O eclipse que salvou a vida de Cristóvão Colombo em viagem à América
Conhecimentos
astronômicos do navegador lhe permitiram sair de enrascadas em suas grandes
viagens
Analía Llorente -
BBC News Mundo
Getty Images - Houve um eclipse em 29 de fevereiro de 1504 e Colombo soube aproveitar dele para se salvar da fome
Muitos historiadores
concordam que Cristóvão Colombo, o primeiro navegador europeu a chegar à
América, era um homem extremamente inteligente.
Embora tenhamos
poucas certezas sobre a sua vida, é consenso que sua inteligência e agilidade o
ajudaram em diversas ocasiões, tanto para conseguir o que procurava como para
driblar dificuldades.
Uma dessas ocasiões
ocorreu em 1504, quando o almirante ficou preso na Jamaica durante sua quarta e
última viagem ao continente americano.
E para conseguir o
que queria dos nativos da ilha, ele se voltou para seus amplos conhecimentos
astronômicos.
'Gênio do engano'
Colombo partiu em
1502 para a América com o objetivo de encontrar um estreito marítimo para a
Ásia.
Mas depois de mais
de um ano navegando, perdeu dois barcos e os outros dois estavam muito
deteriorados, o que o impedia de continuar.
Getty ImagesEm sua quarta viagem à América, Colombo ficou encalhado na Jamaica após um naufrágio e a deterioração de seus barcos
Então, ele e cem
homens acabaram encalhados no norte da Jamaica.
Não foi a primeira
vez que Colombo chegou a esta ilha, e nem a chamou assim.
O navegador chegou
lá em 1494 e lhe deu o nome de Ilha de Santiago. No entanto, ele nunca se
referiu a ela por esse nome em seu diário dessa quarta viagem. Ele sempre falou
em Jamaica.
Este nome deriva do
nome original dos aborígenes arawak, que é Xaymaca ou Yamaya, que significa
"terra de madeira e água".
Os genoveses
enviaram um grupo, comandado por um de seus colaboradores, Diego Méndez de
Segura, de canoa à ilha de Hispaniola em busca de ajuda para resgatá-los.
Enquanto esperavam,
ele conseguiu trocar alguns de seus pertences por comida com os nativos. Porém,
dias e meses se passaram e o resgate não veio.
No final de 1503, a
relação com os indígenas começou a se deteriorar.
"Eles se
revoltaram e não queriam levar comida para ele como antes", disse Méndez
de Segura em seu testemunho.
As memórias de
Méndez de Segura e os detalhes desta última viagem foram publicados em 1825 por
Martín Fernández de Navarrete no livro Coleção de viagens e descobertas
feitas pelos espanhóis por mar desde os finais do século 15.
Se eles quisessem
sobreviver, tinham que fazer algo. E Colombo elaborou um plano tão brilhante
quanto perverso: assustar os aborígines com um eclipse que ocorreria em 29 de
fevereiro de 1504, o dia extra daquele ano bissexto.
Getty ImagesColombo sabia como usar a astronomia para enganar os indígenas da Jamaica em 1504
E o navegador sabia
por seus estudos que não seria um eclipse qualquer, mas um eclipse lunar que
mancharia o satélite natural da Terra de vermelho como o sangue. E ele poderia
apresentá-lo como um castigo divino do qual os nativos não podiam escapar.
"Colombo foi um
gênio do engano. E essa foi uma ideia salvadora", disse Antonio Bernal,
divulgador científico do Observatório Astronômico Fabra, na Espanha, em
entrevista à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).
Esse episódio é
narrado com detalhes no livro O Memorial dos Livros Naufragados, do
historiador inglês Edward Wilson-Lee.
Deus está com raiva
Segundo o relato de
Méndez, "ele (Colombo) convocou todos os chefes e disse-lhes que estava
maravilhado por eles não lhe trazerem a comida como costumavam fazer, sabendo,
como ele havia dito, que tinha vindo por ordem de Deus".
