Coronavírus: cloroquina não previne covid-19, aponta estudo
Os cientistas da Universidade da Pensilvânia, nos Estados
Unidos, testaram se o medicamento, usado contra lúpus e malária, tinha esse
efeito em 125 profissionais de saúde
Rafael Barifouse - Da BBC News Brasil em São Paulo
Anvisa restringiu venda da cloroquina após grande procura
pelo medicamento no início do ano - (crédito: Secretaria da Saúde
Paraná/Divulgação)
Um novo estudo concluiu que tomar cloroquina não previne
a covid-19,
a doença causada pelo novo coronavírus.
Os cientistas da Universidade da Pensilvânia, nos Estados
Unidos, testaram se o medicamento, usado contra lúpus e malária, tinha esse
efeito em 125 profissionais de saúde.
Os participantes foram divididos em dois grupos: 64
receberam cloroquina e 61 receberam placebo, por oito semanas.
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Ao fim, foi constatado que não houve uma diferença
significativa na proporção de pessoas que foram infectadas.
Houve quatro casos em cada grupo, o que representou 6,3% dos
voluntários que tomaram cloroquina e 6,6% daqueles que tomaram placebo.
"Com isso, não podemos recomendar o uso rotineiro da
hidroxicloroquina entre profissionais de saúde para prevenir a covid-19",
dizem os autores da pesquisa, que foi publicada nesta quinta-feira (30/9) no
Jama Internal Medicine, periódico científico da Associação Médica Americana.
Os resultados do estudo não surpreendem, diz a
infectologista Raquel Stucchi, professora da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), porque reforçam outras evidências científicas obtidas até agora de
que a hidroxicloroquina não é eficaz contra o coronavírus.
"Já tive muita esperança de que a cloroquina pudesse
funcionar, mas isso não se provou com o passar dos meses, e esse estudo
reafirma o que a gente já sabia. Mas é importante ter isso documentado
cientificamente, porque uma coisa é um médico não receitar esse medicamento
porque não gosta dele ou tem impressão de que não vai dar certo e outra é não
fazer isso porque a ciência mostrou que não funciona", afirma Stucchi.
Os autores do estudo ressaltaram ainda que os participantes
que tiveram covid-19 não apresentaram sintomas ou tiveram só sinais leves da
doença. Todos se recuperaram totalmente.
Os voluntários que tomaram cloroquina tiveram mais efeitos
colaterais do que os que usaram placebo, especialmente diarreia (32% no
primeiro grupo em comparação com 12% no segundo). Mas não houve reações graves.
O estudo foi encerrado antes de recrutar todos os 200
participantes previstos inicialmente porque uma revisão dos resultados obtidos
após a pesquisa passar de 100 voluntários já apontou a ineficácia da hidroxicloroquina
para prevenir a covid-19.
De acordo com modelos matemáticos, mesmo que a pesquisa
prosseguisse até o fim, esse resultado não seria alterado, segundo cálculos
estatísticos.
Em casos assim, poderia ser considerado antiético prosseguir
com a pesquisa, que foi então finalizada.
Estudo anterior chegou à mesma conclusão
Um estudo publicado em junho na revista científica The New
England Journal of Medicine havia chegado ao mesmo resultado.
A pesquisa contou com a participação de 821 voluntários dos
Estados Unidos e do Canadá que haviam entrado em contato com pessoas infectadas
pelo novo coronavírus.
Os participantes tomaram o medicamento ou placebo por cinco
dias após a exposição ao vírus. Segundo os autores do estudo, não houve uma
diferença significativa entre a proporção de infectados entre os dois grupos.
Os autores do novo estudo fazem referência a essa pesquisa e
afirmam que uma das críticas feitas àquela investigação é que os voluntários
começaram a tomar o medicamento de três a quatro dias após entrarem em contato
com alguém que tinha o vírus.
Isso "gerou críticas de que o atraso no início do uso
da hidroxicloroquina pode ter deixado passar uma janela biológica chave para
prevenir a transmissão", dizem os pesquisadores da Universidade da Pensilvânia.
Por isso, eles decidiram testar o uso da droga antes da
exposição, mas também concluíram que ela não foi eficaz.
No entanto, fazem uma ressalva: "Dado o pequeno tamanho
da amostra, não podemos descartar um pequeno efeito potencial profilático não
detectado".
Os cientistas também afirmam que os participantes eram
saudáveis e relativamente jovens (com uma idade média de 33 anos) e que, por
isso, os resultados obtidos não poderiam ser generalizados para toda a
população, especialmente entre pessoas com idade mais avançada ou que têm
outras doenças, que são em ambos os casos fatores de risco da covid-19.
"Também não podemos excluir a possibilidade de uma dose
menor ou intermitente de hidroxicloroquina seja mais eficiente para a
prevenção, embora investigações pré-clínicas com macacos não tenha encontrado
diferenças na atividade antiviral com diferentes dosagens", dizem os
autores.
"Testes de profilaxia em curso serão importantes para
abordar essas limitações."
Trump e Bolsonaro
ReutersBolsonaro disse ter usado cloroquina para se tratar
da covid-19
O possível efeito da cloroquina para prevenir a covid-19 era
cogitado por autoridades e profissionais de saúde, embora não houvesse
evidências científicas concretas disso.
Questionado por que estava fazendo isso mesmo sem evidências
científicas deste efeito, Trump afirmou: "Porque eu acho que é bom. Ouvi
muitas histórias".
Também em maio, o governo brasileiro anunciou, por meio do
Itamaraty, que as 2 milhões de doses de hidroxicloroquina doadas pelos Estados
Unidos seriam usadas como "profilático", termo médico usado para
medidas de prevenção de doenças, para "ajudar a defender enfermeiros,
médicos e profissionais de saúde do Brasil contra o vírus".
A droga chegou a ser distribuída com esse mesmo objetivo
pela prefeitura de algumas cidades, como Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e
Gravataí, no Rio Grande do Sul.
Em Brusque, em Santa Catarina, o plano de saúde Unimed
chegou a dar um kit com hidroxicloroquina, ivermectina, vitamina D e zinco que
supostamente impediria que profissionais de saúde que estão na linha de frente
da pandemia ficassem doentes.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é um defensor da
hidroxicloroquina, mas costuma incentivar seu uso não para prevenção, mas nos
primeiros estágios da doença.
Bolsonaro disse ter usado o medicamento quando teve a doença
em julho.
O Ministério da Saúde autoriza que a hidroxicloroquina seja
prescrita tanto para casos leves quanto para casos graves.
A grande procura pelo medicamento no começo do ano levou a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária a colocar a colocar o cloroquina sob
um regime de controle especial de venda, que exige uma receita especial e a
retenção da prescrição na farmácia.
Mas diversos
estudos já demonstraram desde então que a cloroquina não é eficaz para
tratar a covid-19.
"Entre os profissionais de saúde, a maioria de nós, com
exceção de alguns poucos, já se curvou às evidências científicas, mesmo quem
era favorável", diz Stucchi.
"Todo mundo quer que tenha um remédio, sem dúvida,
estamos ávidos por uma medicação que possa abortar a evolução da doença,
impedir uma forma grave ou servir como profilaxia. Talvez a crença nisso se
sustente por teimosia política, mas, do ponto de vista científico, isso não se
sustenta mais."
Tomado de correio brasiliense
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