Segundo especialistas, há o risco de as alterações hormonais
causadas por uso de cosméticos causarem câncer de mama
VS Vilhena Soares
(foto: Kleber Sales/CB/D.A Press)
Ao entrar em uma farmácia ou em uma loja de cosméticos, as
opções de compra são inúmeras. Desodorantes, shampoos, cremes, maquiagem, uma
infinidade de produtos disponíveis aos que buscam cuidar da beleza e/ou da
saúde. Mas recorrer a recursos estéticos e de higiene pessoal pode ser
prejudicial ao corpo, alerta a pesquisadora americana Anna Pollack. Ao analisar
100 voluntárias, ela detectou mudanças significativas nos níveis hormonais
desencadeadas pela presença de químicos usados amplamente em cosméticos.
Segundo a cientista, as alterações podem causar problemas graves, como o câncer
de mama.
“Tenho um interesse de longa data em como os químicos
encontrados nos produtos de uso diário podem influenciar a função endócrina.
Nesse estudo, explorei um corte que observasse bem os efeitos de alguns
componentes químicos presentes nos cosméticos na produção de hormônios durante
o ciclo menstrual”, detalha ao Correio
Anna Pollack, professora-assistente de
Saúde Global e Comunitária da Universidade George Mason. Os detalhes do
trabalho foram divulgados na revista especializada Environment International.
Pollack e sua equipe analisaram 509 amostras de urina
coletadas de 143 mulheres com idade entre 18 e 44 anos. Nenhuma participante
apresentava doença crônica nem fazia uso de métodos contraceptivos hormonais.
Os pesquisadores contabilizaram, nas amostras, a quantidade de sibstâncias
químicas presentes na maioria dos produtos de cuidados pessoais usados pelas
mulheres, como parabenos (conservantes antimicrobianos), benzofenonas (filtros
ultravioleta) e bisfenol A (presente em embalagens plásticas).
“Esse estudo é o primeiro a examinar misturas de produtos
químicos amplamente utilizados em cosméticos em relação a hormônios em mulheres
saudáveis em idade reprodutiva usando múltiplas medidas de exposição ao longo
do ciclo menstrual”, ressalta Anna Pollack.
A equipe detectou que mesmo a exposição baixa a misturas dos
produtos químicos pode afetar os níveis de hormônios reprodutivos. A análise
mostrou, por exemplo, que filtros químicos e UV estão associados à diminuição
dos hormônios reprodutivos, enquanto os outros químicos, ao aumento das mesmas
substâncias hormonais.
Essa diferença de efeitos de substâncias, que geralmente são
usadas combinadas, ilustra a complexidade do problema, segundo a líder do
estudo. “Temos indicadores de que os produtos químicos, como os parabenos,
podem aumentar os níveis de estrogênio ou de progesterona, por exemplo,
principalmente quando combinados com o bisfenol A”, diz Anna Pollack. “Se essa
descoberta for confirmada por pesquisas adicionais, isso pode ter implicações
para doenças dependentes de estrogênio, como o câncer de mama.”
Crianças
Segundo Tânia Bachega, endocrinologista da Sociedade
Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Regional São Paulo (SBEM-SP), o
estudo americano traz dados que entram em concordância com outras pesquisas
relacionadas à ação de substâncias desreguladoras endócrinas. “Os parabenos são
usados frequentemente em produtos de
beleza e higiene pessoal, e sabemos que eles exercem influência sobre o hormônio
feminino estrogênio. Um dos problemas disso é que, quando usamos esses
produtos, eles podem ser absorvidos pela pele, e, em crianças, isso é mais
grave, porque pode antecipar a puberdade”, alerta.
A médica usa como exemplo o aparecimento das mamas, fenômeno
chamado cientificamente de telarca. “Sabemos que ele tem ocorrido mais cedo na
espécie humana e que isso tem uma influência ambiental, que pode estar
relacionada à exposição a químicos. Não podemos provar, mas há estudos
mostrando essa correlação”, contextualiza. Para Tânia Bachega, esse tipo de
informação exige um cuidado maior no uso de produtos em crianças. “Cada vez
mais cedo, elas começam a usar produtos de beleza, e, por estarem na fase de desenvolvimento,
esse efeito pode ser maior. Acho que agora é o momento de a gente aprender a
ler os rótulos e conhecer os produtos químicos.”
Sem alarde
A endocrinologista explica que o aumento de estrogênio
também está associado à ocorrência de tumores. “Estudos feitos com células de
câncer de mama em cultura mostraram que, quando você joga o parabeno, essas
moléculas cancerígenas crescem mais. E mesmo que você não veja o aumento da
presença do estrogênio, como ocorreu nesse estudo americano, eles podem aumentar
a ação desse hormônio”, destaca. “Também podemos ressaltar que a ocorrência de
problemas como câncer de mama e de cólon têm frequência maior, o que pode estar
relacionado a essa exposição.”
Apesar das evidências, Tânia Bachega pondera que o estudo do
tema é incipiente na ciência, o que exige mais pesquisas para que sejam
descobertas formas melhores de uso dessas substâncias. Um dos entraves, segundo
a médica, é o fato de não haver um debate sobre a dose segura desses químicos.
