços ambientais’ também impulsiona a impunidade dos contaminadores e
destruidores porque ao invés de cumprirem leis que os proíbe contaminar e
desmatar, podem ‘compensar’, além de evitar combater a mudança climática, pois
não se ataca o que a provoca. A imperante necessidade de não extrair mais
combustíveis fósseis, de deter a agricultura e as monoculturas industriais ou
de assegurar o respeito aos direitos dos povos indígenas, que dependem, vivem e
são parte das florestas, e dos camponeses e camponesas, de manejar, manter e
controlar seus territórios, não são temas nas agendas das negociações, de modo
que a espiral continua e aumenta. Um claro exemplo nefasto dos projetos
tipo-REDD+ é aquele firmado entre os estados da Califórnia no Estados Unidos,
Chiapas no México, e Acre no Brasil, que pretende que as industrias que
contaminam na Califórnia o possam continuar fazendo em troca da compra de
créditos de carbono de atividades REDD+ no Acre e em Chiapas. Se bem o Acre
seja geralmente apresentado ao mundo como o ‘modelo da economia verde’, a
realidade é outra: a exploração de madeira e o comércio de carbono vem deixando
devastação nos territórios e viola os direitos dos povos da floresta (1), como
está sendo reportado pela Plataforma DHESCA (de direitos humanos, econômicos,
sociais culturais e ambientais), depois da sua missão no Acre em 2013 (2).
Outros exemplos incluem o caso da comunidade N'hambita em Moçambique, que
assinou um contrato com a empresa inglesa Envirotrade para que esta
comercializasse créditos de carbono REDD+, pelo quê seus habitantes, em lugar
de alimentos, terão que ‘cultivar carbono’ em seus territórios durante 99 anos
(3). Outros exemplos como no Quênia (4), Congo (5), Papua Nova Guiné (6),
Camboja (7), Brasil (8), e mais casos, demonstram como projetos REDD+ podem
significar despejos forçados, prisões e despojo de territórios. Já são
numerosas as comunidades que tem sido pressionadas ou enganadas a firmar
contratos que supõe a perda de seis direitos sobre suas terras e territórios
ancestrais (9). Os projetos tipo-REDD+, além disso, não garantem que as
empresas extrativas não ingressem nos territórios. Por exemplo, ‘Socio Bosque’,
o programa tipo-REDD+ do Equador, onde as comunidades estão obrigadas a cuidar
a floresta por 20 ou 40 anos para que o Estado possa assegurar-se que os
‘serviços ambientais’ estejam conservados e possam ser comercializados, permite
a extração de petróleo ou a mineração nestas zonas (10). Não obstante, REDD+
anuncia querer combater o desmatamento, garantir a participação local, melhorar
a gestão das florestas, melhorar as condições de vida e desenvolvimento das
populações locais e, em certas ocasiões, inclusive implementar os direitos
territoriais, além de alegar combater as mudanças climáticas. Mas os
incontáveis programas nacionais e sub-nacionais, acordos bilaterais e
multilaterais e os projetos REDD+ a nível mundial demonstram cada vez mais que
estas são mentiras e que seu objetivo é o de acumular mais capital e controlar
territórios. As comunidades afetadas por projetos REDD+, seja de forma direta
ou indireta - através das empresas contaminadoras que se beneficiam com os
créditos de carbono gerados por tais projetos, ou através do Estado, no tem sido
realmente informadas do que significa este tipo de compromissos. Os projetos
REDD+ já estão definidos por seus promotores antes de serem apresentados às
comunidades, roubando-lhes na prática a opção real de aceitar ou não o projeto,
ou simplesmente são enganadas e caem na ‘redd’, vendo as promessas não serem
cumpridas.
Da mesma foram que REDD+, a chamada agricultura
‘climaticamente inteligente’, em lugar de ser uma solução para as mudanças
climáticas, é uma tentativa a mais das corporações de biotecnologia e do
agronegócio para patentear e controlar as sementes e as terras agrícolas.