O explorador disse
"que Deus estava zangado com eles e que lhes mostraria naquela noite por
sinais que faria no céu; e como aquela noite era o eclipse da Lua, quase tudo
escureceu".
Colombo reforçou a
ideia de que Deus causou o eclipse por raiva "porque não lhe trouxeram
comida e acreditaram nele e saíram com muito medo e prometeram que sempre lhe
trariam comida", diz o livro de Fernández de Navarrete.
Getty ImagesO eclipse lunar geralmente torna o satélite natural da Terra vermelho por alguns minutos
Colombo sabia a que
horas o eclipse começaria e que a Lua ficaria vermelha.
"O eclipse
lunar tem duas partes principais: uma é o início, que é a parte parcial, em que
a Lua parece parcialmente escura. E quando está toda preta começa a segunda
parte, que é a da totalidade", explica Bernal.
"Esse eclipse
também teve uma característica especial: a Lua foi eclipsada ainda sem nascer,
abaixo do horizonte", acrescenta.
Então, quando
apareceu no céu, já estava parcialmente escura.
"E depois da
totalidade, os eclipses da Lua fazem com que ela pareça vermelha, pela refração
da atmosfera da Terra", detalha.
Isso porque a luz do
Sol não chega diretamente à Lua, mas parte dela é filtrada pela atmosfera
terrestre e as cores avermelhadas e laranja são projetadas no satélite natural.
Mas por que Colombo
estava tão certo de que haveria um eclipse?
O almanaque
Cristóvão Colombo
tinha muito conhecimento a seu favor: conhecia a navegação, falava várias
línguas e "tinha uma escrita muito bonita", segundo Consuelo Varela,
professora pesquisadora do Conselho Superior de Pesquisa Científica da Espanha
(CSIC).
"Ele foi um
homem com grande capacidade e vontade de conhecer e aprender. Talvez a
característica que mais se destaque em Colombo seja a determinação em saber as
coisas", diz à BBC Mundo o historiador espanhol, especialista em questões
americanas e em Colombo.
Mas, acima de tudo,
"Colombo conhecia o céu", acrescenta Bernal. "Ele conhecia as
estrelas e era guiado por elas."
O almirante era
aficionado por astronomia e sabe-se que em suas viagens carregava consigo um
calendário de eclipses: o almanaque Regiomontano.
A obra foi feita
pelo astrônomo e matemático alemão Johann Müller (1436-76), cujo apelido era
justamente "Regiomontano", que vem da tradução latina do nome da
cidade alemã onde nasceu: Königsberg.
Calendários e
almanaques impressos foram extremamente populares nos séculos 15 e 16,
fornecendo às pessoas os conhecimentos básicos necessários para planejar suas
rotinas diárias.
"Os fenômenos
celestes serviam para muitas coisas: primeiro para se orientar, e segundo, a
meteorologia era prevista com base nesses fenômenos celestes. Hoje sabemos que
isso é um erro, mas naquela época não se sabia disso", explica Bernal.
O almanaque
Regiomontano, em particular, foi amplamente utilizado porque seus cálculos eram
bastante precisos.
Seu criador
registrou vários eclipses lunares e seu interesse o levou a fazer a importante
observação de que a longitude no mar poderia ser determinada pelo cálculo das
distâncias lunares.
Ainda em 1472, ele
observou um cometa, 210 anos antes que o astrônomo Edmund Halley o visse
"pela primeira vez", destaca a Universidade de Glasgow em seus
arquivos e coleções especiais, que tem uma cópia desse calendário impressa em
1482.
Foi um auxílio
indispensável para cartógrafos, navegadores e astrólogos.
Esta foi a
ferramenta que Colombo usou para "prever" o eclipse lunar de 29 de
fevereiro de 1504 e salvar a si mesmo e seus homens da fome, até que em junho
daquele ano seu socorro tão esperado finalmente chegou.
Tomado de correio brasiliense
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