Grandes
alterações também ajudaram na formação de características marcantes da espécie,
como a coleta de alimentos e o comércio
PO
Paloma Oliveto
Pesquisadores
detectaram, na Bacia Olorgesailie, sinais de atividades ocorridas há 320 mil
anos, como a criação e a troca de ferramentas(foto: Instituto
Smithsonian/Divulgação)
Pesquisadores
detectaram, na Bacia Olorgesailie, sinais de atividades ocorridas há 320 mil
anos, como a criação e a troca de ferramentas
(foto:
Instituto Smithsonian/Divulgação)
Por
volta de 800 mil anos atrás, as várzeas que ocupavam boa parte do território
onde hoje é o Quênia começaram a passar por uma transformação dramática. No
lugar da umidade persistente, períodos de aridez se revezavam aos de chuva,
fazendo com que as planícies inundadas se transformassem em um pasto. Essa
mudança exigiu adaptações da fauna local. Ao longo do tempo, animais que
demandavam um consumo energético excessivo foram extintos. Por outro lado, os de
estrutura física menor emergiram. Passado meio milhão de anos, o cenário era
outro. Fértil, com uma grande variedade de alimentos e possibilitando
deslocamentos extensos, a região tornou-se ideal para o florescimento de uma
nova espécie, que começava a se proliferar no leste africano: o Homo sapiens.
Ao
avaliar evidências arqueológicas e naturais da Bacia Olorgesailie, um dos mais
ricos sítios com vestígios de ocupação humana da África, pesquisadores
descobriram que as alterações ecológicas moldadas, em primeiro lugar, pelas
variações climáticas foram essenciais para a evolução do homem moderno e de
características culturais marcantes da espécie, como a mobilidade, a coleta de
alimentos, a tecnologia e até o comércio. De acordo com os autores da pesquisa,
publicada em três artigos na edição desta semana da revista Science, isso
implica uma “revisão significativa do comportamento do hominídeo africano na
época em que o Homo sapiens se originou”.
Terremotos
Liderado
pelo Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsonian, o trabalho
indica que atividades como comércio, uso de pigmentos coloridos e ferramentas
sofisticadas estavam presentes há 320 mil anos, época que coincide com os
fósseis do homem moderno mais antigos já encontrados. Até agora, acreditava-se
que essas características cognitivo-comportamentais tinham surgido algumas
dezenas de milhares de anos depois do surgimento do Homo sapiens, já no
neolítico, ou idade da pedra polida.
(foto:
Jennifer Clark/ Instituto Smithsonian)
Segundo
Rick Potts, diretor do Programa de Origem Humana do museu, as descobertas
realizadas na região de Olorgaesilie indicam que a emergência desses
comportamentos coincide com uma grande variação ambiental, marcada não só por
alterações no clima, mas em toda a infraestrutura local. “À medida que
terremotos remodelaram a paisagem e o clima passou por flutuações entre seca e
umidade, a inovação tecnológica, as redes de troca sociais e as primeiras
comunicações simbólicas podem ter ajudado os primeiros humanos a sobreviver e
obter recursos que precisavam, apesar dessas condições imprevisíveis”, diz.
“Isso levou a um conjunto de comportamentos muito sofisticados, que envolveram
grande habilidade mental e vidas sociais mais complexas. Talvez isso tenha sido
o que nos distinguiu dos outros humanos primitivos”, acredita Potts, principal
autor de um dos três artigos da Science.
O
antropólogo explica que as primeiras evidências de vida humana na Bacia
Olorgesailie datam de cerca de 1,2 milhão de anos atrás. Por centenas de
milhares de anos, os hominídeos da região fabricaram e usaram ferramentas de
pedra rudimentares conhecidas como handaxes. Em 2002, Rick Potts e Alison
Brooks, professora de antropologia da Universidade de George Washington,
descobriram diversos instrumentos menores e muito mais bem-acabados nesse
local. A datação revelou uma surpresa: elas foram fabricadas entre 320 mil e
305 mil anos atrás, bastante tempo antes do imaginado. Cuidadosamente
trabalhadas, as ferramentas foram esculpidas para vários propósitos: algumas se
adequavam a projéteis, outras eram perfeitas para cortadoras ou sovelas.
Redes sociais
Essa
não foi a única surpresa. Além das peças fabricadas com material local, a equipe
de pesquisadores encontrou pontas de pedras do período neolítico feitas com
obsidiana, matéria-prima que não é natural da bacia. Também foram detectadas
peças maiores e não trabalhadas retiradas de pedras vulcânicas. A avaliação da
estrutura química desses artefatos apontou que viriam de diversas fontes
obsidianas provenientes de localidades de 25km a 90km distantes de
Olorgesailie. Isso sugere a existência de redes sociais na região.
“Essas
inovações comportamentais podem ter representado muito bem uma resposta às
rápidas mudanças no ambiente”, disse, em nota, Tyle Faithy, curador de
arqueologia no Museu de História Natural de Utah e coautor de um dos artigos.
