martes, 25 de septiembre de 2018

PRODUTOS QUÍMICOS DE COSMÉTICOS PODEM PREJUDICAR O SISTEMA HORMONAL


Segundo especialistas, há o risco de as alterações hormonais causadas por uso de cosméticos causarem câncer de mama
VS Vilhena Soares
(foto: Kleber Sales/CB/D.A Press)
Ao entrar em uma farmácia ou em uma loja de cosméticos, as opções de compra são inúmeras. Desodorantes, shampoos, cremes, maquiagem, uma infinidade de produtos disponíveis aos que buscam cuidar da beleza e/ou da saúde. Mas recorrer a recursos estéticos e de higiene pessoal pode ser prejudicial ao corpo, alerta a pesquisadora americana Anna Pollack. Ao analisar 100 voluntárias, ela detectou mudanças significativas nos níveis hormonais desencadeadas pela presença de químicos usados amplamente em cosméticos. Segundo a cientista, as alterações podem causar problemas graves, como o câncer de mama.
“Tenho um interesse de longa data em como os químicos encontrados nos produtos de uso diário podem influenciar a função endócrina. Nesse estudo, explorei um corte que observasse bem os efeitos de alguns componentes químicos presentes nos cosméticos na produção de hormônios durante o ciclo menstrual”, detalha  ao Correio Anna Pollack,  professora-assistente de Saúde Global e Comunitária da Universidade George Mason. Os detalhes do trabalho foram divulgados na revista especializada Environment International.
Pollack e sua equipe analisaram 509 amostras de urina coletadas de 143 mulheres com idade entre 18 e 44 anos. Nenhuma participante apresentava doença crônica nem fazia uso de métodos contraceptivos hormonais. Os pesquisadores contabilizaram, nas amostras, a quantidade de sibstâncias químicas presentes na maioria dos produtos de cuidados pessoais usados pelas mulheres, como parabenos (conservantes antimicrobianos), benzofenonas (filtros ultravioleta) e bisfenol A (presente em embalagens plásticas).
“Esse estudo é o primeiro a examinar misturas de produtos químicos amplamente utilizados em cosméticos em relação a hormônios em mulheres saudáveis em idade reprodutiva usando múltiplas medidas de exposição ao longo do ciclo menstrual”, ressalta Anna Pollack.
A equipe detectou que mesmo a exposição baixa a misturas dos produtos químicos pode afetar os níveis de hormônios reprodutivos. A análise mostrou, por exemplo, que filtros químicos e UV estão associados à diminuição dos hormônios reprodutivos, enquanto os outros químicos, ao aumento das mesmas substâncias hormonais.
Essa diferença de efeitos de substâncias, que geralmente são usadas combinadas, ilustra a complexidade do problema, segundo a líder do estudo. “Temos indicadores de que os produtos químicos, como os parabenos, podem aumentar os níveis de estrogênio ou de progesterona, por exemplo, principalmente quando combinados com o bisfenol A”, diz Anna Pollack. “Se essa descoberta for confirmada por pesquisas adicionais, isso pode ter implicações para doenças dependentes de estrogênio, como o câncer de mama.”
Crianças
Segundo Tânia Bachega, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Regional São Paulo (SBEM-SP), o estudo americano traz dados que entram em concordância com outras pesquisas relacionadas à ação de substâncias desreguladoras endócrinas. “Os parabenos são usados frequentemente em  produtos de beleza e higiene pessoal, e sabemos que eles exercem influência sobre o hormônio feminino estrogênio. Um dos problemas disso é que, quando usamos esses produtos, eles podem ser absorvidos pela pele, e, em crianças, isso é mais grave, porque pode antecipar a puberdade”, alerta.
A médica usa como exemplo o aparecimento das mamas, fenômeno chamado cientificamente de telarca. “Sabemos que ele tem ocorrido mais cedo na espécie humana e que isso tem uma influência ambiental, que pode estar relacionada à exposição a químicos. Não podemos provar, mas há estudos mostrando essa correlação”, contextualiza. Para Tânia Bachega, esse tipo de informação exige um cuidado maior no uso de produtos em crianças. “Cada vez mais cedo, elas começam a usar produtos de beleza, e, por estarem na fase de desenvolvimento, esse efeito pode ser maior. Acho que agora é o momento de a gente aprender a ler os rótulos e conhecer os produtos químicos.”
Sem alarde
A endocrinologista explica que o aumento de estrogênio também está associado à ocorrência de tumores. “Estudos feitos com células de câncer de mama em cultura mostraram que, quando você joga o parabeno, essas moléculas cancerígenas crescem mais. E mesmo que você não veja o aumento da presença do estrogênio, como ocorreu nesse estudo americano, eles podem aumentar a ação desse hormônio”, destaca. “Também podemos ressaltar que a ocorrência de problemas como câncer de mama e de cólon têm frequência maior, o que pode estar relacionado a essa exposição.”
