Na Rússia, brasileira dividiu cela com presa por homicídio e
desafiou autoridades
DEPOIMENTO A FELIPE
BÄCHTOLD DE PORTO ALEGRE
A bióloga gaúcha Ana Paula Maciel, 31, que ficou presa dois
meses na Rússia após participar de um protesto no oceano Ártico, relata
detalhes de seu período de cativeiro. Além de ter de falar grosso contra
autoridades, afirma que dividiu cela com uma acusada de assassinato. Ela
retornou ao Brasil no domingo passado, após ser anistiada pelo governo do
presidente Vladimir Putin.
Ninguém queria ter
ficado dois meses na prisão. Mas, pela repercussão que isso teve, estou
contente de ter conseguido levar uma mensagem para tantas pessoas. Agora, a
nossa campanha vai continuar muito mais forte.
No início, foram
cinco dias presos dentro do nosso navio. Houve uma abordagem ilegal em águas
internacionais. [Os agentes russos] Destruíram toda a casa de rádio do navio e
retiraram os computadores.
Eles nos mantiveram
em cativeiro dentro da cabine. Começaram a tirar um por um dizendo que seríamos
"entrevistados". Na minha vez, um homem armado, com máscara, me pegou
pelo braço e foi me revistar.
Eu me acuei em um
canto e disse: "Tu não vais me tocar, não mesmo".
Tenho direito internacional de ser revistada por uma mulher.
Eles ficaram supernervosos. Ele continuou tentando, me puxando pelo braço, eu
empurrei. Defendi meus direitos contra cinco pessoas armadas.
E ele não me
revistou, mas me senti extremamente mal, humilhada. Foram vários momentos de
emoções fortes.
Na prisão, não havia
ameaças, mas era uma terra sem lei. Cada guarda tinha suas regras e agia de
maneira diferente. Se não fosse eu lutar pelos meus direitos, teria sido muito
pior. Muitas vezes encarei guardas e chamei o chefe da prisão.
DIÁRIO
Foram momentos de altos e baixos. A Folha, infelizmente, só
publicou os baixos [em reportagem do dia 25 de novembro com trechos de seu
diário]. E aí você tem toda a sensação que eu estava em uma depressão profunda
e ia me matar [a Folha só publicou o que foi autorizado pela própria Ana
Paula].
Em uma situação
daquela, correndo o risco de ficar 15 anos naquele jeito, imagino que é humano
pensar em uma solução. Eu muito provavelmente teria a coragem e a força de
encarar os 15 anos.
Mas eu não posso não
me permitir como ser humano pensar em algumas outras alternativas. Foi isso o
que escrevi no diário. Em nenhum momento pensei em me matar seriamente.
Eu tinha uma colega
russa de cela na prisão em Murmansk. Em São Petersburgo, havia duas: uma
ucraniana e outra do Uzbequistão. Só falavam russo.
A moça do Uzbequistão
matou o namorado em legítima defesa e queria aprender inglês. Às vezes,
sentávamos durante quatro ou cinco horas estudando, tentando se entender. Tive
sorte porque elas eram muito legais.
Toda a cadeia de São
Petersburgo virou um grande teatro quando chegamos. Ficamos em uma cela enorme,
com geladeira, TV e aquecedor de água. Percebemos toda a palhaçada montada para
fazer uma propaganda do sistema penitenciário russo.
NA JUSTIÇA
Não existe justiça para o cidadão comum na Rússia.
Claramente os juízes não decidem nada.
Em uma audiência,
depois de quatro horas, o juiz perguntou se eu queria falar minhas palavras
finais. Ele disse que eu deveria ficar em pé. Eu me escorei e disse que estava
cansada do teatro. Falei: "O que vai fazer? Me mandar para a
cadeia?". Todo mundo riu –até o juiz.
Foi uma espera muito
tensa [o mês em que ficou em liberdade sob fiança]. O psicológico era bem
pesado.
Os advogados diziam
que eles [autoridades] estavam esperando que fizéssemos qualquer coisa para nos
colocar novamente na cadeia. Tive momentos em que estava caminhando nas ruas,
via alguém de uniforme e eu mudava de direção. Era pânico. Eu não sabia se
estava sendo vigiada ou não.
Para o visto de
saída, tive que assinar um papel dizendo que entrei ilegalmente na Rússia,
contra minha vontade. Se vou a um lugar contra a minha vontade e tenho que
quebrar leis para isso, o nome disso para mim é sequestro.
A mulher no aeroporto
perguntou sobre o meu visto de entrada. Eu disse que não tinha porque fui
"sequestrada" pelo governo russo. Na Alemanha [onde fez conexão],
percebi que a saída era real.
A Rússia não deve ter
imaginado que a reação pública seria tão grande. Se não existisse o apoio da
mídia, do Greenpeace e do governo, ainda estaríamos lá, com certeza. TOMADO DE
FOLHIA DE SAN PABLO BR
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