A medida implica na existência de mecanismos de controles e, consequentemente,
na prevenção de efeitos colaterais. “Esse princípio não se aplica aos
desreguladores endócrinos porque eles têm ação semelhante aos hormônios. Essa,
porém, é a grande preocupação da Sociedade Americana e Europeia de
Endocrinologia: ter estudos que mostrem quais são as doses dessas substâncias
que poderiam causar efeitos adversos à saúde”, frisa.
A necessidade de mais estudos também é o argumento usado por
Anna Pollack para acalmar as mulheres. A cientista ressalta que as descobertas
do seu estudo precisam ser aprofundadas, o que poderá resultar em orientações
mais concisas sobre o uso de cosméticos. “Nossas descobertas aguardam
confirmação, que é anterior à ocorrência de
uma preocupação dos consumidores com todos os produtos”, tranquiliza.
“Como próximo passo, estamos explorando como essas exposições podem estar
relacionadas à duração do ciclo menstrual e a biomarcadores de estresse
oxidativo, que causam envelhecimento precoce”, adianta.
“Não acho que o ônus deva recair sobre as mulheres. Na
verdade, são os produtos que devem garantir a falta de atividade endócrina.
Acho que as empresas devem estar cientes de que as mulheres estão expostas a
combinações desses produtos”
Anna Pollack,
professora-assistente de Saúde Global e Comunitária da Universidade
George Mason e líder do estudo
Um produto cosmético ideal deverá apresentar características
de saúde e estética (…) Essa pesquisa destaca o distanciamento ocorrido
entre higiene e estética, pilares da
cosmetologia”
Lívia de Sá Barreto, professora de farmácia da Faculdade de
Ceilândia da Universidade de Brasília
Alerta é maior para fabricantes
Se as usuárias de
cosméticos não precisam ficar tão preocupadas com os possíveis efeitos dos
produtos, o mesmo não deveria ocorrer com as empresas. Segundo a pesquisadora
Anna Pollack, os resultados do estudo reforçam a necessidade de reflexão sobre
o teor das fórmulas vendidas. “Não acho que o ônus deva recair sobre as
mulheres. Na verdade, são os produtos que devem garantir a falta de atividade
endócrina. Acho que as empresas devem estar cientes de que as mulheres estão
expostas a combinações desses produtos, em vez de acreditar que elas usam
apenas uma ou duas opções e que a abordagem, em termos de segurança e testes,
deve refletir as múltiplas exposições”, defende.
Lívia de Sá Barreto, professora de farmácia da Faculdade de
Ceilândia da Universidade de Brasília (UnB), também acredita que os dados da
pesquisa americana devem ser interpretados como um alerta às produtoras de
cosméticos. “A pesquisa demonstra que há efeitos nocivos à saúde. Sendo assim,
sua divulgação fortalecerá a exigência atual do mercado por produtos isentos de
substâncias que possam provocar alterações na homeostase (busca por equilíbrio
orgânico), forçando as empresas a realizar alterações de suas fórmulas”,
defende.
Novas fórmulas
A especialista reconhece que o processo de adaptação é
bastante complexo e exige dedicação, mas é necessário. “A alteração de fórmula
implica na realização de um intenso trabalho: estudos de pré-formulação, de
desenvolvimento, de avaliação de estabilidade, de efetividade, de inocuidade
etc. Sendo assim, com certeza, contribuirá com melhoras”, diz.
Para Lívia de Sá Barreto, a indústria de cosméticos não pode
priorizar apenas a relação do produto com a estética. “Um produto cosmético
ideal deverá apresentar características de saúde e estética. A higiene mantém a
saúde, enquanto a estética promove o embelezamento. Essa pesquisa destaca o
distanciamento ocorrido entre higiene e
estética, pilares da cosmetologia, favorecendo apenas a estética em detrimento
da saúde dos consumidores.”
Segundo a professora da UnB, há estudos indicando
substâncias que possam substituir os químicos nocivos. Algumas, inclusive,
sintéticas. “Mas elas têm valor comercial bem mais elevado”, lamenta. “Um
desdobramento interessante a ser feito é a melhora tecnológica para
possibilitar a obtenção desses alternativos em maior escala, reduzindo, assim,
o valor comercial deles”, sugere.
Palavra de
especialista
“Existe na literatura
a indicação de que o bisfenol tem uma atividade estrogênica. Na área de
pesquisa, também há alguns trabalhos que indicam o impacto dessa substância
sobre o sistema endócrino e o reprodutor. Enfim, temos uma vasta gama de
investigações sobre os impactos desse produto e sobre a necessidade de
regulamentação no uso dele. Ainda não temos como falar com propriedade sobre o
mecanismo biológico de atuação do bisfenol no organismo. Talvez, essa peça seja
a necessária para uma ação efetiva. Na conclusão do artigo americano, fica
clara a prudência dos autores sobre os resultados alcançados. Somente com a
continuidade dos estudos teremos elementos suficientes para as agências
regulamentadoras atuarem.”
Atailson Oliveira, mestre em nanotecnologia e professor do
curso de engenharia do Centro Universitário Estácio. // TOMADO DE CORREIO
BRAZILIENSE
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