Cientistas identificam mecanismos de sobrevivência do Sars-CoV-2 e de outros patógenos da mesma família e apontam possíveis tratamentos para derrotar o vírus. Análises com drogas prescritas para outras doenças apresentam resultados promissores
Paloma Oliveto (crédito:
Karoli Arvai/AFP)
No maior estudo já realizado sobre os pontos fracos do
Sars-CoV-2, um grupo de 200 cientistas em seis países descobriu mecanismos de
sobrevivência desse e dos outros dois coronavírus potencialmente letais —
Sars-CoV-1 e Mers-CoV — que podem ser alvo de tratamentos. O trabalho,
desenvolvido em 14 instituições de pesquisa, foi publicado na revista Science e
apresentado ontem, em uma coletiva de imprensa on-line. Segundo os autores, já
existem medicamentos capazes de atacar essas vulnerabilidades.
Antes da covid-19, houve duas epidemias de coronavírus: da síndrome
respiratória severa aguda (Sars), em 2002/2003, e da síndrome respiratória do
Oriente Médio (Mers), em 2012. O estudo identificou mecanismos moleculares
cruciais para a sobrevivência dos patógenos, que são iguais nos três, sugerindo
que drogas cujo alvo sejam esses meios de ação dos vírus poderão combater
outros micro-organismos da mesma família que surjam no futuro.
Para descobrir o calcanhar de Aquiles dos coronavírus, os pesquisadores se
debruçaram sobre um banco de prontuários médicos contendo informações de 740
mil pacientes com Sars-CoV-2. Anteriormente, o mesmo grupo publicou dados
preliminares nas revistas Nature e Cell. Agora, eles fizeram a análise completa
do conjunto, usando abordagens bioquímicas, proteômicas, genéticas,
estruturais, bioinformáticas, virológicas e de imagem. O objetivo foi
identificar as proteínas-alvo e os processos celulares que permitem aos
coronavírus interagirem com o hospedeiro e infectá-lo com sucesso.
Aproveitando o mapeamento de como as proteínas virais interagem com as da
célula hospedeira que são alvo, chamadas interactome, a equipe comparou os
dados do Sars-CoV-2 aos dos coronavírus anteriores, destacando vários processos
celulares importantes que são compartilhados entre os três. Essas vias comuns e
alvos proteicos representam alvos de alta prioridade para intervenções
terapêuticas para essa e futuras pandemias.
“Trabalhamos diligentemente desde os primeiros dias da identificação do
Sars-CoV-2 nos questionando sobre a biologia e as atividades funcionais desses
vírus, e procurando explorar os pontos fracos dele”, disse Veronica Rezelj,
virologista do Instituto Pasteur, em Paris. “Em nosso estudo mais recente,
aumentamos nossa base de conhecimento ao direcionar a pesquisa para dois
coronavírus adicionais, elucidando mecanismos entre os vírus que permitem
intervenções terapêuticas em potencial.”
20 genes
Christopher Basler, professor e diretor do Centro para
Patogenia Microbiana do Instituto para Ciências Biomédicas, nos Estados Unidos,
conta que os trabalhos anteriores do grupo identificaram mais de 300 proteínas
de células hospedeiras que podem interagir com as do Sars-CoV-2. No estudo
atual, o laboratório de Basler examinou cada uma delas quanto à capacidade de
alterar o crescimento do vírus. “Os esforços identificaram pelo menos 20 genes
do hospedeiro cujos produtos proteicos alteram significativamente a quantidade
de vírus produzida pelas células infectadas”, diz. “Essas proteínas representam
alvos potenciais para intervenção terapêutica. Por exemplo, se uma proteína
celular é necessária para o crescimento eficiente do vírus, uma droga que inibe
a proteína celular deve retardar a infecção”, exemplifica.
