Cientistas descobrem proteína capaz de recuperar a memória e
a aprendizagem
Molécula poderá ser a base de um medicamento contra o
Alzheimer e outros problemas cognitivos em humanos / VS Vilhena Soares
(foto: Valdo
Virgo/CB/D.A Press)
Complicações neurais
desencadeadas por problemas como concussões e por doenças neurodegenerativas
desafiam médicos e pacientes devido à escassez de tratamento e à prevenção
limitada. Com o objetivo de mudar esse cenário, cientistas dos Estados Unidos
trabalham no desenvolvimento de uma droga que tem se mostrado promissora quanto
à estimulação cerebral. Análises feitas em ratos renderam resultados positivos,
e os pesquisadores também conseguiram observar minuciosamente a ação da
molécula no órgão das cobaias. Segundo eles, as informações obtidas poderão ajudar
na criação de um composto que servirá de base para uma droga a ser usada contra
o Alzheimer e outras enfermidades do tipo. Os achados da pesquisa foram
divulgados na edição desta semana da revista Science.
A droga testada — o inibidor de resposta ao estresse
integrado (ISRIB) — foi descoberta em 2013, após uma extensa triagem de
substâncias capazes de alterar a resposta ao estresse no corpo humano,
evitando, dessa forma, o surgimento de problemas cognitivos. “O ISRIB foi
isolado num rastreio de uma biblioteca de cerca de 100 mil compostos. Ele foi
uma das 28 moléculas em potencial selecionadas pela nossa equipe”, conta ao
Correio Peter Walter, bioquímico da Universidade da Califórnia e principal
autor do estudo. Nos testes, o ISRIB não se dissolveu bem em soluções aquosas,
e isso fez com que os pesquisadores acreditassem que ele não seria um
medicamento viável. Porém, após observações mais minuciosas, a equipe percebeu
que a molécula teve ação mil vezes mais potente que muitas das outras opções
testadas. Durante análises laboratoriais in vitro, mesmo a pequena quantidade
de ISRIB que conseguiu penetrar nas células foi suficiente para provocar uma
resposta ao estresse.
Com tantos dados animadores, os cientistas partiram para
testes em animais. Em experimentos, observaram que o ISRIB melhorou a
aprendizagem e a memória em camundongos e, por meio de uma técnica avançada de
análise, a microscopia crioeletrônica, conseguiram perceber em detalhes como
esses benefícios ocorreram. Segundo os cientistas, uma ligação do ISRIB a oito
componentes da proteína eIF2B foi a responsável pela otimização cognitiva dos
ratos.
A molécula, que tem a forma de uma hélice, se posiciona
dentro da eIF2B e atua como um grampo, unindo subcomplexos idênticos da
proteína. “Vemos que o ISRIB mantém o complexo eIF2B em conjunto, e isso pode
ser suficiente para estabilizar a proteína e aumentar a sua atividade”, diz
Walter. Em resumo, os pesquisadores mostram que o ISRIB previne a resposta ao estresse
celular ao estabilizar a eIF2B. “Podemos ver com resolução quase atômica onde a
droga se liga à proteína. É realmente incrível ver uma pequena molécula sob um
microscópio”, ressalta Walter.
Uso ampliado
Para a equipe de cientistas, a ação desencadeada por ISRIB
nas cobaias mostra o quanto a molécula tem potencial para se tornar um
medicamento contra a neurodegeneração em humanos. “Como o ISRIB aumenta a
cognição na aprendizagem espacial, espera-se que ele, ou algum derivado de
atuação semelhante, seja útil para aliviar ou retardar algumas das disfunções
cognitivas em pacientes com Alzheimer e em pacientes com outros distúrbios
neurodegenerativos”, explica Walter. “Eu acredito que o ISRIB poderá ser uma
terapia para muitos distúrbios cognitivos.”
Amauri Araújo Godinho, neurocirurgião do Hospital Santa
Lúcia e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), acredita
que os resultados da pesquisa americana são positivos para a área médica. “É
interessante eles terem observado que essa droga promove o aprendizado e
restabelece a memória em ratos que já tinham um tipo de lesão. É uma grande esperança. Se você consegue usar essa droga em um
paciente com trauma encefálico, você poderá reduzir as sequelas”, ilustra.
O neurologista aponta outras possíveis aplicações para o
medicamento. “Eu até extrapolo um pouco, mas, se pensarmos que essa ação pode
ocorrer em qualquer célula nervosa, ela poderia ser usada de forma mais ampla.
Temos casos de pacientes, como atletas, que, quando entram em coma, apresentam
o que chamamos de catabolismo, que destrói a musculatura. Para evitar isso, usamos anabolizantes.
Poderíamos evitar essa perda com essa proteína”, detalha.
Godinho pondera que a pesquisa precisa ter continuidade, a
fim de que os efeitos sejam observados com mais cuidado e a eficácia em
humanos, avaliada. “Outro ponto que deve ser visto são possíveis efeitos
negativos. A expressão de genes responsáveis pela produção de proteínas está
ligada ao câncer, é importante ter certeza de que não estamos estimulando o
crescimento de um tumor, por exemplo”, sugere.
A próxima etapa do estudo consiste em destrinchar ainda mais
a molécula estudada e a proteína à qual ela se liga, segundo Walter.
“Trabalhamos para determinar estruturas de eIF2B com ISRIB a fim de aprender
sobre suas atividades. Nós também estamos procurando um metabólito natural que
possa ter atividade semelhante ao ISRIB”, adianta. Os investigadores acreditam
que será possível adaptar os experimentos para testes clínicos, em humanos, já
que, até agora, a molécula não parece ser tóxica.
"É uma grande esperança. Se você consegue usar essa droga em um
paciente com trauma encefálico, você poderá reduzir as sequelas”
Amauri Araújo Godinho, neurocirurgião do Hospital Santa
Lúcia e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia TOMADO DE CORREIO
BRAZILIENSE
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