O Brasil de hoje está assustado com o Brasil do passado,
que emergiu do submundo dos crimes da elite econômica colonial e dos servidores
dela, encrostados no aparelho do estado.
Para compreender o Brasil de hoje é preciso descer aos
porões da história. Sem isso, não se entende a estupidez de quem obedeceu a
ordem e apertou o gatilho no assassinato da vereadora Marielle Franco e do
motorista Anderson Pedro Gomes.
Não entende o ódio de classe pregado por Bolsonaro e seus
seguidores nas redes sociais. Não entende a conspiração de políticos,
empresários e rentistas, magistrados e policiais, donos de grandes redes de
mídia, articulados para derrubar
governos democráticos.
Se esquece que muito antes do tráfico de drogas, era
livre o tráfico de escravos monopolizado pelos ingleses, donos da maior frota
de navios negreiros do mundo.
O fio da historia deve sempre ser trazido como luz para
iluminar o cenário político, econômico, social e cultural do Brasil e dos que
sofrem no corpo e no espírito a violência, a chaga da subordinação, da
exploração, dos salários miseráveis, ou nenhum, da negação de direitos
elementares, comuns nas sociedades democráticas, civilizadas.
A ilegalidade e a violência são inerentes aos golpes de
estado. Para o poder econômico, a democracia ameaça a ordem estabelecida pelas forças políticas
dominantes, tradicionais.
As mãos de brancos proprietários e rentistas são sujas de
sangue índio e sangue negro, das tortura e assassinato de mulheres e homens que
lutam contra as injustiças, pela democracia e pela igualdade, desde tempos
idos.
Os massacres, a escravidão e o açoite de indígenas e
negros, por bandeirantes, senhores e
capatazes, nas masmorras e nos pelourinhos, são as raízes dos tribunais
brasileiro e das forças policiais e militares.
Na mesma semana que a vereadora Marielle Franco foi
executada, professores, que defendiam seus direitos, foram espancados pela
polícia dentro da Câmara de Vereadores, em São Paulo, magistrados e policiais
destilaram ódio de classe e homofobia nas redes sociais com bárbaras difamações
contra Marielle e juízes fizeram greve pela manutenção da corrupção salarial
(ganhos ilegais criados por eles mesmos), e dos privilégios de casta.
Esse é o retrato de um momento da sociedade brasileira
que revela a face colonial, bandeirante e pelourinho do aparato do Estado
brasileiro, que continua nos dias de hoje, maquiada de “modernidade”.
É justo que se faça devidas ressalvas a servidores
públicos cidadãos, que lutam pela democratização do Estado, cumprem dignamente
com suas funções no provimento de direitos e garantias constitucionais iguais
para cidadãs e cidadãos.
Em 1986, depois da grande jornada de lutas pelo
restabelecimento da democracia, que derrotou 21 anos de obscurantismo e
violência, constituintes se sentaram para alinhavar a plataforma jurídica de
garantias do restabelecimento do estado democrático de direito e da cidadania.
Formou-se consenso de que aquele era o momento de plantar
as bases e as estruturas definitivas de um Estado moderno com plena autonomia
política, administrativa e financeira dos poderes da Republica e dos entes
federados. E fizeram a “Constituição cidadã” como a denominou Ulysses
Guimarães.
Seguramente, imaginaram que as instituições criadas para
dar sustentação à democracia, garantir direitos individuais e coletivos ,
definitivamente não permitiriam a volta do arbítrio, da ilegalidade, de
ditaduras, e que a democracia estaria assegurada para as gerações futuras, para
superação das desigualdades e dos problemas mais graves do Brasil.
Evidentemente não imaginaram que no futuro o judiciário,
o Ministério Público, a Polícia Federal, seriam sequestrados por servidores
autoritários, arrogantes, negligentes, sem compromissos com a Constituição, com
a democracia e a cidadania, que se colocariam a serviço da ordem estabelecida
pelos de cima e se alinhassem com interesses de grandes corporações internacionais.
A perseguição ao ex-presidente Lula pelo juiz Sérgio
Moro, por exemplo, por procuradores, policiais, com a anuência do Supremo
Tribunal Federal, que avaliza a ilegalidade e o golpe de Estado, é o exemplo
que melhor revela as raízes históricas de um poder colonial que resiste, não
admite a democracia e desrespeita solenemente as regras constitucionais
vigentes.
O caso Lula ultrapassou as fronteiras brasileiras e expôs
ao mundo o atraso das autoridades e de suas instituições.
É impossível olhar o Brasil e não ver o Estado branco,
ainda colonial, com funcionários públicos, guardadas as devidas exceções, ainda
de pose e hábitos monárquicos, como se estivessem a serviço da corte, de
senhores, proprietários e rentistas, e não de cidadãs e cidadãos.
No parlamento, no judiciário, no Ministério Público, nas
forças armadas e policiais, lá está a grande maioria branca, europeia. Nos
presídios, nas comunidades pobres, no campo, a imensa maioria de negros,
indígenas e seus descendentes, abandonada à própria sorte.
E, nos cemitérios, Marielles, Andersons, Chico Mendes,
Margaridas, Zumbis, Tiradentes, Antônio Conselheiro, nações indígenas inteiras,
os chacinados de Eldorado do Carajás, e tantos outros condenados, encarcerados
por magistrados, torturados e mortos por forças policiais e militares. TOMADO
DE LAUREZ CERQUEIRA
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