Os pesquisadores também realizaram análises dos dados clínicos sobre a evolução
da doença em pacientes de covid-19. Para fazer isso, identificaram moléculas em
células humanas que poderiam ser o alvo de medicamentos aprovados pelo FDA,
órgão de regulamentação de medicamentos dos EUA, e procuraram o efeito dessas
drogas nos 740 mil indivíduos cujos prontuários foram disponibilizados.
As análises revelaram, por exemplo, que, nos pacientes medicados com uma
substância anti-inflamatória não esteroide chamada indometacina, que tem como
alvo o gene PGES-2, o risco da evolução da doença foi menor, comparado ao
daqueles tratados com o celecoxibe, droga da mesma classe e indicação, mas que
não se foca nessa proteína. Entre as pessoas que foram internadas, o grupo
comparou a eficácia do antipsicótico haloperidol, que tem atividade contra o
receptor sigma 1, com antipsicóticos atípicos, que não miram esse alvo. A
metade dos pacientes que usavam haloperidol progrediu a ponto de exigir
ventilação mecânica. Isso indicou que antipsicóticos típicos (os mais antigos,
da década de 1950, e ainda em uso) podem ter efeitos adversos significativos.
Não só eles, segundo os pesquisadores, mas outras drogas que também agem no
receptor sigma 1.
Hipóteses clínicas
“Esses são exemplos poderosos de como o conhecimento em
nível molecular pode gerar rapidamente hipóteses clínicas e ajudar a priorizar
os candidatos para estudos clínicos prospectivos ou para o futuro
desenvolvimento de drogas. Uma análise cuidadosa dos benefícios e riscos relativos
dessas terapêuticas deve ser realizada antes de considerar estudos ou
intervenções prospectivas”, disse Nevan Krogan, diretor do Instituto de
Biociências Quantitativas da Universidade da Califórnia, em San Francisco, e
líder do estudo.
“As análises demonstram como as informações biológicas e moleculares são
traduzidas em implicações do mundo real para o tratamento da covid-19 e de
outras doenças virais”, concordou Pedro Beltrão, do Instituto Europeu de
Bioinformática. “Depois de mais de um século de coronavírus relativamente
inofensivos, nos últimos 20 anos, tivemos três mortais. Investigando as três
espécies, temos a capacidade de prever a terapêutica de coronavírus que pode
ser eficaz no tratamento do atual pandemia e de um futuro coronavírus.”
Cepa em porcos
Um estudo publicado na revista Pnas afirmou que uma cepa de coronavírus que
atinge porcos, a SADS-CoV, tem potencial para se espalhar para humanos. O
micro-organismo circula na China desde 2016, causando diarreia e vômitos nos
animais. Agora, pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte dizem que
ele pode infectar e se replicar nas vias respiratórias humanas, no fígado e nas
células intestinais. O estudo foi feito em células, in vitro. Por isso, os
autores ressaltam que não estão afirmando que o SADS-CoV necessariamente
passará para humanos. “É impossível prever se ele poderia emergir e infectar
populações humanas”, disseram ao jornal Daily Mail.
Vacina mostra-se segura para idosos
crédito: Gabriel Bouys/AFP
Uma vacina chinesa para a covid-19 baseada no vírus
Sars-CoV-2 inteiro e inativado mostrou-se segura e provocou uma resposta de
anticorpos, segundo um pequeno ensaio clínico randomizado de fase inicial
publicado na The Lancet Infectious Diseases.
O estudo incluiu participantes com idade entre 18 e 80 anos e descobriu que a
ativação de proteínas foi induzida em todos eles. Pessoas com mais de 60 anos
demoraram mais para responder, levando 42 dias antes que os anticorpos fossem
detectados, em comparação com 28 dias para aqueles com 18 a 59 anos.
