Caos criado por
mudanças no clima deve fortalecer extrema-direita
Relatório indica que perda de recursos naturais provocará
migrações em massa da África para Europa, intensificando xenofobia
Segundo IPCC, derretimento do Ártico causará tensão entre
potências e inundações levarão a êxodo no Sudeste Asiático
Embaraço. Tunisianos num acampamento em Lampedusa, na
Itália: fluxo de imigrantes deve aumentar, diz estudo Giuseppe Giglia / AP
RIO — A chegada em massa de africanos à Europa racha o
discurso do Velho Mundo: um estrato da sociedade defende políticas
assistencialistas. Outro ergue a bandeira da direita radical e hostil aos
“invasores”. No Ártico, o derretimento das geleiras acirra a tensão entre as
potências mundiais, que cobiçam novas rotas de navegação e extração do
petróleo. Milhões de pessoas deixam o Leste da Ásia, constantemente inundado,
e, no Brasil, nordestinos trocam suas casas pelo Sudeste. Estes conflitos,
entre tantos outros que já aparecem timidamente no cenário internacional, provocarão
mais embaraços nas próximas décadas. A explicação para tantos episódios
caóticos são as mudanças climáticas.
Divulgado neste domingo, o novo relatório do Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) dedica um capítulo inteiro à
relação entre clima e segurança. Esta é a primeira vez que o órgão deu ênfase à
ligação entre clima e crescimento da extrema-direita.
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Segundo o IPCC, a temperatura global pode aumentar, no
máximo, 2 graus Celsius para que o clima do planeta seja “administrável”. Mais
do que isso, o homem perderia o controle sobre os fenômenos naturais. Hoje, no
entanto, acredita-se que os termômetros devem chegar a mais de 4 graus Celsius
até o fim do século. Com isso, aumenta a ocorrência de eventos climáticos
extremos, que arrasam os recursos fundamentais para a economia de cada país —
terras cultiváveis e água, principalmente.
— A escassez acirra questões que já são sensíveis — alerta
Suzana Kahn, vice-presidente do IPCC e professora da Coppe/UFRJ. — O ambiente
alterado aumentará o fosso entre as nações. Populações inteiras, que têm muito
pouco a perder, vão se transformar em refugiados climáticos. Em um mundo já
lotado, elas sempre serão recebidas com hostilidade. Criamos um barril de
pólvora.
Confrontos pela água
Os eventos climáticos extremos atingirão com maior
ferocidade os países em desenvolvimento, especialmente na região tropical. A
desertificação africana já provoca o deslocamento das populações, que voltarão
cada vez mais suas atenções para a Europa. Assustado com o assédio de suas
ex-colônias, o Velho Mundo testemunha o crescimento dos militantes
anti-imigração. Um exemplo é o referendo no mês passado na Suíça, em que a
nação optou por permanecer fora da União Europeia. O resultado foi citado como
um modelo por líderes da extrema-direita de países como Áustria, França e
Itália.
O Brasil pode ter sua própria onda migratória. A
desertificação do sertão e do Leste da Amazônia levaria mais pessoas para as já
saturadas capitais do Centro-Sul do país.
Coordenador de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil,
André Nahur concorda que a disputa por água e alimentos será uma das maiores
motivações para os confrontos deste século.
— A queda da disponibilidade de água vai gerar um cenário de
incerteza — destaca. — O estresse hídrico pode ser visto em diferentes partes
do mundo. O Leste da Ásia, cada vez mais sacudido por eventos extremos, como
furacões, pode não ter a água necessária para abastecer sua população. Outro
exemplo é a disputa, entre Rio e São Paulo, pela Bacia do Rio Paraíba do Sul.
Para Fábio Scarano, coautor do relatório do IPCC e vice-presidente
sênior da Divisão da América da Conservação Internacional, a América Latina é
uma das áreas vulneráveis aos confrontos protagonizados pela água:
— Em nosso continente, a água é usada para energia,
irrigação e saneamento nas cidades. À medida que o clima traz impacto à sua
disponibilidade, as atividades econômicas correm risco e aumenta a competição
pelos recursos naturais.
Efeitos seguirão por décadas
O aquecimento global, no entanto, é festejado em regiões
como o Norte da Rússia, onde a maior exposição ao Sol vai proporcionar mais
áreas cultiváveis. Mas o derretimento do gelo vem acompanhado de polêmicas,
como a maneira de explorar gás e mineração, entre outras riquezas pouco
estudadas da região.
Durante a Conferência do Clima de Copenhague, em 2009,
representantes do Conselho Circumpolar Inuit, da Groenlândia, denunciaram o
aumento da presença militar naquele território.
— O degelo do Ártico também traz um conflito em potencial —
alerta Suzana. — Sem as geleiras, novas rotas de navegação estão sendo criadas,
e o petróleo da região está atraindo as grandes potências. Mais uma disputa
surge ali.
Mesmo que as emissões de carbono fossem interrompidas agora
— o que sequer é cogitado —, os efeitos das mudanças climáticas seguirão por
décadas, inclusive a possibilidade de confrontos.
— Os mais vulneráveis às mudanças climáticas são os pobres —
destaca Scarano. — Então, os objetivos devem ser reduzir a miséria e, ao mesmo
tempo, adaptar os ecossistemas. TOMADO DE O GLOBO DE BR
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