Segunda principal causa de morte no mundo é um problema
multifatorial, que precisa ser combatido em diversas frentes, defendem
especialistas. A OMS declarou guerra à gordura saturada, enquanto cientistas
também apostam na redução do tamanho das porções / POR PO Paloma Oliveto
Ao mesmo tempo em que avançam os tratamentos contra doenças
desafiadoras, como câncer e Aids, o homem moderno se vê ameaçado por um
elemento sem o qual não se vive: a comida. A epidemia de sobrepeso/obesidade já
afeta 39% da população adulta e 18% das crianças e adolescentes entre 5 e 18
anos, com consequências consideradas devastadoras para a saúde. Algumas
estimativas indicam que o excesso de peso é a segunda causa de morte no mundo,
perdendo apenas para as doenças associadas ao tabagismo. Com a maioria das
estratégias de contenção do problema até agora
infrutíferas, especialistas,
governos e associações buscam novas soluções capazes de, ao menos, reduzir
parte dele.
A Organização Mundial
da Saúde (OMS), que desde 2004 tem ações específicas de combate à
obesidade, agora declarou guerra à gordura saturada, aquela presente em
alimentos de origem animal. Na semana passada, o órgão das Nações Unidas abriu
consulta pública para debater novas recomendações sobre o consumo desse
ingrediente. Em uma teleconferência de imprensa, Francesco Branca, diretor do
Departamento de Nutrição para a Saúde e Desenvolvimento da OMS, afirmou que,
com base em 15 anos de produção científica, a ingestão de gordura por crianças
e adultos por dia deveria representar, no máximo, 10% das necessidades diárias.
Dessa forma, um homem saudável com recomendação de 2,5 mil
calorias por dia consumiria 250 calorias na forma de gordura saturada, o que
daria um pouco menos de 30g. Essa é a quantidade de gordura presente em 50g de
manteiga, em 130-150 gramas de queijo ou em um litro de leite integral.
“Gorduras saturadas e gorduras trans são de particular preocupação devido à
correlação entre alta ingestão e risco aumentado de doenças cardiovasculares”,
afirmou Branca. Setenta e dois por cento das 54,7 milhões de mortes anuais de
pessoas com menos de 70 anos são provocadas por essas enfermidades. Até 1º de
junho, qualquer pessoa poderá opinar sobre o assunto na página internacional da
OMS (www.who.int). Ao mesmo tempo, a organização alerta que menos de 1% das
calorias deve vir das gorduras trans, responsáveis, sozinhas, por 500 mil
óbitos por ano.
Sódio “Altos níveis de ingestão de ácidos
graxos saturados e trans estão correlacionados com o aumento do risco de
doenças cardiovasculares, principal causa de mortalidade entre as doenças
crônicas não transmissíveis (DCNT), que, atualmente, representam 74% do total
de mortes no Brasil”, afirma a nutricionista Luiza Torquato, da Unidade Técnica
do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN). “Desse modo, medidas que
incentivem a redução no consumo de gorduras saturadas e trans, associadas a
recomendações de ingestão de alimentos saudáveis e incentivo à atividade
física, são estratégias que podem ter impactos positivos na saúde pública”,
opina.
Reduzir a quantidade de ingredientes do cardápio diário e do
preparo de industrializados tem sido uma das estratégias adotadas por países
como o Brasil, que assinou, em 2011, um acordo com a Associação Brasileira das
Indústrias da Alimentação (Abia) para reduzir o teor de sódio dos produtos
alimentícios. Desde então, foram retiradas 17 mil toneladas do elemento químico
da dieta dos brasileiros, segundo o Ministério da Saúde. Há um ano, a pasta fez
uma nova parceria com a Abia para redução voluntária de níveis de sódio de
pães, bisnaguinhas e massas instantâneas até 2020.
O endocrinologista e metabologista Flávio Cadegiani, membro
da Associação Brasileira para Estudos da Obesidade (Abeso) e especialista da
The Obesity Society, ressalta que as políticas públicas de combate à obesidade
têm apresentado resultados conflitantes. “Nos Estados Unidos, a oferta de
alimentos mais saudáveis nas escolas apresentou um desperdício acima de 80%. A
oferta de supermercados ‘saudáveis’ em bairros mais pobres dos EUA, na maior
parte das vezes, não melhorou o comportamento alimentar daquela população. Por
outro lado, no México, a sobretaxação de refrigerantes resultou em uma redução
importante do consumo desse produto”, observa (leia artigo nesta página).
Calibragem
O problema é que, de acordo com os especialistas, a
obesidade não pode ser atacada em uma só frente, pois envolve múltiplos fatores
— inclusive, genéticos. Luiza Torquato, do CFN, lembra que, por trás do excesso
de peso, há causas biológicas, ecológicas, econômicas e sociais. “Controlar e
reverter a situação exige atuação conjunta dos diferentes setores do governo e
participação social”, defende. Como parte das soluções, uma equipe de
pesquisadores da Universidade de Liverpool sugere reduzir a quantidade de
alimentos das embalagens, indo na contramão da tendência de agigantar as
porções, como acontece, por exemplo, com refrigerantes e pipocas vendidos em
cinemas.
Em um estudo conduzido no Instituto de Psicologia da
Universidade, Eric Robinson procurou saber se a oferta de porções menores
altera a percepção do consumidor sobre o tamanho “normal” que um produto deve
ter, fazendo com que, no futuro, ele passe a comprar e ingerir quantidades mais
modestas que o habitual. A pesquisa foi feita em três partes, sendo que, na
primeira delas, os participantes foram divididos aleatoriamente em grupos,
servidos com quiche e salada nas versões grande ou pequena. Os voluntários não
sabiam que o objetivo real do experimento tinha relação com o tamanho dos
alimentos. No segundo teste, eles deviam se servir o quanto quisessem dos
mesmos pratos do dia anterior. No último, feito uma semana depois, os
participantes eram questionados sobre o tamanho de porção que preferiam.
Os resultados mostraram que, quando servidos inicialmente
com porções menores, as pessoas associam aquela quantidade ao que seria um
tamanho normal de comida. Assim, passam a escolher comer menos. “Isso indica
que, se o tamanho dos alimentos disponíveis comercialmente for reduzido, essas
porções menores e mais apropriadas podem recalibrar a percepção do que é uma
quantidade normal de comida. Já se sugeriu anteriormente que encolher o tamanho
das porções de industrializados pode ser uma estratégia para reduzir o consumo
excessivo de alimentos e, consequentemente, a obesidade em nível populacional”,
afirma Robinson.
"Gorduras saturadas e gorduras trans são de particular
preocupação devido à correlação entre alta ingestão e risco aumentado de
doenças cardiovasculares"
Francesco Branca, diretor do Departamento de Nutrição para a
Saúde e Desenvolvimento da OMS / TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE
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