Entre as descobertas recentes está a de que neurônios mudam
a velocidade de ação conforme o ritmo de cada atividade
PO Paloma Oliveto (foto: CB/D.A Press)
Ah, o tempo... Simultaneamente tão real, que pode ser
percebido, e tão abstrato, porque ninguém consegue defini-lo ao certo. Antes
mesmo da escrita e da civilização, o homem pré-histórico já tentava registrá-lo
pelo movimento das estrelas, conforme um mapa celeste entalhado há mais de 30
mil anos no marfim de um mamute. Se os muito antigos olhavam para cima,
buscando entendê-lo, o grego Aristóteles voltou-se para a mente e tratou do
tema sob a perspectiva filosófica, enquanto seus conterrâneos o personificavam
nos deuses Cronos e Kairós.
Muitas teses, ensaios e livros, assim como obras de arte,
dedicam-se ao tempo, um importante conceito para diversas áreas científicas, da
astrofísica à medicina. Com o avanço da neurociência, pesquisadores começaram,
há poucas décadas, a investigar como o cérebro vivencia o passado e o presente
e conceitualiza o futuro. Além de tentar responder a uma questão clássica,
trata-se de uma área de estudo essencial para a compreensão da memória e dos
distúrbios associados a ela.
Embora tentadora, a ideia de que o tempo não existe, sendo
uma ilusão da mente ou criação do homem, não se sustenta. A cronologia, essa
sim, é uma invenção humana que, todavia, segue uma lógica inspirada em
fenômenos naturais. A divisão em dias acompanha a rotação da Terra em torno
dela mesma, assim como um ano é volta completa ao redor do Sol, e o mês, o
quanto a Lua leva para contornar o planeta. O tempo é uma realidade e,
independentemente de definições, o próprio organismo tem um cronômetro, o ciclo
circadiano, que se convencionou chamar de “relógio biológico”.
O Nobel de fisiologia Edvard Moser, diretor do Instituto
Kavli, da Universidade de Ciência e Tecnologia da Noruega, explica que, no
processo evolutivo, os organismos vivos desenvolveram diversos relógios
internos que os ajudam a rastrear o tempo. Sem isso, por exemplo, animais
noturnos não entenderiam que era hora de sair da toca, nem os de hábitos
diurnos dariam conta de que podiam sair para caçar.
“O que separa os vários medidores de tempo do cérebro não é
apenas a escala medida (se segundos ou minutos, por exemplo), mas o fenômeno ao
qual o relógio neural está sincronizado. Alguns desses cronômetros são
definidos por processos externos, como o relógio circadiano que se sintoniza à
luminosidade, ajudando os organismos a se adaptar aos ritmos do dia”, diz
Moser, autor de um estudo recente, publicado na revista Nature, no qual
descreve a descoberta de um circuito de neurônios associados à noção do tempo.
O nascer e o pôr do sol têm uma influência tão grande sobre
esse processo que, na ausência da alternância claro/escuro, a mente se
embaralha. Em 1961, o geógrafo francês Michel Siffre ficou dois meses em uma
geleira subterrânea nos Alpes, onde decidiu se submeter à experiência de “viver
como um animal”. Na volta, pensou que apenas duas semanas tinham se passado.
Circuitos complexos
De acordo com os pesquisadores, muitos relógios biológicos
estão no cérebro, como células especializadas na região do hipocampo que formam
sinais de cadeia como um dominó, “contando” intervalos de tempo que chegam a
precisos 10 segundos. A forma como o órgão cronometra o tempo — uma habilidade
essencial para diversas tarefas, de tocar piano e manter um diálogo a realizar
uma cirurgia — não depende de uma única rede neuronal, como se pensava no
passado, explica Mehrdad Jazayeri, professor de ciências cerebrais e cognitiva
do Instituto Tecnológico de Massachusetts, nos Estados Unidos. O neurocientista
revela que, por muitas décadas, acreditou-se na existência de um grande relógio
central, um “Big Ben” encravado no cérebro, responsável por controlar a noção
de tempo.
“Uma variação posterior desse modelo sugeria que, em vez de
um cronômetro central, o cérebro media o tempo rastreando a sincronização entre
diferentes frequências de ondas cerebrais. Mas nenhuma dessas hipóteses combina
com o que, de fato, o cérebro faz”, afirma Jazayeri. No lugar disso, uma série
de pesquisas que ele conduz, desde a década passada, com primatas e voluntários
humanos mostra que os neurônios envolvidos com as atividades que, além de uma
ação, demandam cronometragens, como tocar um instrumento ou jogar tênis,
aprendem a responder a esses intervalos e conseguem reproduzi-los posteriormente,
com acurácia.
Por exemplo, ao ler a partitura, um músico sabe quais são os
sinais indicativos do tempo de duração de cada nota, assim como dos intervalos.
Em vez de existir um relógio no cérebro, responsável pela tarefa única de
avisar ao pianista que é hora de executar um som mais curto ou mais longo, os
mesmos neurônios implicados no ato de tocar o instrumento realizam essa
“contagem do tempo”. Os testes realizados por Jazeyeri mostram que um
complicado padrão neuronal faz com que as células disparem mais rápido ou mais
devagar, dependendo do intervalo de tempo requerido por uma atividade.
Consistente com a ideia de que não há um único cronômetro no
cérebro, Jazeyeri afirma que há pelo menos um longo circuito conectando três
regiões — córtex frontal dorsomedial, núcleo caudado e tálamo. “Essas áreas
estão envolvidas em muitos processos cognitivos, e o núcleo caudado também tem
implicação com controle motor, inibição e alguns tipos de aprendizagem”, diz.
No tálamo, onde há geração de sinais motores e sensoriais, os testes mostraram
um padrão diferenciado. Em vez de os neurônios alterarem a velocidade da
trajetória, muitos apenas aumentam ou reduzem a taxa de disparo, dependendo do
intervalo requerido. “Isso levanta a possibilidade de o tálamo instruir o
córtex a ajustar sua atividade para gerar certos intervalos de tempo.”
Dando sentido
Em um estudo recente publicado na revista Nature, a equipe
de Moser descreveu uma cadeia especializada localizada do lado direito da área
cerebral que codifica o espaço. “Essa rede fornece registros de data e hora
para eventos e acompanha a ordem dos eventos dentro de uma experiência”,
explica. Ou seja, ela é o que mais se aproxima do conceito amplo de tempo,
associando intervalos cronológicos a acontecimentos. “O nosso estudo revela
como o cérebro dá sentido ao tempo como um evento vivenciado. A rede de
neurônios não codifica o tempo explicitamente. O que medimos foi mais um tempo
subjetivo derivado do fluxo de experiências”, explica Albert Tsao, pesquisador
do laboratório de Moser, no Instituto Kavli.
De acordo com ele, esse “relógio neural” opera organizando
as experiências de vida em uma sequência ordenada de eventos. Essa atividade
cria uma ideia de tempo subjetivo. “A experiência e a sucessão de eventos
dentro dessa experiência são, portanto, a substância da qual o tempo subjetivo
é gerado e medido pelo cérebro”, afirma Tsao. Mas os neurocientistas
noruegueses destacam que a função não é tão cartesiana quanto pode parecer. “O
tempo não é um processo equilibrado. Ele é sempre único e sempre está mudando”,
explica Moser. Afinal, o cérebro é plástico, o que significa que se adapta
constantemente. “A distribuição das redes e a combinação das estruturas de
atividade merecem mais atenção no futuro”, diz. // TOMADO DE CORREIO
BRAZILIENSE
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