Este mecanismo incitado pela FAO e o Banco Mundial, entre
outros, aponta a que as campesinas e campesinos adotem determinadas práticas de
cultivo e utilizem sementes transgênicas ‘prontas para o clima’,
despojando-lhes de seus campos, de sua autonomia, soberania alimentar e
conhecimentos ancestrais. A Via Campesina denunciou que a agricultura
‘climaticamente inteligente’ é a continuação de um projeto iniciado com a revolução
Verde na década de 1940 e que continuou nos anos 70 e 80 com os projetos de
Redução da Pobreza do Banco Mundial que dizimaram as economias campesinas
particularmente no Sul, provocando a perda da soberania alimentar e os tornando
dependentes do Norte para poder alimentar a sua população” (11). Hoje, por
exemplo, um programa do Banco Mundial no Quênia busca gerar créditos de carbono
ao exigir ‘praticas sustentáveis de manejo de terras’, as quais incluem o uso
sementes de una variedade de milho híbrido que a Syngenta vende localmente,
pressionando para que os camponeses e camponesas abandonem suas espécies
nativas (12). Os partidários dessa perigosa falsa solução querem converter os
campos, solos e cultivos em créditos de carbono, o que levaria a um incremento
na usurpação de territórios e no despojo de direitos.
Inclusive as monoculturas de árvores estão sendo camufladas
como ‘climaticamente inteligentes’. O avanço das plantações em grande escala de
árvores de eucaliptos, pinus, acácias, palma africana e outros é em realidade
um processo de aprofundamento da acumulação de capital impulsionada pelas
corporações sobre os territórios. As plantações são consideradas como
‘sumidouros’ de carbono e por tanto aptas para beneficiarem-se de créditos de
carbono. Assim, em Aceh, no norte da Indonésia, um projeto REDD+ com 770,000
hectares foi desenvolvido pela ONG Fauna & Flora Internacional, a empresa
broker de carbono Carbon Conservation e o então governador de Aceh. O documento
do projeto afirma que uma forma de ‘compensar’ a perda de florestas na área
designada para o projeto REDD+ seria através das plantações de palma africana,
para as quais se estimou a ‘capacidade de absorver carbono’, para poder
antecipar assim quantos créditos de carbono poderia gerar o projeto. Por sua
vez, as comunidades locais na área do projeto tem afirmado em numerosas
ocasiões não haver sido devidamente consultadas sobre o projeto ou não ter
recebido nenhum beneficio, senão ao contrário, a questão da propriedade de suas
terras segue sendo um grave problema sem resolver (13).
Empresas como a petroleira Shell ou a mineira Rio Tinto, de
plantações florestais e papel e celulose como Green Resources e Suzano,
agroindustriais como Wilmar, Monsanto e Bunge, organismos multilaterais como
PNUD ou FAO, trasnacionais da conservação como Wildlife Works, WWF, The Nature
Conservancy ou Conservação Internacional, empresas consultoras, bancos públicos
e privados e muitos governos elaboram, apóiam e financiam projetos e programas
REDD+ e de agricultura ‘climaticamente inteligente’. Estes mecanismos minam as
verdadeiras soluções à crise climática pois são uma distração às mudanças
necessárias nas formas de produção e consumo e rumo a economias e sociedades
livres de combustíveis fósseis.
Não devemos deixar-nos enganar pelas mentiras e propagandas
grosseiras. Sabemos que as negociações sobre o clima, cada vez mais controladas
pelo poder corporativo, não tratarão s capturadas pelo poder corporativo não
tratam de salvar o clima, nem proteger as florestas e as terras, nem erradicar
a pobreza ou respeitar os direitos dos povos indígenas. Pelo contrário,
protegem covardemente a corporações depredadoras, reforçando um modelo
destrutivo e patriarcal. O que é ainda pior, manipulam informação para culpar
pequenos agricultores e agricultoras e povos que vivem e dependem das florestas
como se fossem os principais causadores das mudanças climáticas por criar
parcelas para a agricultura de subsistência, quando na realidade foram
justamente os e as habitantes tradicionais dos territórios que permitiram a conservação
das florestas, das fontes de água e dos ecossistemas.
Não podemos permitir que as falsas soluções para as mudanças
climáticas, climático, como REDD+ e a chamada agricultura ‘climaticamente
inteligente’, destruam o equilíbrio da Mãe Terra. Devemos nos opor a este tipo
de programas e aos ‘serviços ambientais’ que buscam perpetuar o capitalismo.