“Uma resposta como essa deve ter ajudado as populações humanas a suportar
mudanças climáticas e ambientais que provavelmente contribuíram para o fim de
outras espécies na região”, acredita.
Outra
importante descoberta da equipe foram rochas pretas e vermelhas (manganês e
ocre, respectivamente) associadas a evidências de que haviam sido processadas
para serem usadas como pigmento. “Não sabemos a coloração que eles utilizaram,
mas podemos dizer que é um indício de comunicação simbólica complexa. Assim
como hoje as roupas ou bandeiras levam cores que expressam identidade, esses
pigmentos podem ter ajudado as pessoas a manter vínculos e a formar alianças
com grupos distantes”, suspeita Potts. “O transporte de obsidiana e a coleta e
processamento de pigmentos implica o desenvolvimento de redes sociais que
conectavam membros de nossa espécie por longas distâncias. Essa prática é uma
das características da nossa espécie”, ressalta Alison Brooks.
Isso levou a um conjunto de comportamentos
muito sofisticados, que envolveram grande habilidade mental e vidas sociais
mais complexas. Talvez isso tenha sido o que nos distinguiu dos outros humanos
primitivos”
Rick
Potts, diretor do Programa de Origem Humana do Museu Nacional de História
Natural do Instituto Smithsonian
Ossos
estavam no Marrocos: indícios de interação com o Oriente Próximo(foto:
Abdeljalil Bouzouggar/Divulgação)
Sequenciado mais antigo DNA de fóssil africano
Uma
equipe internacional de pesquisadores liderada por Johannes Krause e Choongwon
Jeong, do Instituto Max Planck para Ciência da História Humana, na Alemanha; e
por Abdeljalil Bouzouggar, do Instituto Nacional de Ciências de Arqueologia e
do Patrimônio, no Marrocos, sequenciou o mais antigo DNA nuclear de um fóssil
africano. O material genético tem cerca de 15 mil anos e pertenceu a indivíduos
da idade da pedra polida. Os cientistas descobriram que essas pessoas, que
viviam onde hoje é o Marrocos, tinham uma herança genética em parte similar à
das populações do Oriente Próximo e em parte associada à de grupos da África
Subsaariana.
O
norte da África é uma área importante na história da evolução da espécie
humana. A geografia faz do local uma interessante área para estudar como
humanos saíram de lá. Embora parte do continente africano, o Deserto do Saara
acaba sendo uma barreira para viajar para lá, desde o sul. Similarmente, o
norte é parte da região mediterrânea, mas, no passado, o mar pode ter sido um
impeditivo para a interação com outros povos também. “Uma compreensão melhor da
história do norte-africano é crítica para compreender a história da nossa
espécie”, explica Saaïd Amzazi, um dos coautores do trabalho, publicado na
Science.
Os
pesquisadores estudaram um sítio funerário na Gruta dos Pompos, no Marrocos,
local associado à cultura ibero-americana da idade da pedra lascada.
Acredita-se que esse povo foi o primeiro na área a produzir ferramentas de
pedra mais elaboradas, chamadas microlitos. “A gruta é um lugar essencial para
a compreensão da história humana no nordeste da África, já que humanos modernos
frequentemente habitaram essa caverna, de forma intensiva, durante períodos
prologados, desde meados da idade da pedra. Cerca de 15 mil anos atrás, há
evidência de uso mais intensivo do local, e os ibero-maurisianos (nome do povo
que morava lá) começaram a enterrar seus mortos na caverna”, conta Louise
Humphrey, do Museu de História Natural de Londres.
Avanço
Os
pesquisidores analisaram o DNA de nove indivíduos de Taforalt, no Marrocos,
usando sequenciamento avançado e métodos analíticos. Conseguiram retirar dados
mitocondriais de sete dos fósseis e o genoma completo de cinco deles. Devido à
idade das amostras e à pobre conservação característica da área, esse é uma
grande vitória, disseram os pesquisadores. “Esse é o primeiro e mais antigo DNA
de nossa espécie recuperada na África”, disse Abdeljalil Bouzouggar. De acordo
com ele, cerca de dois terços da herança genética dos indivíduos associa-se às
populações contemporâneas do Levante e um terço é mais similar à dos africanos
subsaarianos, particularmente os ocidentais.
A
alta proporção de ancestralidade do Oriente Próximo mostra que a conexão entre
o norte da África e o Oriente Próximo começou muito antes do que se acreditava
anteriormente. Embora as associações entre essas regiões tenham sido mostradas
em estudos anteriores para períodos mais recentes, não se acreditava que os
humanos estivessem interagindo por essas distâncias durante a idade da pedra.
“Claramente, as populações humanas estavam interagindo muito mais em áreas mais
distintas do que o assumido previamente”, diz Johannes Krause, diretor do
Departamento de Arqueogenética do Instituto Max Planck.
15 MIL ANOS
Idade
do material genético analisado pelos cientistas
TOMADO DE CORREIO
BRAZILIENSE
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