Os níveis de anticorpos também foram mais baixos nas pessoas de 60 a 80 anos,
em comparação com aquelas com 18 a 59 anos. Como o ensaio não foi desenhado
para avaliar a eficácia da vacina, não é possível dizer se as respostas
induzidas pela substância, chamada BBIBP-CorV, são suficientes para proteger da
infecção por Sars-CoV-2, ressaltou Xiaoming Yang, do Instituto de Pequim de
Produtos Biológicos, em Pequim, e um dos autores do estudo.
“Proteger as pessoas mais velhas é o principal objetivo de uma vacina para a
covid-19 bem-sucedida, já que essa faixa etária é a que oferece maior risco de
doença grave”, comentou Yang. “No entanto, as vacinas, às vezes, são menos
eficazes nesse grupo porque o sistema imunológico enfraquece com a idade.
Portanto, é encorajador ver que a BBIBP-CorV induz respostas de anticorpos em
pessoas com 60 anos ou mais, e acreditamos que isso justifica uma investigação
mais aprofundada.”
Dose de reforço
A vacina é baseada em uma amostra do vírus que foi isolada
de um paciente da China. Os estoques do micro-organismo foram cultivados em
laboratório usando linhagens de células e, em seguida, inativados com uma
substância química chamada beta-proprionolactona. A BBIBP-CorV inclui o vírus
morto misturado a outro componente, o hidróxido de alumínio, que é chamado de
adjuvante pela capacidade de aumentar as respostas imunológicas.
A primeira fase do estudo foi desenhada para encontrar a dose segura ideal para
o BBIBP-CorV. Envolveu 96 voluntários saudáveis com idade entre 18 e 59 anos e
um segundo grupo de 96 participantes com 60 a 80 anos. Dentro de cada grupo, a
vacina foi testada em três níveis de dose diferentes. No total, na fase 1, 144
pessoas receberam a vacina e 48, o placebo.
A segunda fase do estudo foi desenhada para identificar o calendário ideal para
a vacinação. Nela, 448 participantes com idade entre 18 e 59 anos foram
aleatoriamente designados para receber uma injeção de vacina ou placebo.
Desses, 336 recebendo, de fato, a substância imunizante. Nenhum evento adverso
sério foi relatado dentro de 28 dias após a vacinação final. “Nossas
descobertas indicam que uma injeção de reforço é necessária para obter as
melhores respostas de anticorpos contra o Sars-CoV-2 e pode ser importante para
a proteção. Isso fornece informações úteis para um estudo de fase 3”, disse
Xiaoming Yang.
OMS: Europa preocupa
O endurecimento das medidas de isolamento adotadas em países
europeus no último dia é, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS),
essencial para evitar um confinamento geral da população. O continente enfrenta
uma retomada “muito preocupante” dos casos de infecção, segundo a agência das
Nações Unidas, com registros recordes sucessivos. “Amentam o número de casos
diários, e o de internações hospitalares também. A covid já é a quinta causa de
morte e já atingiu o nível de 1.000 mortes por dia”, enumerou o diretor da
seção Europa da OMS, Hans Kluge.
Segundo Kluge, são contabilizados duas ou três vezes mais casos por dia em
relação ao pico da curva de abril. “Mas vemos que o número de mortes representa
um quinto daquelas registradas no pior momento da pandemia”, compara. De acordo
com a OMS, esse novo cenário se justifica pelo aumento da testagem da população
e de casos de infecção entre pacientes mais jovens, que costumam ser menos
vulneráveis.
No entanto, e com base em projeções, a OMS alerta que há possibilidade de
países enfrentarem um nível de mortalidade “quatro ou cinco vezes maior do que
em abril” caso as estrições forem suspensas gradual e prematuramente.
Comissária europeia para a Saúde, Stella Kyriakides pediu aos países da União
Europeia que façam “o que for necessário” para conter o vírus. “O tempo é
curto, e todos devem fazer o que for necessário para evitar os devastadores
efeitos sociais, econômicos e de saúde do confinamento generalizado”, disse.
por paloma oliveto //Tomado de correio braziliense
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