Devemos seguir impulsionando a transformação do atual modelo
de produção e lutar contra as políticas impostas sobre os povos que priorizam a
reprodução do capital por cima da reprodução da vida. São as lutas de
indígenas, camponeses e camponesas, residentes urbanos, pescadores e
pescadoras, mulheres, homens e jovens em defesa dos direitos e dos territórios
que vêm guiando o caminho. São os povos que se opõem a extração petroleiras e
mineira, aos serviços ambientais, aos projetos agroindustriais e de
monoculturas, os que estão dando passos certeiros frente às mudanças do clima.
A esses povos, em lugar de criminalizá-los, há que respeitá-los e reconhecer seus
esforços por contribuir a uma transformação global.
Devemos nos organizar pela defesa dos territórios indígenas,
pela defesa das populações que vivem, dependem e são parte das florestas, pela
defesa da autonomia sobre o controle de seus territórios, pela defesa da Mãe
Terra. Por essas razoes dizemos SIM à
defesa dos territórios,
à defesa das populações que vivem, dependem e são parte das
florestas, a sua autonomia sobre seus territórios, e à defesa dos direitos da
natureza.
BASTA DE PROJETOS EXTRATIVOS,
NÃO AOS SERVIÇOS AMBIENTAIS,
LUTAR CONTRA REDD+ TAMBÉM
É COMBATER O CAPITALISMO !
NÄO À CRIMINALIZAÇÄO DOS POVOS QUE DEFENDEM SEUS TERRITORIOS
!
JUNTE-SE A MARCHA DA CÚPULA DOS POVOS !
Assinam, inicialmente:
Acción Ecológica, Ecuador
Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem
Fronteiras
Amigos de la Tierra América Latina y el Caribe (ATLAC)
Amigos de la Tierra, Brasil
Asamblea Nacional de Afectados Ambientales, México
Carbon Trade Watch
Ceiba / Amigos de la Tierra, Guatemala
Censat / Amigos de la Tierra, Colombia
Cesta / Amigos de la Tierra, El Salvador
Coeco Ceiba / Amigos de la Tierra, Costa Rica
Conselho de Missão entre Povos Indígenas, Acre e Sul do
Amazonas, Brasil
Conselho Indigenista Missionário, Brasil (CIMI)
Grupo de Estudos em Produção do Espaço Amazónico (UFAC)
Instituto Transnacional (TNI)
Marcha Mundial de las Mujeres
Movimento Mulheres pela P@Z!
Movimiento Mundial por los Bosques Tropicales (WRM)
Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na
Amazônia Ocidental (UFAC)
Oilwatch América Latina
Oilwatch Internacional
Otros Mundos Chiapas / Amigos de la Tierra, México
Red Latinoamericana contra los Monocultivos de árboles
(RECOMA)
REDES / Amigos de la Tierra, Uruguay
Redmanglar Internacional
Regional Latinoamericana de la UITA
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Xapuri
– Acre, Brasil
Para unir-se a esse chamado, enviar nome da organização e
país para NoREDDCop20@wrm.org.uy
NOTAS:
1. Movimento
Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM). Brasil: a contínua destruição das
florestas e da biodiversidade no estado do Acre, considerada modelo de
“Economia Verde” na Amazônia brasileira. Boletim 183. Outubro 2012.
2. Plataforma
DHESCA Brasil, http://www.escr-net.org/es/node/364729
3. Via
Campesina. Moçambique, Comercio de
Carbono e REDD +: campesinos cultivam carbono a serviço de contaminadores. 22
Junho 2012.
5. Griffiths, Tom.
“Seeing REDD? Forests, Climate Change Mitigation and the Rights of Indigenous
People and Local Communities”. Maio 2009.
6. The Economist. “Money
grows on trees”. 6 de Junho de 2009.
7. Movimento
Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM). Um projeto de redução de desmatamento
no Paraná, Brasil, e a perseguição das comunidades. Boletim 169. Agosto 2011.
8. Ver por exemplo:
Amigos da Terra Internacional, The Great REDD Gamble , 2014 em www.foei.org
9. CEDIB.
PETROPRESS 21. Agosto de 2010. Industrias extrativas e o programa REDD. O que
peca e reza, empata.
10. Via Campesina. Desmascarando a Agricultura
Climaticamente Inteligente. Setembro de 2014
11.
Institute for Agriculture and Trade Policies. An Update on the World
Bank’s Experimentation with Soil Carbon. Outubro de 2012.
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