Apesar das evidências, Tânia Bachega pondera que o estudo do tema é incipiente na ciência, o que exige mais pesquisas para que sejam descobertas formas melhores de uso dessas substâncias. Um dos entraves, segundo a médica, é o fato de não haver um debate sobre a dose segura desses químicos. A medida implica na existência de mecanismos de controles e, consequentemente, na prevenção de efeitos colaterais. “Esse princípio não se aplica aos desreguladores endócrinos porque eles têm ação semelhante aos hormônios. Essa, porém, é a grande preocupação da Sociedade Americana e Europeia de Endocrinologia: ter estudos que mostrem quais são as doses dessas substâncias que poderiam causar efeitos adversos à saúde”, frisa.
A necessidade de mais estudos também é o argumento usado por Anna Pollack para acalmar as mulheres. A cientista ressalta que as descobertas do seu estudo precisam ser aprofundadas, o que poderá resultar em orientações mais concisas sobre o uso de cosméticos. “Nossas descobertas aguardam confirmação, que é anterior à ocorrência de  uma preocupação dos consumidores com todos os produtos”, tranquiliza. “Como próximo passo, estamos explorando como essas exposições podem estar relacionadas à duração do ciclo menstrual e a biomarcadores de estresse oxidativo, que causam envelhecimento precoce”, adianta.
“Não acho que o ônus deva recair sobre as mulheres. Na verdade, são os produtos que devem garantir a falta de atividade endócrina. Acho que as empresas devem estar cientes de que as mulheres estão expostas a combinações desses produtos”
Anna Pollack,  professora-assistente de Saúde Global e Comunitária da Universidade George Mason e líder do estudo
Um produto cosmético ideal deverá apresentar características de saúde e estética (…) Essa pesquisa destaca o distanciamento ocorrido entre  higiene e estética, pilares da cosmetologia”
Lívia de Sá Barreto, professora de farmácia da Faculdade de Ceilândia da Universidade de Brasília
  Alerta é maior para fabricantes
 Se as usuárias de cosméticos não precisam ficar tão preocupadas com os possíveis efeitos dos produtos, o mesmo não deveria ocorrer com as empresas. Segundo a pesquisadora Anna Pollack, os resultados do estudo reforçam a necessidade de reflexão sobre o teor das fórmulas vendidas. “Não acho que o ônus deva recair sobre as mulheres. Na verdade, são os produtos que devem garantir a falta de atividade endócrina. Acho que as empresas devem estar cientes de que as mulheres estão expostas a combinações desses produtos, em vez de acreditar que elas usam apenas uma ou duas opções e que a abordagem, em termos de segurança e testes, deve refletir as múltiplas exposições”, defende.
Lívia de Sá Barreto, professora de farmácia da Faculdade de Ceilândia da Universidade de Brasília (UnB), também acredita que os dados da pesquisa americana devem ser interpretados como um alerta às produtoras de cosméticos. “A pesquisa demonstra que há efeitos nocivos à saúde. Sendo assim, sua divulgação fortalecerá a exigência atual do mercado por produtos isentos de substâncias que possam provocar alterações na homeostase (busca por equilíbrio orgânico), forçando as empresas a realizar alterações de suas fórmulas”, defende.
Novas fórmulas
A especialista reconhece que o processo de adaptação é bastante complexo e exige dedicação, mas é necessário. “A alteração de fórmula implica na realização de um intenso trabalho: estudos de pré-formulação, de desenvolvimento, de avaliação de estabilidade, de efetividade, de inocuidade etc. Sendo assim, com certeza, contribuirá com melhoras”, diz.
Para Lívia de Sá Barreto, a indústria de cosméticos não pode priorizar apenas a relação do produto com a estética. “Um produto cosmético ideal deverá apresentar características de saúde e estética. A higiene mantém a saúde, enquanto a estética promove o embelezamento. Essa pesquisa destaca o distanciamento ocorrido entre  higiene e estética, pilares da cosmetologia, favorecendo apenas a estética em detrimento da saúde dos consumidores.”
Segundo a professora da UnB, há estudos indicando substâncias que possam substituir os químicos nocivos. Algumas, inclusive, sintéticas. “Mas elas têm valor comercial bem mais elevado”, lamenta. “Um desdobramento interessante a ser feito é a melhora tecnológica para possibilitar a obtenção desses alternativos em maior escala, reduzindo, assim, o valor comercial deles”, sugere.
Palavra de especialista
 “Existe na literatura a indicação de que o bisfenol tem uma atividade estrogênica. Na área de pesquisa, também há alguns trabalhos que indicam o impacto dessa substância sobre o sistema endócrino e o reprodutor. Enfim, temos uma vasta gama de investigações sobre os impactos desse produto e sobre a necessidade de regulamentação no uso dele. Ainda não temos como falar com propriedade sobre o mecanismo biológico de atuação do bisfenol no organismo. Talvez, essa peça seja a necessária para uma ação efetiva. Na conclusão do artigo americano, fica clara a prudência dos autores sobre os resultados alcançados. Somente com a continuidade dos estudos teremos elementos suficientes para as agências regulamentadoras atuarem.”
Atailson Oliveira, mestre em nanotecnologia e professor do curso de engenharia do Centro Universitário Estácio. // TOMADO DE CORREIO BRAZILIENSE

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